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Ex-capanga de Pablo Escobar faz sucesso no YouTube com vídeos de perdão

Em foto de 18 de janeiro de 2013, John Jairo Velásquez Vasquez, conhecido como "Popeye", joga jadrez em prisão de Combita, na Colômbia - Carlos Ortega/El Tiempo/AFP
Em foto de 18 de janeiro de 2013, John Jairo Velásquez Vasquez, conhecido como "Popeye", joga jadrez em prisão de Combita, na Colômbia Imagem: Carlos Ortega/El Tiempo/AFP

Christopher Mele e Sandra E. Garcia

20/06/2016 06h00

Imagine se o ex-chefão da Máfia, John Gotti, que foi preso por assassinato e provocou fascínio entre o público por seu estilo de vida vistoso em Nova York e charme ameaçador, tivesse um canal no YouTube.

Imagine se ele usasse esse canal para se tornar um astro do vídeo, retratando a si mesmo como um assassino de aluguel penitente e regalando os espectadores com histórias de violência, ao mesmo tempo buscando perdão pelos homicídios cometidos no passado. Para os colombianos, o equivalente da vida real dessa sensação improvável no YouTube pode ser encontrado em John Jairo Velásquez.

Ele é um ex-executor do cartel das drogas de Medellín, que se gabava de ter cometido centenas de assassinatos para seu chefe, Pablo Escobar. Velásquez passou mais de 20 anos na prisão por tramar o assassinato de um candidato presidencial colombiano em 1989 e atende pelo apelido de Popeye.

Agora, Velásquez, 54 anos, está tentando mudar sua imagem, como uma espécie de evangelista que diz a verdade, em uma série de vídeos que começou a postar no YouTube no ano passado. A mensagem por trás (até domingo já eram 81 vídeos) é de perdão.

Agora, ele é conhecido como Popeye Arrependido.

"Não se trata de ganhar dinheiro com a história da minha vida, mas sim de contar as histórias, as coisas que aconteceram", ele disse no domingo. "Sou famoso há 30 anos. Só quero expressar minha opinião porque sou um ativista. Sou contra os governos da Venezuela e da Colômbia. Sou contra Donald Trump, por causa de seu ódio pelos latinos. Quero apenas que minha opinião seja ouvida."

Seu público parece não conseguir parar de assistir. Os vídeos já atraíram mais de 117 mil assinantes e foram vistos 9,5 milhões de vezes. Os comentários são repletos de elogios e admiração. Uma pessoa concluiu com "Abraços".

Mas nem todas as pessoas estão encantadas com o estrelato de Velásquez, principalmente as vítimas dos atos do cartel.

O filho de uma das vítimas, um homem entre as 107 pessoas mortas por uma bomba plantada pelo cartel em um avião, que explodiu em 1989 sobre Bogotá (Colômbia), disse que a popularidade de Velásquez ofusca o mal que ele causou, noticiou o jornal "The Guardian". O filho da vítima, Gonzálo Rojas, disse que o ex-assassino de aluguel não exibe remorso real e que está desfrutando de uma celebridade perversa por causa de seus crimes.

A maioria dos matadores não aparece no YouTube à procura de uma segunda vida, expondo os segredos de seus antigos crimes. (Gotti morreu em 2002 enquanto cumpria pena de prisão perpétua.) Mas um especialista descreveu Velásquez como alguém que se autopromove de forma astuta, tirando proveito de sua infâmia ao alegar ter se corrigido, mas ao mesmo tempo glorificando a cultura do narcotráfico.

Entretanto, Velásquez disse que se sentiu renascido após sua liberdade condicional em 2014, segundo uma descrição de sua conta no YouTube. "Criei este canal com a intenção de poder falar dia a dia sobre meu processo de reintegração na sociedade, assim como de meu processo de remorso real", ele escreveu.

"Ser um assassino não é normal", ele disse na entrevista. Agora, ele afirma, respeita a vida e a sociedade.

"Fui ressocializado: quando mudei minha forma de pensar, mudei meu modo de ser", acrescentou.

Em um vídeo, ele busca o perdão de um parente de uma de suas vítimas. Quando um espectador perguntou: "Quando as vítimas da guerra das drogas do cartel de Medellín poderão se encontrar com você, aquelas que perderam irmãos ou pais na força policial?" Velásquez disse que considerou a pergunta dolorosa.

Mas ele afirmou: "Foi a guerra que matou seu irmão, mas não vou justificar isso. Vou assumir a responsabilidade porque seu irmão estava defendendo um país, uma instituição, e éramos assassinos pagos pelos cartéis."

Se Velásquez, que faz o upload dos arquivos de seu apartamento em Medellín, fica incomodado por sua declarada contrição estar em desacordo com a abertura de seus vídeos com disparos e buracos de bala, ele não demonstra. E ele adora os holofotes.

Alguns espectadores responderam o recebendo de braços abertos de volta à sociedade. "Oi, Popeye", um escreveu. "Adoro todas as suas declarações, porque são cheias de honestidade e coragem. Abraços."

Outros celebram sua habilidade de falar diretamente às pessoas: "Você tem a personalidade de alguém capaz de dizer a verdade à sociedade colombiana".

Vincent T. Gawronski, um professor de ciência política da Faculdade Birmingham-Sul, em Birmingham (Alabama, EUA), disse em um e-mail: "De uma forma distorcida, celebramos criminosos 'bem-sucedidos', mesmo assassinos frios, nos filmes de Hollywood, em novelas e programas de televisão: 'Scarface', 'Profissão de Risco', 'Breaking Bad', 'Família Soprano', 'Narcos' da Netflix."

Gawronski notou que quase uma dúzia de "narconovelas" foram exibidas na televisão de língua espanhola e que há muitas "narcocorridos", ou baladas, celebrando os narcotraficantes. "Transformamos em mito aqueles que desafiam a autoridade, fazem o que bem entendem e escapam impunes", ele disse.

E acrescentou: "É claro que a fama de Velásquez está diretamente ligada ao seu relacionamento com Pablo Escobar. As histórias que ele pode contar o manterão popular, mas também podem fazer com que seja morto."

Em uma entrevista publicada no jornal "The Telegraph" em 2014, Velásquez, que disse ter uma esposa e filho vivendo nos Estados Unidos, declarou que pode cuidar de si mesmo caso alguém venha atrás dele.

Em um vídeo, Velásquez lembrou de onde estava em 1993, quando as autoridades mataram Escobar, o impiedoso traficante de cocaína que comandava o cartel de Medellín. Quando um espectador quis saber o que Escobar escrevia em seus blocos de anotações, Velásquez disse: "Aqueles blocos eram apenas para escrever os nomes das pessoas que ele queria matar. Se ele escrevesse seu nome em um daqueles blocos, você era um homem morto."

Se os mafiosos da época de Gotti tinham um rígido código de silêncio a respeito da atividade criminal, Velásquez parece despreocupado em revelar como o cartel funciona.

Em um vídeo postado em outubro, ele disse que sempre seria um assassino. Ele se gabou de sua reputação nas ruas, chamando a si mesmo de memória viva do cartel. Ele disse que nunca falaria mal de Escobar.

"Para mim, Escobar era um terrorista, um traficante de drogas, um sequestrador, mas também foi meu amigo, ele me tratava com gentileza e respeito", disse. "Ele era o tipo de homem que olhava você nos olhos e fazia o que dizia. Todos sabem o que ele era, mas comigo ele era bom."

"Eu amava o Pablo", ele disse. "Ele nunca me deveu dinheiro por uma das minhas mortes."