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'Saia daqui!' China ameaça embarcações em águas disputadas

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Tripulante de navio da guarda costeira da China fotografa a embarcação Motoryacht Isla
Imagem: Sergey Ponomarev/The New York Times

Javier C. Hernández

No Mar da China Meridional

12/07/2016 11h06

Podíamos ver de longe as águas turquesa cintilantes, um paraíso onde as ondas do alto-mar amenizam, segundo pescadores, e garoupas e anchovas poderiam alimentar uma aldeia por toda a eternidade.

Mas protegendo as águas, na entrada do banco de areia Scarborough, estava um navio da guarda costeira chinesa de 40 metros. Se quiséssemos ter mais do que um vislumbre deste ponto de pedras e coral (o mais recente ponto potencial de disputa entre a China e os Estados Unidos no Mar do Sul da China), nosso barco teria que ser rápido.

O capitão Alex O. Tagapan, que geralmente leva turistas em cruzeiros de passeio, desviou para a entrada do atol em forma de bumerangue e acelerou. Voltando-se para uma pequena estátua do Menino Jesus de Praga, padroeiro das Filipinas conhecido por seus poderes milagrosos, ele rezou.

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"Saiam daqui! Saiam daqui!", gritou em inglês um homem em uma lancha da guarda costeira da China
Imagem: Sergey Ponomarev/The New York Times

Em minutos, os chineses enviaram uma lancha pintada com as listras vermelhas da guarda costeira em nossa direção. "Saiam daqui! Saiam daqui!", gritou em inglês um homem na embarcação usando chapéu de bambu e um colete cor da laranja, agitando seus braços.

Nos últimos dois anos, a China tem trabalhado para reforçar sua reivindicação de soberania sobre o Mar da China Meridional, despejando areia para transformar recifes e atóis dispersos em ilhas, apesar dos protestos de vizinhos e dos Estados Unidos.

Agora a China também estaria considerando transformar o banco de areia Scarborough em uma ilha artificial, um esforço que seria o seu mais ambicioso e provocador. A China ganharia um posto avançado no lado leste da ilha, a mais de 850 quilômetros do continente, mas a apenas 225 quilômetros das Filipinas.

Isso poderia reforçar a reivindicação da China ao mar, incluindo direitos de exploração de petróleo e de pesca, e poderia estender substancialmente sua cobertura de radar, ar e mísseis, inclusive sobre as forças americanas nas Filipinas.

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Capitão Alex O. Tagapan (centro) conduz a embarcação Motoryatch Isla
Imagem: Sergey Ponomarev/The New York Times

No mês passado, eu parti para visitar este trecho do mar, que tem inspirado ameaças de duas superpotências, mas que Charles Darwin certa vez descreveu em termos quase poéticos: "uma centena de braças de cor azul".

Scarborough não acena para visitantes. Recebendo o nome de um navio britânico de chá que ali bateu em 1784, ele há muito é conhecido por naufrágios, prendendo navios a vapor suecos e navios de carga franceses pegos em tufões. Mas enquanto eu viajava pela costa das Filipinas à procura de um barco que me levasse, a principal preocupação era a China, que tomou o controle do recife das Filipinas há quatro anos.

Pessoas em toda parte relutavam em fazer a viagem, temerosos do assédio dos navios chineses. Pescadores filipinos, segurando garrafas de rum, descreveram jogos de gato e rato sob o luar com tripulações chinesas armadas com canhões de água e rifles de assalto.

"Os chineses são impiedosos", disse Renante Etac, 40 anos, capitão de um navio que pesca perto de Scarborough. "Não há nada que possamos fazer. Temos apenas que voltar para casa."

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Pescadores na Baía de Subic, nas Filipinas. Eles dizem que navios chineses os perseguem no Mar da China Meridional
Imagem: Sergey Ponomarev/The New York Times

Na Baía de Subic, onde as forças armadas americanas já mantiveram sua maior base naval no exterior, eu encontrei o Motoryatch Isla, uma embarcação que levou um grupo de repórteres de televisão até Scarborough há poucos anos.

Mas a tripulação também estava com medo de fazer outra viagem, disse Rafael G. Ongpin, o dono da embarcação. Da última vez, ele disse, o Isla foi perseguido por navios de guerra chineses que manobravam agressivamente para bloqueá-lo, gerando grandes ondas que poderiam tê-lo coberto. Os tripulantes temiam que os chineses poderiam afundar o Isla ou prendê-los caso retornassem.

Quando o pressionei, Ongpin arrumou uma nova tripulação, liderada por Tagapan, um homem quieto com bravata de marinheiro que considera a perda de Scarborough como uma ferida no orgulho nacional.

"É hora de nos erguermos", ele disse.

Em uma tarde de sexta-feira, nós partimos. Se tudo ocorresse de acordo com o plano, levaria 20 horas para chegarmos a Scarborough, cobrindo aproximadamente a mesma distância entre Miami e as Bahamas.

Nós seguimos para oeste no meio da noite, com tempestades relampejando ao longe. Ao amanhecer, o recife apareceu como uma ameba azul-esverdeada na tela de navegação.

"Esse é nosso único caminho de entrada", disse Tagapan, apontando para uma pequena abertura no canto sudeste do atol.

Ao nos aproximarmos, o radar detectou três navios. O clima na casa de leme ficou tenso. Tagapan, que nunca visitou Scarborough, tocava "Keeping the Love Alive" (mantendo o amor vivo) do Air Supply em seu celular e fumava um charuto Fortune.

"Estou rezando todo minuto", ele disse.

"Estamos prontos para o ataque", brincou o imediato Andres B. Arizo Jr.

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Barco de pesca filipino navega próximo a Scarborough, no Mar da China Meridional
Imagem: Sergey Ponomarev/The New York Times

É fácil perder Scarborough. A China sugeriu que é uma ilha, um termo reservado pela lei internacional a terra capaz de suportar habitação humana. Essa distinção permitiria a Pequim reivindicar uma zona econômica exclusiva, incluindo direitos a petróleo, pesca e outros recursos.

Na terça-feira, o tribunal internacional em Haia decidiu a respeito do pedido das Filipinas para invalidar muitas das reivindicações chinesas no Mar da China Meridional, incluindo várias relacionadas a Scarborough. A China boicotou o tribunal, afirmando que mapas antigos estabelecem sua soberania.

Apesar de o tribunal não poder decidir a respeito do dono por direito de Scarborough, as Filipinas pediram que ele declarasse que Scarborough não é uma ilha que possa ser usada para estabelecimento de uma zona econômica exclusiva.

Segundo meu ponto de vista do Isla, parece um argumento forte. Enquanto nossa embarcação se aproximava da entrada do atol, não era possível ver nada se projetando da água. O que pude ver foi um navio da guarda costeira chinesa. Da última vez que o Isla viajou até Scarborough, os chineses o interceptaram a 8 quilômetros do banco de areia. Agora estávamos a menos de um quilômetro.

De repente, a lancha chinesa surgiu atrás de nós. O homem de chapéu de bambu, um dos dois a bordo, gesticulava como se estivesse conduzindo uma sinfonia.

A tripulação do Isla pediu permissão para entrar em Scarborough, primeiro por rádio e depois gritando para os homens na lancha. Os pedidos foram recebidos por silêncio.

Após 15 minutos, a tripulação queria que déssemos meia volta. Perguntei a Tagapan se poderíamos circundá-lo ou encontrar outra entrada, mas ele estava incomodado. O navio chinês estava se aproximando de nós e um cúter maior, de 1.000 toneladas, da guarda costeira com canhões de água apareceu no horizonte. "Não queremos que atirem em nós", disse Tagapan.

Ao mudarmos de curso, a embarcação menor se aproximou até 30 metros de nós e sua tripulação começou a nos fotografar. O cúter se aproximou o suficiente para que suas ondas nos atingissem. Após uma hora, os navios chineses deram meia volta.

Não longe de Scarborough, nos deparamos com um pequeno barco pesqueiro, o JJ2. Sua tripulação de 16 pessoas, alguns usando bandanas e camisas da Chicago Bulls, assoviou e vibrou com nossa aproximação.

O capitão do barco, Paolo Pumicpic Jr., nos disse que ele e sua tripulação encontraram a guarda costeira chinesa poucos dias antes e foram afugentados.

Pumicpic, cujo pai e avô já pescaram em Scarborough, disse que ele e sua tripulação costumavam pescar cerca de US$ 1.000 em peixes por dia. Agora, ele disse, só conseguem menos de US$ 100.

Em uma ocasião no ano passado, ele disse, oficiais chineses vieram a bordo de sua embarcação, bateram nos tripulantes com varas de bambu, cortaram suas redes de pesca e confiscaram o que tinham pescado.

"Eles são ''salot', uma praga", ele disse a respeito da guarda costeira chinesa. "Costumávamos nos refugiar dentro do banco de areia quando o mar ficava bravo. Agora não podemos mais ir para lá."