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Em Hanói, Obama se concentrará no futuro dos EUA com o Vietnã, não no passado

Bandeira preta de "prisioneiros de guerra/desaparecido em ação" tremula ao lado da americana - Benjamin Norman/The New York Times
Bandeira preta de "prisioneiros de guerra/desaparecido em ação" tremula ao lado da americana Imagem: Benjamin Norman/The New York Times

Gardiner Harris

Em Washington (EUA)

21/05/2016 06h00

As imagens serão inevitáveis, assim como a enxurrada de lembranças dolorosas.

Quando o presidente Barack Obama pousar em Hanói, no Vietnã, sua visita será narrada por fotógrafos, cinegrafistas e jornalistas que registrarão cada movimento daquele que é apenas o terceiro presidente americano a visitar o Vietnã desde o final da guerra dos Estados Unidos ali.

O ex-secretário de Defesa de Obama, Chuck Hagel, disse que ele está se preparando para o assalto violento que as lembranças provocadas por essas imagens e artigos provavelmente inspirarão.

"Eu sei que essas imagens me afetarão", disse Hagel, cujos 12 meses como soldado no Vietnã permanecem como o período definidor de sua vida, apesar dos anos subsequentes tanto como senador quanto como secretário do governo. "Elas farão com que tudo volte."

Para Obama, a viagem ao Vietnã oferece uma oportunidade para ajudar a consolidar não só a mudança prometida de foco da política americana para a Ásia, como também aprofundar os laços econômicos e de segurança com um país cada vez mais importante na região.

Mas para os americanos veteranos da Guerra no Vietnã, uma viagem presidencial a um país onde muitos deles perderam sua juventude, inocência e alguns de seus amigos mais próximos é carregada de emoções poderosas, assim como debates sem fim sobre as consequências da guerra.

"Ainda há muitos fantasmas por aí", disse Hagel, 69, em uma entrevista. "Ainda há muito debate sobre o Vietnã e o que significou para este país."

"Ele ainda nos assombra", ele acrescentou. "Aquele desperdício terrível de vidas e as lições que aprendemos ali, as lições terríveis, ainda pairam sobre nós."

Hagel disse que toda decisão que tomou como secretário de Defesa e todo conselho que deu a Obama foi influenciado por sua experiência no Vietnã. Ele agora se vê pensando cada vez mais sobre o ano que passou lá nos anos 60. E ele disse que com certeza estudará atentamente as imagens da viagem de Obama: o cenário de fundo verdejante, as pessoas e seus característicos chapéus cônicos.

Um dos obstáculos entre os dois países é a crença persistente por alguns nos Estados Unidos de que ainda há muitos soldados americanos mantidos prisioneiros ali, o tipo de mitologia alimentada por filmes dos anos 80 como "Braddock –O Super Comando", estrelado por Chuck Norris, e a série "Rambo", estrelada por Sylvester Stallone.

Uma bandeira preta de "prisioneiros de guerra/desaparecido em ação" ainda tremula acima do Capitólio e de legislativos estaduais por todo o país, e os militares e muitos legisladores optaram por se concentrar na recuperação dos restos mortais dos mortos como forma de responder a essas preocupações. Mas alguns líderes de organizações de veteranos insistiram em uma reunião na Casa Branca que Obama pergunte aos líderes vietnamitas se ainda há prisioneiros vivos, segundo Frank Francois 3º, presidente-executivo da empresa de veteranos Service Disabled Veteran Enterprises, que esteve presente na reunião.

"Uma das perguntas que precisam ser feitas é se há alguém na prisão ou em cativeiro, ou alguém que desconhecemos vivendo na área", disse Francois.

Para outros veteranos, a viagem de Obama servirá como um lembrete bem-vindo para duas gerações de americanos que amadureceram desde o final da guerra, para ilustrar a importância do conflito para os Estados Unidos. Para esses homens, os fantasmas da guerra não podem ser esquecidos tão facilmente.

"Hoje em dia o Vietnã é um assunto totalmente esquecido", disse Bobby Muller, um veterano inválido e ativista antiguerra cuja vida ajudou a inspirar o filme de 1978, "Amargo Regresso", estrelado por Jane Fonda. "Ter passado por aqueles tempos e ver algo tão imenso, poderoso, influente e trágico de nossas vidas acabar no momento quase como inexistente na consciência do país é atordoante."

Muller vive em um apartamento em Washington que é repleto de livros sobre a guerra, e sua revolta com os dois líderes da época da guerra, o presidente Richard M. Nixon e seu principal conselheiro, Henry Kissinger, permanece a mesma.

É improvável que durante sua viagem, Obama se concentre tanto nas mortes em combate quanto o presidente Bill Clinton, quando este visitou o país em 2000.

Clinton levou dois filhos de um militar da Força Aérea americana desaparecido, o tenente-coronel Lawrence G. Evert, até uma plantação de arroz em uma cidade minúscula a 27 quilômetros a nordeste de Hanói, onde procuraram, juntamente com dezenas de aldeões, pelos destroços de um caça-bombardeiro F-105D, que caiu em 1967. Incrivelmente, eles acabaram encontrando os restos mortais de Evert.

Obama provavelmente saudará a cooperação entre os dois países para limpeza dos vestígios do Agente Laranja, uma das questões da época da guerra ainda importantes para o Vietnã. Mas como um presidente que cresceu depois que a guerra acabou, ele dificilmente será um símbolo da cura dos ferimentos psicológicos sofridos por alguns veteranos após voltarem para casa, quando muitos de seus conterrâneos os desprezavam por terem lutado lá.

"Essa falta de um lar receptivo ainda é uma vergonha nacional", disse o senador John McCain, republicano do Arizona, um veterano da Guerra do Vietnã que, por ter sido prisioneiro de guerra, foi recebido como herói. "Você tinha recrutas convocados de 18 e 19 anos que cumpriram seu dever e literalmente recebiam cusparadas por outros cidadãos ao voltarem para casa."

McCain disse que o país aprendeu a lição e militares ativos e veteranos agora são rotineiramente celebrados em eventos esportivos e eventos públicos. Mas para alguns veteranos, a visita de Obama provavelmente ressuscitará as lembranças amargas da rejeição que sofreram, ele disse.

Para McCain, seus esforços para ajudar a normalizar as relações entre o Vietnã e os Estados Unidos estão entre as realizações de que mais tem orgulho em sua vida, e ele disse já ter visitado o Vietnã com tanta frequência desde o final da guerra que "sou mais reconhecido nas ruas de Hanói do que sou em Phoenix".

Esses esforços há muito ajudaram McCain a deixar o pior da guerra e do seu cativeiro para trás, de modo que ele dificilmente será afetado pelas fotos das visitas de Obama, ele disse. McCain disse que tem outras formas de ser afetado pelas lembranças da guerra.

"Até hoje, eu às vezes acordo bem cedo e vou até o Memorial do Vietnã quando o sol está nascendo", disse McCain em uma entrevista. "É sempre uma ótima experiência para mim para refletir e lembrar."