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Após ataques a muçulmanos, muitos perguntam: onde está a solidariedade às vítimas?

Hadi Mizban/ AP
Imagem: Hadi Mizban/ AP

Anne Barnard

Em Paris (França)

07/07/2016 06h00

Nos últimos dias, jihadistas mataram 41 pessoas no movimentado aeroporto de Istambul; 22 em um café em Bangladesh; e pelos menos 250 celebrando os últimos dias do Ramadã em Bagdá. Então o Estado Islâmico atacou de novo, com atentados a bomba em três cidades na Arábia Saudita.

Na terça-feira, Michel Kilo, um dissidente sírio, estava inclinado exausto sobre seu café em uma cafeteria na Margem Esquerda, se perguntando: onde estava o ultraje global? Onde estavam as manifestações que ocorreram após os mesmos grupos terroristas causarem horror em Bruxelas e aqui em Paris? Em um mundo supostamente globalizado, não brancos, não cristãos e não ocidentais contam como plenamente humanos?

"Toda essa violência louca tem uma meta", disse Kilo, que é cristão: criar uma reação contra os muçulmanos, dividir as sociedades e "fazer com que os sunitas sintam que não importa o que aconteça, eles não têm outra opção".

Esta não é a primeira vez que o Ocidente demonstra indiferença diante de massacres em países predominantemente muçulmanos. Mas essa relativa indiferença após tantas mortes causadas pelos mesmos grupos que atormentam o Ocidente é mais do que uma questão de sentimentos feridos.

Uma das principais metas do Estado Islâmico e de outros grupos radicais islâmicos é fincar uma cunha entre os muçulmanos sunitas e o restante do mundo, para alimentar a alienação como ferramenta de recrutamento. E quando esse mundo parece demonstrar menos empatia pelas vítimas de ataques em países muçulmanos, que têm suportado uma fatia maior de vítimas de massacres do Estado Islâmico e seu governo predatório, isso parece ser comprovado.

"Por que #PrayForIraq (reze pelo Iraque) não é um dos assuntos de destaque?" postou Razan Hasan, de Bagdá, no Twitter. "Ah, é porque ninguém se importa conosco."

Hira Saeed, de Ottawa, Ontario, perguntou no Twitter por que o Facebook não ativou sua função Verificação de Segurança após os recentes ataques, como fez em Bruxelas, Paris e Orlando, Flórida, e por que a rede social não ficou igualmente cheia de bandeiras da Turquia, Bangladesh e Iraque. "A hipocrisia no mundo ocidental é forte", ela escreveu.

O sentimento global cada vez mais parece ser de recuo para identidades mais estreitas de nação, política ou seita, como a votação no Reino Unido para saída da União Europeia e muitos americanos apoiando a campanha presidencial nativista de Donald Trump.

A violência alimenta um impulso crescente entre muitos no Ocidente de temer muçulmanos e árabes, o que já causa uma crise política em torno da imigração que, por sua vez, escora as metas dos extremistas. A Europa está em convulsão em torno do movimento para rejeitar os refugiados da Síria e do Iraque, que por sua vez estão fugindo da violência dos jihadistas e de seus próprios governos.

É na Síria e no Iraque que o Estado Islâmico estabeleceu seu chamado califado, governando populações predominantemente muçulmanas com a ameaça de violência terrível. O grupo matou muçulmanos aos milhares nesses países, de longe o maior número de suas vítimas.

Quando os militantes do Estado Islâmico mataram frequentadores de cafés em Paris em novembro, pessoas de todo mundo adornaram marcos públicos e suas páginas particulares no Facebook com a bandeira francesa, não apenas na Europa e nos Estados Unidos, mas também, por uma empatia nascida da experiência, na Síria e no Iraque.

Mas ao longo da última semana, o Facebook ativou sua função Verificação de Segurança, que permite às pessoas nas proximidades de um desastre apontarem que estão seguras, apenas após o ataque no aeroporto de Istambul.

As bandeiras do Iraque, Arábia Saudita, Turquia e Bangladesh não foram amplamente projetadas em marcos locais e nem adotadas como fotos de perfil. (Fotos na rede social mostraram que na Bósnia-Herzegóvina, um dos dois países europeus de maioria muçulmana, a bandeira turca foi projetada em uma ponte em Mostar, cenário de mortes sectárias nos anos 90.) Alguns se perguntam se parte do motivo é por três dessas bandeiras possuírem slogans ou símbolos islâmicos.

"Mais mortes no Iraque na semana passada do que em Paris e Orlando somadas, mas ninguém está mudando suas fotos de perfil, cores em prédios, etc.", escreveu Kareem Rahaman pelo Twitter.

Há alguns motivos compreensíveis para as reações diferentes. As pessoas costumam se identificar mais estreitamente com lugares e culturas que lhes são familiares. Em relação ao Iraque, também há um grau de fadiga, uma sensação de que um atentado ali é menos surpreendente do que um na Europa.

Ataques mortais são uma constante no Iraque após anos de ocupação americana, seguida por uma guerra sectária na qual milícias sunitas e xiitas massacram civis da seita oposta. Ainda assim, apesar de ataques terroristas na Europa parecerem mais surpreendentes para o Ocidente, mesmo também começando a se tornarem comuns ali, isso não explica a relativa indiferença aos ataques em Istambul, Arábia Saudita ou Bangladesh.

"Isso é o que acontece no Iraque", escreveu em seu blog Sajad Jiyad, um pesquisador no Iraque que correu até o local do atentado em Bagdá e descobriu que um de seus amigos morreu ali. "As mortes se tornam apenas estatísticas e a frequência dos ataques faz com que o choque não registre como ocorreria em outro lugar, ou que você tenha tempo suficiente para sentir tristeza ou pesar."

Kilo, que passou anos nas prisões do governo sírio e se opõe tanto a ele quanto ao Estado Islâmico, disse que sua vida em Paris mudou desde novembro. Falar árabe agora é suspeito. Ele vê medo nos olhos dos franceses quando veem sírios.

"Eu também tenho medo", ele disse. "Alguém pode detonar a si mesmo a qualquer momento."

Ele escreveu um artigo que será publicado no jornal "Al Araby Al Jadeed", intitulado "A Maldição da Síria".

O fracasso da empatia é maior do que o Estado Islâmico, ele disse; ele se estende à não disposição ou incapacidade da comunidade internacional de deter o massacre da guerra civil síria, que teve início com protestos por mudança política.

"Se perdermos toda a humanidade", disse Kilo, "se você permite o massacre de uma nação por 5 anos e meio, após todos os líderes da comunidade internacional declararem o direito daquelas pessoas de se revoltarem contra seu governo, então espere um Estado Islâmico, e muitos outros Estados Islâmicos com outras caras e formas".

Maher Samaan, em Paris, e Karen Zraick, em Nova York (EUA), contribuíram com reportagem.