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Após vitória, grupo pró-"Brexit" já recua em promessas sobre saúde e imigração

Mulher comparece a posto de votação para dar sua opinião no referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, em Oxford - Adrian Dennis/AFP - 23.jun.2016
Mulher comparece a posto de votação para dar sua opinião no referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, em Oxford Imagem: Adrian Dennis/AFP - 23.jun.2016

Stephen Castle

Em Londres

28/06/2016 06h00Atualizada em 29/06/2016 08h41

Liberta das algemas da União Europeia, a economia do Reino Unido prosperaria e sua segurança aumentaria. O Reino Unido "retomaria o controle" da imigração, reduzindo o número de chegadas. E poderia gastar cerca de 350 milhões de libras (R$ 1,6 bilhão) por semana a mais em serviços de saúde, em vez de enviar o dinheiro para Bruxelas.

Antes do referendo de quinta-feira passada (23) sobre a participação britânica no bloco de 28 países, os defensores de sua saída, conhecida como "Brexit", exibiram promessas de um futuro melhor enquanto rejeitavam preocupações levantadas por uma série de acadêmicos e especialistas como "Projeto Medo".

Mas isso foi antes de eles vencerem.

Com os mercados financeiros em turbilhão, uma grande queda da libra e a perspectiva de mais caos, alguns defensores do "Brexit" estão recuando nos pronunciamentos ousados que fizeram alguns dias atrás. "Muitas coisas foram ditas antes desse referendo que talvez queiramos repensar", disse à BBC o ex-ministro Liam Fox, incluindo quando e como o Artigo 50 --o processo formal de saída da UE-- deve ser invocado.

Talvez nenhuma promessa seja mais audaciosa --e irreal, segundo os críticos-- que a afirmação dos 350 milhões de libras por semana. Boris Johnson, o ex-prefeito de Londres que liderou a campanha do "Brexit", percorreu o país em um ônibus pintado com o slogan: "Nós mandamos 350 milhões de libras por semana à UE, vamos financiar o NHS em vez disso", referindo-se ao Sistema Nacional de Saúde.

Horas depois de proclamar o "dia da independência" do Reino Unido, Nigel Farage, líder do Partido pela Independência do Reino Unido (Ukip), ferozmente antieuropeu, admitiu que o número de 350 milhões de libras é "um erro". Perguntado pela BBC no domingo sobre a promessa de gastos, Iain Duncan Smith, um ex-líder conservador que fez campanha pelo "Brexit", disse que o lado pró-saída havia apenas prometido "gastar a parte do leão desse dinheiro" no serviço de saúde.

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A mudança talvez não tenha causado surpresa, já que o "dividendo da independência" de 350 milhões de libras nunca resistiu a uma análise. Ele excluía o dinheiro devolvido ao Reino Unido por meio de descontos e o dinheiro que o país dava como subsídio a seus agricultores nas regiões mais pobres, segundo o respeitado Instituto de Estudos Fiscais. O instituto avaliou o número real em cerca de 150 milhões.

Defensores da permanência na UE, irritados, atribuíram a vitória da saída a uma campanha de desinformação e até de engodo.

Na Cornualha, no sudoeste da Inglaterra, onde a maioria votou pela saída, o líder do conselho local, John Pollard, pediu que o governo forneça "investimento igual ao oferecido pelo programa da UE" (o condado recebeu cerca de US$ 1,3 bilhão [R$ 4,4 bilhões] em ajuda da UE nos últimos 15 anos e contava com mais cerca de US$ 550 milhões [R$ 1,8 bilhão] até 2020).

Uma tabela do jornal "Financial Times" mostrando que o voto na saída foi mais forte nas partes do Reino Unido que são mais dependentes economicamente da UE circulou amplamente online.

As promessas de uma rápida redução dos níveis de imigração também estão sendo minimizadas. A migração foi a pedra de toque da campanha do "Brexit", que objetou à insistência da UE sobre o livre movimento da força de trabalho, do capital, de bens e serviços. Desde 2004, quando mais dez países se uniram à UE, grande número de europeus do leste e do sul se mudaram para o Reino Unido em busca de trabalho.

Johnson afirmou que era impossível o governo reduzir a imigração fazendo parte da UE. Seu aliado, Michael Gove, o secretário de Justiça, disse que o voto na saída "reduziria os números" até 2020. Especialistas dizem há muito tempo que isso seria muito difícil. A UE exigiu que países não-membros --por exemplo, a Noruega-- liberassem o movimento de trabalhadores em troca de acesso ao mercado único do bloco.

Na sexta-feira (24), dia seguinte ao referendo, Daniel Hannan, membro do Parlamento Europeu e um dos mais conhecidos defensores do "Brexit", surpreendeu alguns telespectadores da BBC ao dizer: "Francamente, se as pessoas que assistem pensam que votaram e que agora haverá zero imigração da UE, elas vão se decepcionar".

Hannan escreveu no Twitter: "Eu era a favor de mais controle, não de imigração mínima". Diante de uma reação, ele observou que muitos eleitores do Fica "hoje estão com raiva de mim porque não quero cortar a imigração acentuadamente", acrescentando: "Realmente não há como agradar a certas pessoas". Então ele anunciou que tiraria "um mês de folga do Twitter".

Farage assumiu a posição mais rígida sobre a imigração, revelando um cartaz que mostra uma longa fila de refugiados sob o título "Ponto de ruptura" e levantando a perspectiva de a Turquia entrar na UE (embora qualquer dos 28 países tenha poder de veto sobre a aceitação de novos membros).

Muitos defensores do "Brexit" esperavam perder --até Farage disse na noite do referendo que não pensava que seu lado havia vencido--, e para alguns a luta foi tanto sobre a política interna do Partido Conservador quanto sobre o futuro do país.

Agora, depois de depor o primeiro-ministro David Cameron, eles enfrentam um vácuo político, com sua base exigindo que as promessas sejam mantidas. Johnson, o principal candidato a substituir Cameron, não fez novos pronunciamentos desde uma declaração discreta na sexta-feira que se limitou a generalidades.

Caso se torne primeiro-ministro, Johnson enfrentará a tarefa de implementar a retirada britânica sem provocar uma reação dos que acreditaram nos slogans e sentimentos de campanha que ele certamente pareceu endossar.

"Ao votar por sair da UE, é vital salientar que agora não há necessidade de pressa", disse Johnson à imprensa. Ao lado dele, Gove prometeu: "Podemos ter um consentimento democrático para uma política migratória que seja mais justa e mais humana". Ele não explicou como.

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