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Europeus veem possível saída britânica da UE como ameaça ao que já construíram no país

Toby Melville/Reuters
Imagem: Toby Melville/Reuters

Kimiko De Freytas Tamura

Em Londres (Reino Unido)

23/05/2016 06h00

A portuguesa Silvia Luis está pensando em frequentar uma universidade na Escócia. Sandra Martinsone, da Letônia, disse que poderá solicitar a cidadania britânica ou comprar uma propriedade. Julie Miquerol, da França, acelerou seus planos de abrir uma empresa startup na Espanha.

Assim como mais 1,3 milhão de cidadãos de outros países da União Europeia com idades entre 18 e 35 anos que vivem no Reino Unido, eles estão se preparando e avaliando estratégias caso o Reino Unido vote pela saída da UE em 23 de junho.

Silvia Luis - Andrew Testa/The New York Times - Andrew Testa/The New York Times
A portuguesa Silvia Luis
Imagem: Andrew Testa/The New York Times
Há anos, a economia relativamente brilhante do Reino Unido atrai um fluxo constante de jovens que fogem da falta de oportunidades em seus países no continente. Londres, em particular, está cheia de jovens europeus que ajudaram a dar à cidade seu clima dinâmico e global. De empresários, banqueiros e estilistas de moda a artistas, garçons e estudantes, todos são livres para se estabelecer no Reino Unido e fazer seus futuros aqui sem precisar sequer de um visto.

Ninguém sabe ao certo o que acontecerá com eles se o Reino Unido decidir sair da UE --sua situação imigratória teria de ser discutida nas negociações que se seguirão--, mas o debate em si deixou alguns jovens temerosos, frustrados e até revoltados.

"Talvez eu esteja fazendo drama, mas sinto que é uma posição fortemente contrária aos imigrantes e europeus", disse Alejandro Macías, 31, um espanhol que viveu na Alemanha antes de se mudar para o Reino Unido para trabalhar em uma firma de pesquisas de audiência.

Se o Reino Unido decidir sair, 75% dos cidadãos de outros membros da UE que trabalham no país não cumprirão as exigências de visto para trabalhadores estrangeiros, segundo um relatório do Observatório da Migração, da Universidade de Oxford. O impacto seria maior para trabalhadores na agricultura e na indústria hoteleira, segundo o documento.

Há temores de que Londres, em particular, sofra mais se o fluxo de imigrantes capacitados diminuir. Cerca de 1 milhão de cidadãos da UE não britânicos trabalham em Londres, que tem mais de 8,5 milhões de habitantes.

Os jovens europeus entrevistados para esta reportagem disseram que temem não poder mais viver e trabalhar no Reino Unido. Muitos empresários que vieram para Londres por causa da relativa facilidade para criar startups, disseram estar preocupados com terem de pôr seus planos à espera.

Alguns disseram que poderão deixar o Reino Unido se o país rejeitar a UE, enquanto outros se esforçavam para conseguir a cidadania britânica ou um emprego em tempo integral antes do prazo de junho.

Muitos temem que elaborar novos acordos, país por país, possa ser extremamente complicado. Russell King, um professor que pesquisa jovens imigrantes europeus no Reino Unido, disse que há "um alto nível de preocupação entre os jovens" sobre a votação, muitas vezes chamada de "Brexit" [saída da Grã-Bretanha].

"Eles estão ativamente tomando medidas para garantir que possam ficar, provando seu valor para o país e a economia", disse King. "Eles não estão esperando passivamente para ver o que acontecerá. Estão envolvidos em estratégias preventivas para aumentar suas oportunidades de ficar."

De fato, as contorções que muitos jovens fizeram para chegar aqui hoje podem ser comparadas aos esquemas que estão criando para ficar, mesmo que ninguém saiba exatamente que medidas tomar.

O trajeto de Silvia Luis até Londres é emblemático nos padrões migratórios dos jovens que buscam pastos mais verdes, enquanto grande parte do continente enfrenta problemas.

Ela cresceu em Cascais, Portugal, e foi a primeira de sua família a aprender inglês e entrar em uma universidade. Seu pai, um trabalhador braçal, mudou-se para a França para ter um emprego mais estável e ajudar a pagar os estudos da filha.

Oito meses atrás, ela fez as malas e foi para Londres porque sua universidade em Lisboa não tinha verbas para oferecer o curso que ela queria fazer, psicologia criminal.

Silvia começou a trabalhar no Pod, uma sanduicheria de Londres --primeiro na cozinha, porque seu inglês não era bom--, mas acabou promovida a caixa e ao atendimento de clientes depois que sua comunicação melhorou.

Desesperada para ficar no Reino Unido, Silvia, 23, disse que esperava ser aceita em um programa de alto nível de psicologia criminal em uma universidade escocesa. Ela disse que a Escócia é especialmente interessante para ela porque os escoceses parecem determinados a continuar na UE e ameaçaram realizar mais um referendo sobre a independência para separar-se do Reino Unido se a Grã-Bretanha decidir sair da UE.

Mas nada disso é garantido.

"É claro que estou preocupada", disse Silvia, referindo-se ao Brexit. "Quero ficar aqui para trabalhar e ter minha profissão." Ela acrescentou que amigos que ficaram em Portugal estão em empregos sem futuro, e ela não quer ser assim.

Se o Reino Unido votar pela saída, alguém como ela não estaria aqui e talvez não possa ficar.

As regras atuais de imigração exigem que pessoas de fora da UE tenham capacitação em nível universitário e um salário de pelo menos 20.800 libras esterlinas por ano para se candidatar a um visto chamado Tier 2 [nível 2] para trabalhar na Grã-Bretanha. O governo pretende elevar o limite salarial para 30 mil libras na próxima primavera.

"A exigência de trabalhar em uma ocupação de nível graduado, combinada com o limite salarial, significa que a maioria dos empregos no mercado de trabalho do Reino Unido não se qualifica atualmente para vistos de nível 2", disse o relatório do Observatório da Migração.

Mesmo os que têm alta qualificação fazem planos para o caso do Brexit --e até planos B e C.

Sandra Martinsone, da Letônia - Andrew Testa/The New York Times - Andrew Testa/The New York Times
Sandra Martinsone, da Letônia
Imagem: Andrew Testa/The New York Times
Fluente em cinco línguas, Martinsone, 34, que vem de uma cidade rural da Letônia, começou sua carreira no Ministério das Relações Exteriores de seu país, mas tirou uma licença para fazer mestrado em economia política no Reino Unido em 2008.

Quando a crise financeira chegou, ela foi solicitada a voltar, segundo disse, porque o ministério não podia mais lhe pagar. Trabalhou durante vários meses em restaurantes, mas sentiu-se envergonhada por ter de polir facas e garfos. Usou sua experiência para escrever um blog sobre a indústria de serviços britânica para o público letão.

"Ficou muito deprimente, especialmente quando eu consegui o mestrado", disse ela.

Mas no meio do duro mercado de trabalho Martinsone sentiu-se estranhamente reconfortada por saber que outros trabalhadores também tinham bons diplomas. "Eu senti que não era a única, mas isso não me tornou menos ávida para provar que eu podia ser valorizada em Londres."

Agora ela trabalha em uma instituição beneficente e disse que está pensando em pedir a cidadania britânica e comprar uma propriedade para afastar as potenciais consequências do Brexit, que "seriam muito dramáticas".

"Quando você possui uma coisa, é tratado de modo diferente", afirmou ela.

Sem a cidadania, as potenciais complicações levam alguns jovens empreendedores a pensar em partir.

Julie Miquerol, 30, mudou-se para Londres há sete anos, vinda da Champagne, na França. Ela lembra que teve de começar a vida em um quarto bem pequeno onde não cabia uma mesa. Aos poucos, trabalhou para melhorar, primeiro para um quarto maior e agora um apartamento completo.

Hoje ela dirige sua própria empresa de eventos, que atende a turistas franceses no Reino Unido. Londres é "uma cidade muito dura porque a vida é muito cara", disse ela. "Mas na verdade se você der certo em Londres pode dar em qualquer lugar."

Mesmo depois de tanto sacrifício, porém, falar na saída da UE a fez acelerar os planos para uma empresa irmã em Barcelona, na Espanha, onde as regras da UE a protegeriam.

O fato de o referendo acontecer ofendeu profundamente muitos londrinos de outros países europeus, que não podem votar e sentem que contribuíram muito para a vida de uma cidade profundamente internacional.

"Não posso deixar de levar isso para o plano pessoal", disse o espanhol Macías. Ele contou que passa as noites rasgando panfletos que pedem a saída do Reino Unido da Europa.

"Os britânicos falam como se fossem um continente flutuando no meio do mar", acrescentou. "Vocês são europeus. Enfrentem isso."