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A arma secreta de Trump: cartas de amor, lisonja e vingança a amigos e inimigos

18.abr.2016 - Trump autografa página de jornal na Trump Tower, em Nova York - Richard Drew/AP
18.abr.2016 - Trump autografa página de jornal na Trump Tower, em Nova York Imagem: Richard Drew/AP

Michael Barbaro*

03/06/2016 06h00

Em uma carta, Donald Trump reclama da crise dos feios vendedores de cachorro-quente em sua amada Quinta Avenida. "É horrível todo aquele ketchup e mostarda respingados por toda a calçada", ele escreveu. 

Em outra, ele presta um tributo floreado à sua jovem esposa, à qual se refere como "minha queridinha". "Você é tudo o que eu esperava", ele escreveu. 

Em uma carta diferente, ele ofereceu uma rara admissão de fraqueza, ao declarar: "Sou nada mais que um escritor frustrado de pouco talento". 

Trump, o virtual candidato presidencial republicano, é um mestre da mídia moderna, explorando o Twitter e a televisão para punir seus inimigos, energizar seus aliados e promover a si mesmo. 

Mas talvez sua forma mais poderosa e memorável de comunicação seja o ritual à moda antiga da carta pessoal, escrita em papel estampado ou rabiscada em um recorte de jornal, assinada à mão e enviada do 26º andar da Trump Tower. 

Escritas prolificamente em uma mesa sem computador, são cartas de agradecimento, ódio, lisonja e vingança, enviadas para admiradoras adolescentes e prefeitos de grandes cidades, atletas profissionais e editores de revista. O tom pode variar de florido a juvenil, de suplicante a venenoso. 

Agarradas firmemente e exibidas de forma proeminente até mesmo por aqueles que o desprezam, as cartas se tornaram lembranças e souvenires para centenas de pessoas por todo o país. Vistas como uma coleção dos anos 70 em diante, elas oferecem um arquivo incomum de seus altos e baixos emocionais. 

A carta enviada por Trump em 2009 a Mike Tollin, um diretor de cinema, proporciona uma leitura dolorosa: ela condena o filme de Tollin, sobre o colapso da U.S. Football League ("Liga de Futebol Americano dos Estados Unidos", paralela à tradicional NFL e que existiu entre 1982 e 1986) e o papel de Trump nesse colapso, como sendo de "terceira categoria" e "extremamente desonesto". Em um floreio final fulminante, Trump escreveu: "P.S. Você é um perdedor".

Todavia, Tollin mandou emoldurar a carta e a mantém em uma estante em seu escritório, ao lado das fotos de sua família. "As pessoas vêm e imediatamente querem vê-la, tocá-la, segurá-la", disse Tollin com orgulho. 

Hoje, enquanto Trump tenta fazer as pazes com figuras hostis em seu partido, o candidato, renomado por seu lança-chamas retórico, está adotando um tom conciliatório de redação de cartas como sua principal arma. 

Suas aberturas manuscritas começaram a chegar às caixas de correio de inimigos aparentemente implacáveis, como Charlie Sykes, um apresentador de rádio conservador em Milwaukee, que descreveu Trump como um "'bully' sensível a críticas e chorão". 

"Charlie", começou a carta de Trump, escrita com uma caneta preta grossa na primeira página do "The New York Times", ao lado de um artigo sobre republicanos céticos começando a apoiar o bilionário, "eu espero que você possa mudar de ideia". Sempre atento a incentivos, o magnata do setor imobiliário fez uma oferta: "Aguardo ansiosamente para participar de seu programa", ele escreveu, acrescentando: "Eu vou vencer!" 

Isso não mudou a forma como Sykes vê Trump. Mas ele reconheceu que ficou impressionado com o gesto. "É preciso lhe dar crédito por fazer isso", disse Sykes. "Ele está disposto a fazer algumas coisas que podem entrar em conflito com sua imagem pública." 

As cartas, retiradas de arquivos públicos e pessoais, revelam as inseguranças de Trump, mas também sua acuidade a respeito de poder, ego e o que motiva as pessoas. Desde cedo, ele pareceu entender intuitivamente a potência de seus elogios quando feitos a pessoas de mentalidade semelhante. 

Nos anos 90, Trump ocasionalmente lisonjeava o prefeito impetuoso de Nova York, Rudy Giuliani. Em uma carta, Trump arrancou uma página de uma entrevista para uma revista, na qual chamou Giuliani de "o maior prefeito que a cidade já teve". Caso Giuliani não percebesse a homenagem, Trump desenhou duas setas, cada uma apontando para uma passagem lisonjeira, reiterando a mensagem em uma anotação manuscrita: "Rudy, você é o maior!" ele escreveu, acrescentando: "Vejo você em breve". 

Nunca há dúvida sobre a autoria: o estilo de escrita de Trump soa virtualmente idêntico ao seu modo hiperbólico de falar, com amplo uso das palavras "grande" e "tremendo", exibições abundantes de amor próprio e alegações exageradas de sucesso ou catástrofe. 

Ele podia escrever com carinho notável para Ivana, segundo as cartas vistas pelo "The Times". "Adoro e amo minha queridinha", ele escreveu para ela em uma. "Realmente acredito que você é a maior", ele escreveu em outra. 

Nas cartas, ao menos, Trump é até mesmo capaz de humildade, descrevendo a si mesmo como um escritor de "pouco talento" em uma missiva de 1985 para Arthur Ochs Sulzberger, o então publisher do "The New York Times". (Trump reclamava de um repórter que não gostava.) 

Trump traça seus hábitos epistolares à sua tentativa de convencer Franklin M. Jarman, que controlava uma loja de departamento em Manhattan que ele queria comprar nos anos 70, para dar espaço à Trump Tower. Jarman raramente respondia às cartas de Trump, mas as lia, como Trump escreveu em seu livro, "A Arte da Negociação", o que estabeleceu as bases para um acordo. "As cartas que escrevi acabaram tendo um impacto", disse Trump. 

Por anos, Trump enviou suas cartas à moda antiga, pelo correio. Com o passar do tempo, membros de sua equipe o arrastaram para a era da Internet, mais ou menos. Ele ainda escreve à mão, empunhando a ferramenta favorita para correções por professores e autógrafos por atletas, uma caneta Sharpie preta. Agora, seus assessores com frequência convertem as cartas em arquivos digitais, as escaneando e enviando por e-mail. 

Mas ele se recusa a permitir que outra pessoa as escreva."Se eu tivesse uma secretária para escrevê-las", ele disse em uma entrevista, "elas não seriam tão eficazes, não seriam tão incisivas". 

Cada carta é concluída com sua assinatura extravagante, que lembra uma silhueta de cidade ou "um sismógrafo", como a descreveu Graydon Carter, o editor da "Vanity Fair" e  recebedor frequente das cartas de Trump. 

*Ashley Parker, Kitty Bennett, Steve Eder e Jeremy B. Merrill contribuíram com reportagem adicional.

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