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Resistência de Hillary a trouxe até aqui e poderá levá-la à Casa Branca

Hillary Clinton durante intervalo comercial em debate do Partido Democrata entre ela e Bernie Sanders em Durham, New Hampshire - Todd Heisler/The New York Times
Hillary Clinton durante intervalo comercial em debate do Partido Democrata entre ela e Bernie Sanders em Durham, New Hampshire Imagem: Todd Heisler/The New York Times

Amy Chozick

09/06/2016 06h02

Se houve um momento único que captou o que levaria Hillary Clinton à nomeação democrata em 2016, não foi o pontapé inicial ensolarado de sua campanha em Nova York, em junho passado, ou algum de seus discursos comemorando as vitórias muito disputadas nas primárias contra o senador Bernie Sanders.

Não, foi o momento imprevisto em que uma Hillary blasée friamente tirou de seu ombro um cisco --ou talvez nada-- enquanto um painel da Câmara liderado por republicanos a submetia a mais de oito horas de interrogatório, em outubro, sobre sua condução do atentado terrorista de 2012 em Benghazi, na Líbia.

Ela talvez não seja uma grande oradora como é o presidente Barack Obama, ou a política varejista que seu marido foi. Mas a firmeza de aço de Hillary nesta campanha inspirou claramente mulheres mais velhas, eleitores negros e muitos outros que veem em sua perseverança uma espécie de espelho de suas próprias lutas. E a própria resistência de Hillary --sua tenacidade, coragem e capacidade para suportar e superar a adversidade-- pode ser exatamente o que é necessário para derrotar Donald Trump.

Como mulher de político, primeira-dama, senadora e secretária de Estado --e como candidata a presidente por duas vezes--, Hillary Clinton, 68, redefiniu o papel das mulheres na política americana a cada vez que se reinventou. Ela deixou o país transfixado diversas vezes, com igual frequência em episódios escorchantes de escândalo ou derrota quanto em triunfo.

"Ela subiu ao palco público como uma pessoa um pouco diferente", disse Ann Lewis, uma antiga assessora. "Ela atraiu fascínio, devoção e ataques --e os ataques de partidários não pararam."

"Mesmo como primeira-dama, diziam 'Quem ela pensa que é?'", afirmou Melanne Verveer, uma amiga íntima de Hillary que foi sua chefe de gabinete na Casa Branca.

Os confidentes de Hillary dizem que é muito adequado que, tendo superado tantos obstáculos antes, inclusive alguns criados por ela mesma, hoje ela enfrente um adversário tão ávido para ser negativo com ela --e a lutar novamente nas discussões intensas que definiram sua carreira.

Em seu discurso de vitória na noite de terça-feira (07), Hillary disse que sua maior influência na vida foi sua mãe, "e ela me ensinou a nunca fugir de um valentão --o que afinal foi um conselho muito bom".

Foi com essa mesma coragem que Hillary se recuperou de uma dura derrota para Obama em 2008, quando ela afirmou a uma multidão de seguidoras chorosas, exatamente oito anos atrás, que elas tinham feito 18 milhões de rachaduras no "telhado de vidro mais alto e duro".

Durante 14 anos seguidos, e 20 ao todo, Hillary Clinton foi nomeada a mulher que os americanos mais admiram, segundo uma pesquisa anual da Gallup.

Mas sua campanha, e a controvérsia sobre a utilização por ela de um servidor privado de e-mail quando secretária de Estado, cobraram um preço: seus índices de preferência e confiabilidade despencaram. E ela está sendo caricaturada, mais uma vez, como uma política calculista e inautêntica: Lady Macbeth, hoje em sua própria peça.

Da mesma maneira, sua longevidade e fama não são ativos perenes: a bagagem que ela traz como uma consumada fonte privilegiada democrata, identificada de modo mais prejudicial pelas enormes quantias que ela cobrava por palestras em bancos de Wall Street, pesou em um ciclo eleitoral em que os de fora tinham o vento de popa.

A carreira de Hillary não assumiu um curso previsível por qualquer medida. Ela amadureceu no movimento feminista nos anos 1960 no Wellesley College --onde pediu que suas colegas recusassem a mudança incremental e trabalhassem para "tornar o impossível possível" --, depois foi atraída ao sul para promover as ambições de seu marido.

Ela foi uma das principais estrategistas de campanha de Bill Clinton e supervisora de uma tentativa fracassada de sistema de saúde, enquanto mantinha seu casamento inteiro através dos escândalos sexuais e do impeachment dele.

Mas se ela parecia personificar contradições, estas também refletiam uma sociedade em que as expectativas sobre as mulheres, e as expectativas das mulheres sobre si mesmas, estavam mudando rapidamente.

E sempre foi difícil destrinchar as opiniões sobre Hillary e sobre as mulheres poderosas em geral.

Roy M. Neel, que administrou a campanha presidencial de Al Gore em 1992, disse em uma história oral da era Bill Clinton que as mulheres no sul especialmente rejeitavam Hillary Clinton, a primeira mãe trabalhadora que foi primeira-dama e a primeira --e até agora a única-- que teve um escritório na Ala Oeste, porque ela "parecia ser uma espécie de afronta a seu sentido de quem elas eram".

Se antigas antipatias por Hillary podem ser atribuídas em parte às lutas dos americanos para se adaptarem à mudança de papéis de gênero em casa, no trabalho e na política, sua história de combate político também deixou cicatrizes que, em parte, definem a candidata que ela é: de olhos bem abertos sobre as realidades de Washington, mas cautelosa e desconfiada até demais.

Sua prolongada disputa com Sanders, cuja campanha não era considerada muito apta a sobreviver às primeiras disputas pela nomeação, desnudou o custo daquela contenção, tanto em estilo como em substância.

Enquanto os eleitores gravitavam para a impulsividade incontida de Trump e o idealismo imoderado de Sanders, Hillary demonstrou pouco de ambos.

"Esta não é uma eleição incremental, cautelosa, e ser cauteloso não é seu jeito", disse Anna Greenberg, uma pesquisadora democrata.

"As duas primárias expuseram a profundidade da raiva, frustração e decepção", acrescentou Greenberg. "Ela teve e terá de se adaptar a isso."

Durante 14 meses, a campanha de Hillary esteve desconectada dos eleitores mais jovens e de áreas de um eleitorado irritado que exigia mais que competência e trabalho duro como ela prometia.
Suas dificuldades com esses eleitores podia ser um sinal de advertência.

Não ajudou o fato de que sua campanha circulou por meia dúzia de slogans, desde a defesa dos "americanos comuns" e "lutar por nós", "derrubar as barreiras" e, mais recentemente, "mais fortes juntos" --jogando com os comentários mais divisores de Trump sobre mexicanos, muçulmanos e outros grupos.

Enquanto Sanders satanizava Wall Street e Trump criticava os imigrantes, e ambos prometiam reverter o mal-estar econômico, Hillary trabalhou com um pragmatismo inflexível.

A promessa mais reveladora que ela fez é a de que não prometerá demais.

"Não precisamos de mais disso", disse ela aos eleitores.

Mas o que lhe faltou em vigor retórico ela compensou escutando os problemas das pessoas e prescrevendo soluções. Ela chorou em conversas com um homem cuja mãe tinha Alzheimer e com uma mulher que perdeu um filho em um acidente com arma.

E ela demonstrou uma vulnerabilidade que não revelou em 2008, quando fez campanha como uma forte futura comandante-em-chefe, buscando neutralizar qualquer dúvida sobre se era dura o suficiente para o Salão Oval.

"Não sou uma política natural, caso você não tenha percebido, como meu marido ou o presidente Obama", disse Hillary em um debate com Sanders, uma declaração extremamente honesta.

"As pessoas estão muito indecisas sobre o que acham da liderança feminina, e é algo com que as pessoas realmente têm dificuldade", disse a senadora Kirsten Gillibrand, democrata de Nova York.

"A ambiguidade sobre Hillary está fora dela. Vem da perspectiva das próprias pessoas."

As atitudes sobre liderança feminina poderão mudar, é claro. E ao falar com repórteres na segunda-feira (06), horas antes das reportagens de que ela havia conseguido a nomeação, Hillary olhou além de novembro, para uma época e que as candidatas presidenciais mulheres talvez não precisem de tanta resistência para ter uma oportunidade de chegar à Casa Branca.

"São predominantemente mulheres e meninas, mas não exclusivamente --os homens trazem suas filhas para me conhecer e dizem que estão me apoiando por causa de suas filhas", disse Hillary.

"E eu acho que fará uma grande diferença para um pai ou uma mãe poder olhar para sua filha do mesmo modo que olham para seu filho e dizer: 'Você pode ser qualquer coisa que quiser neste país, até presidente dos Estados Unidos'."
 

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