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Em processo, ex-funcionários chamam Universidade Trump de inescrupulosa

Em foto de arquivo, Donald Trump (esq) anuncia criação da Universidade Trump, em Nova York - Bebeto Matthews/AP
Em foto de arquivo, Donald Trump (esq) anuncia criação da Universidade Trump, em Nova York Imagem: Bebeto Matthews/AP

Michael Barbaro e Steve Eder

02/06/2016 06h01

Em depoimentos revelados na terça-feira (31), ex-gerentes da Universidade Trump, a escola com fins lucrativos fundada por Donald Trump, a pintam como uma empresa inescrupulosa que contava com táticas de vendas de alta pressão, empregava instrutores desqualificados, fazia afirmações enganosas e explorava estudantes vulneráveis dispostos a pagar dezenas de milhares de dólares pelas visões empresariais de Trump.

Um gerente de vendas da Universidade Trump, Ronald Schnackenberg, contou que foi reprimido por não forçar o suficiente um casal em dificuldades financeiras a se matricular em um curso de imóveis de US$ 35 mil, apesar de sua conclusão de que isso colocaria em risco seu futuro econômico. Ele viu com repulsa, segundo disse, quando outro vendedor da Universidade Trump convenceu o casal a comprar o curso, de qualquer maneira.

"Acredito que a Universidade Trump era um esquema fraudulento", escreveu Schnackenberg em seu depoimento, "que atacava os idosos e os pouco instruídos para separá-los de seu dinheiro."

Para Trump, cuja campanha presidencial se baseia em sua reputação de empresário, os documentos recém-divulgados oferecem um retrato nada lisonjeiro de sua carreira desde que se ramificou, na última década, da construção de arranha-céus a empreendimentos que usam seu nome para vender de tudo, de água e carne a gravatas e educação.

A divulgação dos documentos na terça-feira, por ordem judicial, foi a última volta em um processo federal aberto na Califórnia por ex-estudantes insatisfeitos da Universidade Trump, que perturbam o empresário desde 2010 e poderão persegui-lo até a Casa Branca se ele for eleito presidente.

Trump, que criou a universidade em 2005, possuía 93% da empresa hoje defunta. Desde o início ele atuou como seu principal promotor, mais que administrador no dia a dia, vendendo-a como um instrumento de empoderamento financeiro que melhoraria a vida de milhares de americanos comuns.

Ela lhes "ensinaria melhor que a melhor faculdade de economia", dizia ele, segundo a transcrição de um vídeo da web.

Nos documentos divulgados na terça-feira, estão orientações internas para funcionários incentivarem os clientes com pouco dinheiro a pagar pela matrícula com cartões de crédito.

"Nós ensinamos a tecnologia de usar DOP... Dinheiro de Outras Pessoas", explicavam as instruções internas para os vendedores. Os documentos instigavam os empregados a explorar as emoções dos potenciais clientes. "Façam-nos saber que vocês têm a resposta para seus problemas", diziam as instruções confidenciais aos vendedores.

Os documentos mais chocantes foram depoimentos escritos de ex-empregados da Universidade Trump que disseram estar decepcionados com as táticas e a cultura da instituição. Corrine Sommer, uma gerente de eventos, narrou como seus colegas incentivavam os estudantes a usar o maior número possível de cartões de crédito para pagar pelas aulas, e que muitos não tinham condições.

"Tudo bem, apenas use até o limite seu cartão de crédito", Sommer lembra que dizia.

Jason Nicholas, um executivo de vendas da Universidade Trump, lembrou-se de um esquema enganoso usado para atrair estudantes --que Trump estaria "ativamente envolvido" em sua educação. "Isso não era verdade", testemunhou Nicholas, dizendo que Trump praticamente não participava de nada.

A Universidade Trump, concluiu Nicholas, era "uma fachada, uma mentira completa".

Advogados de Trump contestaram na terça-feira essas caracterizações, dizendo que o depoimento de ex-funcionários da Universidade Trump "é completamente desacreditado" em depoimentos feitos no processo da Califórnia. Advogados de Trump não quiseram divulgar esses depoimentos na terça-feira.

Como já fez antes, Trump argumentou por meio de representantes que as queixas foram feitas por um pequeno número de estudantes e que a vasta maioria fez críticas positivas de sua experiência.

"A Universidade Trump pretende usar essa evidência, juntamente com muito mais, para vencer quando o caso for levado a julgamento", disse Hope Hicks, uma porta-voz de Trump.

Os registros da Justiça mostram o papel que Trump --e sua enorme reputação-- tiveram ao tentar vender as aulas de mercado imobiliário a milhares de estudantes. Materiais de marketing com a assinatura dele incentivaram prospectivos estudantes a aproveitar uma virada no mercado para obter lucros rápidos.

Ele ofereceu o tipo de garantia que os assessores financeiros há muito advertem os consumidores a que tomem cuidado. "Você gostaria de ter um futuro financeiro seguro, independentemente do mercado?", perguntava Trump em um folheto.

Trump fundou a universidade quando o mercado imobiliário aquecido nos EUA quase chegava ao pico, prometendo que suas aulas passariam ao público em geral sua sabedoria sobre imóveis e como ganhar dinheiro.

Mas dezenas de queixas sobre a escola chegaram aos gabinetes dos secretários de Justiça da Flórida, Texas, Nova York e Illinois, segundo autoridades, provocando inúmeras investigações e, eventualmente, o processo legal de ex-alunos na Califórnia.

Trump havia combatido na terça-feira a divulgação de documentos antes sigilosos do caso. Em uma aparente tentativa de desacreditar o juiz do caso, Gonzalo P. Curiel, Trump o chamou de preconceituoso e de um "odiador de Donald Trump", e tentou atrair a atenção para o passado étnico do juiz --"acreditamos que mexicano", disse. (Curiel nasceu em Indiana e é de origem mexicana.)

Na sexta-feira (27), reagindo a uma moção legal movida pelo jornal "The Washington Post", Curiel decidiu que os registros deviam ser divulgados. Alguns documentos revelados na terça-feira foram liberados anteriormente em conexão com outros processos legais.

Os manuais internos para empregados da Universidade Trump oferecem um conjunto detalhado de instruções sobre como vender as aulas, mesmo para consumidores relutantes e céticos, recorrendo às suas necessidades psicológicas.

É claro que Trump e a promessa de seu envolvimento na escola eram a maior atração. Nos documentos divulgados na terça-feira, instrutores se descrevem como "escolhidos a dedo" por Trump. Mas em um depoimento relacionado ao processo Trump reconheceu que não escolheu os instrutores.

Nem todos os documentos divulgados na terça-feira eram críticos. Muitos ex-alunos disseram que os cursos entregavam exatamente o que eles esperavam.

"A Universidade Trump definitivamente me tornou mais preparado para enfrentar o 'mundo real' do investimento em imóveis", escreveu David Wright Jr., que se inscreveu em um programa de seis meses. "Nós realmente aprendemos muito com a Universidade Trump e encontramos um certo sucesso", escreveu outra aluna, Kissy Gordon.

Ex-funcionários como Sommer tinham uma visão mais sombria da escola. Em seu depoimento, ela disse que ficou assustada pelas qualificações de alguns instrutores da universidade.
Sommer lembrou que um membro da equipe de vendas da universidade, que antes vendia joias, foi promovido a instrutor. Ele "não tinha experiência em imóveis", disse ela.

Sommer acrescentou que muitos instrutores tinham a qualidade que a escola mais parecia valorizar: "Eram peritos em vendas de alta pressão", disse.

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