Topo

Saga de criança transgênero e sua família nos EUA vira tema de documentário

Coy Mathis, na foto aos 7 anos de idade, é tema de um documentário nos EUA - Matthew Staver/The New York Times
Coy Mathis, na foto aos 7 anos de idade, é tema de um documentário nos EUA Imagem: Matthew Staver/The New York Times

Cara Buckley

13/06/2016 06h00

Antes de a Carolina do Norte aprovar sua controversa lei do banheiro, antes de Caitlyn Jenner mudar de sexo e antes de "Transparent" se tornar uma série de TV de sucesso, uma criança na zona rural do Colorado foi informada que não poderia mais usar o banheiro das meninas na escola.

A história de Coy Mathis, uma menina transgênero que nasceu menino, ganhou atenção internacional em 2013, quando seus pais, Jeremy e Kathryn Mathis, entraram com uma ação acusando o distrito escolar de violar a lei antidiscriminação do Estado.

Os Mathis ganharam a ação, mas não antes de sofrerem críticas pesadas por colocarem Coy, na época uma aluna de seis anos da primeira série, diante de repórteres e cinegrafistas, assim como na televisão com Katie Couric. Agora, eles deverão voltar aos holofotes com o documentário "Growing Up Coy", que estreará em 16 de junho em Nova York, no Festival de Cinema Human Rights Watch.

Dirigido por Eric Juhola e produzido por seu marido, Jeremy Stulberg, "Growing Up Coy" começa com a família Mathis no início de 2013, cerca de seis semanas antes de virem a público com seu caso. Juntamente com seu advogado, os Mathis acreditavam que falar abertamente era necessário para influenciar o público em prol de Coy e ajudar a vencer o caso.

Mas, como mostra o documentário, a ação provocou um frenesi na mídia que antecipou as disputas que ocorreriam nos Estados Unidos em 2016, desgastando o relacionamento do casal, atraindo ataques de apresentadores de TV e trolls da internet, às vezes alienando seus outros quatro filhos e gravando de forma indelével o nome de Coy no inesgotável banco de memória do ciberespaço.

"Acho que eles não sabiam no que estavam se metendo quando começaram. Acho que eles não sabiam quão grande se tornaria", disse Juhola. "Não posso falar por eles, mas espero que, com o passar do tempo, percebam a diferença que fizeram. Acho que o mundo é um lugar melhor por causa deles e pelo que fizeram."

Ao longo do documentário, os Mathis se mudaram de Fountain (Colorado), uma cidade pequena próxima da sede da organização conservadora Foco na Família, para Aurora (Colorado) e de lá para cá se mudaram para outro local no Estado. Eles se retiraram da vista pública e dificilmente participarão da promoção do documentário.

O filme não poderia ser mais oportuno, com as questões das pessoas transgênero em primeiro plano e 11 Estados processando o governo Obama por sua diretriz ordenando as escolas a permitirem que os alunos usem o banheiro que represente suas identidades de gênero.

Mas, Juhola apontou que ele e Stulberg embarcaram no projeto antes de, segundo suas palavras, "trans se transformar em uma palavra da moda". Ao desejarem documentar a luta de uma pessoa transgênero por seus direitos, os cineastas estavam intrigados com o apoio ferrenho dos Mathis à sua filha.

"Eles são realmente a primeira geração de pais a permitir que seus filhos pequenos se expressem de acordo com o gênero com o qual se identificam", disse Juhola. "Muitas pessoas transgênero mais velhas que conhecemos, que apenas mudaram de gênero aos 40, 50 ou 60 anos, disseram: 'Meu Deus, não consigo nem mesmo imaginar quão diferente teria sido minha vida se tivesse tido pais como esses'."

Os problemas dos Mathis com a Escola Primária Eagleside começaram no final de 2012, quando o diretor lhes disse que Coy, que começou a se identificar como menina quando tinha apenas 18 meses, não poderia mais usar o banheiro feminino. Àquela altura, Coy, trigêmea que tem um irmão e uma irmã, juntamente com duas outras irmãs, já vivia como menina há algum tempo, vestindo vestidos brilhantes com babados e usando cabelo comprido, e era identificada como menina nos prontuários médicos e documentos legais.

No documentário, os Mathis descrevem a miséria de Coy em seus primeiros anos, quando o casal (Jeremy é um ex-militar e Kathryn uma fotógrafa free-lancer) a vestia como menino.

Sofrendo de ansiedade, Coy se recusava a sair, raramente sorria, tinha colapsos quando ordenada a entrar na fila dos meninos na escola e perguntava aos pais quando a levariam a um médico para a remoção de seu pênis. (Essa operação não estava nem está sendo planejada.) "Era como era", disse Jeremy Mathis no filme. "Não se tratava apenas de uma fase".

Após serem informados pelo diretor, os Mathis entraram em contato com Michael D. Silverman, diretor-executivo do Fundo de Educação e Defesa Legal dos Transgênero, que escreveu ao conselho de educação, na esperança de uma solução. A resposta do conselho (citando preocupações em relação a outros alunos compartilhando o banheiro à medida que Coy crescesse) levou os Mathis a retirarem seus filhos da escola.

Após algumas discussões profundas, disse Silverman, a família concordou que a melhor ação era levar o caso a público. Ao mostrarem quão dolorosamente normal eram Coy e sua família, eles dariam uma face (uma face adorável, travessa) a uma questão com a qual muitas pessoas na época não apenas não estavam familiarizadas, mas que também era estigmatizada e temida.

"O fator motivador era: como podemos criar as condições para que Coy possa vencer?", disse Silverman em uma entrevista. "Não estava claro se, sem falar publicamente, as pessoas poderiam entender o que estava em jogo."

O mesmo raciocínio provavelmente levou os Mathis, que não responderam aos pedidos de entrevista para este artigo, a também concordarem com o documentário, disse Juhola.

Apesar da pressão da mídia parecer ter sido aguda, como mostrado no filme, o pior em grande parte se passou após seis meses, em meados de 2013, quando a junta de direitos civis do Colorado decidiu a favor dos Mathis, repreendendo a escola por seu "tratamento severo e impróprio" e pela criação de um ambiente "hostil, intimidante ou ofensivo".

Juhola disse que, até onde sabe, os Mathis continuam estabelecidos e bem-vindos em sua nova comunidade, onde Coy, que completará 10 anos, vive feliz como menina.

"Ela não quer ter que explicar quem é nem quer falar sobre como é diferente", diz Kathryn Mathis no filme. "Ela apenas quer ser."