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Um ano após crise, refugiados do Sudeste Asiático continuam esperando acolhimento

Kemal Jufri/The New York Times
Imagem: Kemal Jufri/The New York Times

Joe Cochrane

Em Bayeun (Indonésia)

27/06/2016 06h00

Quando Mohammed Salim chegou à costa da província de Aceh, Indonésia, durante a crise dos refugiados do Sudeste Asiático no ano passado, ele estava faminto, com sede, magro e exausto. Tudo o que queria era arroz, água e chegar a um país seguro. "América, Austrália, qualquer lugar", ele me disse na ocasião. 

Quando o encontrei pouco mais de um ano depois, ele parecia mais limpo e com melhor saúde, mas nem um pouco mais perto de chegar a algum lugar. 

A maioria dos milhares de imigrantes que sobreviveram à crise e chegaram à Indonésia, Malásia e Tailândia voltou para seu país de origem ou foi levada por contrabandistas para outros lugares. Várias centenas, incluindo Mohammed, definham em campos de refugiados ou centros de detenção, rezando para que um país do Ocidente os receba. 

Apenas 46 foram reassentados por um terceiro país. 

1º.jun.2016 - Mohammed Salim, da etnia rohingya, em campo de refugiados na Indonésia; ele ainda procura um país que possa o acolher - Kemal Jufri/The New York Times - Kemal Jufri/The New York Times
Mohammed Salim ainda procura um país onde possa conseguir refúgio
Imagem: Kemal Jufri/The New York Times

"Não é fácil", disse Mohammed, 24 anos, que estava em um barco pesqueiro verde e vermelho, lotado de homens, mulheres e crianças, que os jornalistas encontraram à deriva no Mar de Andaman no ano passado. "Tipo, estou contente por estar vivo, mas passo grande parte do tempo infeliz. Estou sempre pensando, terceiro país, terceiro país, terceiro país, por favor, por favor." 

A crise estourou em maio de 2015, depois que as autoridades tailandesas reprimiram as brutais redes de contrabando baseadas no sul da Tailândia, que traziam imigrantes para a Malásia de Mianmar e Bangladesh. 

Assim que os contrabandistas fugiram, abandonando os imigrantes no mar sem provisões ou tripulação, a situação degradou em uma crise humanitária plena. 

Malásia, Tailândia e Indonésia recusaram receber as embarcações cheias de imigrantes desesperados. 

Com o aumento da pressão internacional, a Malásia e a Indonésia concordaram em aceitá-los temporariamente. Os refugiados de etnia rohingya, que fugiam da perseguição em Mianmar, deveriam receber o status de refugiados e serem posteriormente reassentados em um terceiro país, enquanto os de Bangladesh, em grande parte imigrantes econômicos, deveriam ser repatriados. 

A maioria dos 1.622 bengaleses que chegaram à Indonésia, Malásia e Tailândia foi enviada de volta para casa, com a expectativa de que o restante seja enviado neste ano. 

Chuvas e soldados impedem fuga de muçulmanos da etnia rohingya de Mianmar

New York Times

Muitos dos rohingyas chegaram à Malásia clandestinamente, se misturando às dezenas de milhares de rohingyas que vivem e trabalham lá. O governo malasiano há muito faz vista grossa para essa imigração. 

Mas o preço para os imigrantes é uma vida nas sombras, sem status oficial e vítimas de exploração por empregadores inescrupulosos, policiais corruptos e agiotas. 

A maioria dos cerca de 1.500 rohingyas cuja chegada na Malásia, Tailândia e Indonésia foi registrada oficialmente recebeu status de refugiado ou o receberá em breve, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). 

Mas a grande maioria permanece no limbo, é claro. Os 459 rohingyas recebidos oficialmente na Malásia e Tailândia foram trancados em centros de detenção e não serão soltos até que um terceiro país concorde em recebê-los. 

Um relatório divulgado em março pela Fortify Rights, um grupo de defesa que investiga organizações criminosas e autoridades de governo envolvidas em tráfico humano, disse que os centros de detenção não estão equipados para detenções de longo prazo, e que as condições ali eram "desumanas". 

31.mai.2016 - Refugiados rohingya recebem comida em campo de refugiados de Aceh - Kemal Jufri/The New York Times - Kemal Jufri/The New York Times
Refugiados rohingya recebem comida em campo de refugiados na Indonésia
Imagem: Kemal Jufri/The New York Times

"Achávamos que com toda a atenção internacional e atenção da mídia dada à situação no ano passado, havia um impulso para que a situação melhorasse", disse Matthew Smith, diretor executivo do grupo. "Não foi o que aconteceu." 

Na Indonésia, o governo montou campos e abrigos na província de Aceh, na ponta norte da ilha de Sumatra, para os 999 rohingyas que foram parar lá. 

Os rohingyas não estão confinados, a segurança é relaxada e eles podem circular livremente. 

Em poucas semanas após a chegada dos refugiados em Aceh, contrabandistas começaram a atuar nos campos, oferecendo passagens para a Malásia. Como a maioria dos refugiados tinha a intenção de ir para a Malásia para encontrar trabalho, e muitos ficaram profundamente endividados para chegar lá, grande parte deles opta por partir. 

Chris Lewa, coordenador do Projeto Arakan, um grupo de direitos humanos que monitora a migração pelo Mar de Andaman, disse que os contrabandistas levam os rohingyas para a cidade de Medan, uma viagem de carro de quatro a sete horas na direção sudeste, onde embarcam em pequenos barcos indonésios e então transferidos para barcos malasianos com destino ao país. 

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), dos 999 rohingyas que chegaram em Aceh em maio de 2015, acredita-se que 723 tenham chegado à Malásia. 

Pelo menos 53 bengaleses também devem ter partido para a Malásia. 

"As famílias deles estão lá e eles querem trabalhar", disse Lewa. "Eles têm sua própria comunidade ali e empregos." Aqueles que permanecem na Indonésia não podem trabalhar enquanto aguardam por um reassentamento em um terceiro país. Mas fazem cursos de inglês e indonésio, recebem treinamento profissionalizante como costura e corte de cabelo, e cultivam hortifrútis em uma área grande. 

Há numerosas brigas nos campos, casos de violência doméstica, casamentos ilegais com menores de idade e partos, além de casos frequentes de ira e depressão. 

"Há muitos problemas provocados pelo senso de não saber o que acontecerá, pela impotência", disse Mariam Khokhar, chefe do escritório da OIM em Medan, a capital da província de Sumatra do Norte. 

Um dos que não fugiram é Jamal Hossain, 28 anos. Ele e sua esposa, Sajidah, enfrentaram os barcos dos contrabandistas para escapar de Mianmar com quatro filhos pequenos há um ano e tiveram um quinto, uma menina, no campo de refugiados de Beyeun em fevereiro. 

Semanas após a chegada deles em Aceh, disse Jamal, ele começou a receber telefonemas de uma rede de contrabando, oferecendo passagem para a família para a Malásia por apenas uma entrada do valor total de cerca de US$ 3.500 (cerca de R$ 11.900). 

Diferente de muitos outros, ele não tem família na Malásia, de modo que recusou. "Eu ganhei uma segunda vida", ele disse. "Por que a colocaria em risco de novo?"

31.mai.2016 - Jamal Hossain com sua mulher, Sajidah, e os filhos; família saiu de Mianmar há um ano - Kemal Jufri/The New York Times - Kemal Jufri/The New York Times
Jamal Hossain com sua mulher, Sajidah, e os filhos; família saiu de Mianmar há um ano
Imagem: Kemal Jufri/The New York Times
 

No mês passado, os primeiros refugiados rohingyas da crise de 2015 foram reassentados. Os Estados Unidos receberam 43, o Canadá recebeu 3. Trabalhadores de ajuda humanitária disseram que os Estados Unidos estão considerando receber mais e estão encorajando outros países a fazer o mesmo. 

O fluxo de emigração de Mianmar e Bangladesh diminuiu, ao menos por ora, devido ao maior patrulhamento por parte desses países, assim como pela Tailândia e Malásia, segundo organizações internacionais de ajuda. 

A repressão dissuadiu os emigrantes e elevou os preços, disse Alistair Boulton, representante regional assistente para proteção da Acnur em Bancoc. "O preço da viagem triplicou ou quadruplicou", ele disse. 

Mas a demanda permanece alta, graças às más condições em Mianmar e Bangladesh, e as autoridades temem que o contrabando pode se intensificar de novo após os ventos da estação das monções diminuírem em setembro. 

"O contrabando humano é mais lucrativo do que drogas e armas, de modo que as pessoas que supostamente o controlam não são amadores", disse Joe Lowry, um porta-voz da OIM em Bancoc. 

"Se a comunidade internacional e os governos regionais baixarem a guarda, isso acontecerá de novo", ele disse. "As pessoas querem ir para onde há empregos; as pessoas querem escapar de perseguição."