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Mulheres torcem por avanços (e temem decepção) com possível vitória de Hillary

26.jul.2016 - Mulheres se emocionam com vídeo de discurso de Hillary na Convenção Democrata - Damon Winter/The New York Times
26.jul.2016 - Mulheres se emocionam com vídeo de discurso de Hillary na Convenção Democrata Imagem: Damon Winter/The New York Times

Jodi Kantor

30/07/2016 06h00

A presidente saberia como é estar grávida. Os principais líderes militares responderiam a uma chefe mulher, quando nunca houve uma no Estado-Maior Conjunto. Os locais de trabalho e a vida doméstica poderiam ser transformados por meio da licença-paternidade expandida e da igualdade salarial. Ou nada poderia mudar. O simbolismo seria no nível de uma supernova. A reação poderia ser devastadora.

Na noite da última quinta-feira (28), após 240 anos de uma série ininterrupta de liderança masculina no país, Hillary Clinton aceitou a nomeação democrata para presidente.

Os EUA se aproximam da eleição que poderá colocar uma mulher no comando, tornando mais concreta uma pergunta que sempre foi abstrata: como uma mulher presidente poderá modificar a experiência de vida das mulheres americanas?

"As mulheres terão salários justos", disse Tammy Keith, 53, uma assistente social que vive no leste de Nova York e calcula que recebeu cerca de US$ 20 mil a menos que seus colegas homens nos últimos 14 anos.

Quanto mais ousadamente Hillary agia, mais as mulheres se sentiam poderosas, disse Marqui Wilcher, 25, supervisora de um call center em Pittsburgh e mãe solteira. "Não vá entrar lá e se acovardar", disse ela, como se falasse com a candidata.

A eleição da primeira mulher à Casa Branca poderia revitalizar questões proteladas de igualdade no local de trabalho, disse Jeanne Crain, 56, executiva-chefe de um banco em St. Paul, Minnesota. "Acho que há maneiras como eu, enquanto líder, poderei usar isso como um trampolim --que vergonha-- de maneiras que nunca fiz", disse ela.

Durante toda a semana, câmeras no centro de convenções na Filadélfia captaram imagens de mulheres chorando, abraçando-se e aplaudindo Hillary. Dezenas de outras mulheres em todo o país, em entrevistas em seus escritórios ou junto de seus filhos, também disseram que se sentiam no ponto inicial de um grande avanço coletivo.

Algumas disseram que não faria diferença. "Oh, meu Deus, é uma mulher, blablablá", disse Kristin Shearer, 45, uma apoiadora de Trump em Cambridge, Massachusetts.

Mas a maioria das mulheres entrevistadas --de adolescentes a senhoras de 90 anos, democratas e republicanas, vendedoras e executivas-- acreditava que uma presidência feminina poderia de algum modo ser uma força em suas próprias vidas, mesmo que ainda não soubessem como.

Algumas líderes de outros países, como Indira Gandhi na Índia e Benazir Bhutto no Paquistão, acumularam poder em forte contraste com suas conterrâneas, que tinham muito pouco.

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Mas se Hillary ganhar a Presidência assumiria o cargo durante um período de transformação econômica e demográfica para as mulheres americanas, que estão superando os homens em número de matrículas nas faculdades em margens cada vez maiores, tornando-se principais mantenedoras da família e conduzindo seus lares.

A licença-paternidade garantida pelo Estado está lentamente se instalando pela primeira vez na história dos EUA. Como comandante-em-chefe, uma das tarefas de Hillary seria concluir a integração das mulheres a funções de combate nas Forças Armadas.

Mas as expectativas históricas também podem causar profundas decepções. Nas entrevistas, muitas mulheres manifestaram desejos reprimidos originários de uma cultura que demora a mudar e a duras experiências de vida pessoal. Se Hillary for eleita, esses sonhos poderão se partir.

Abrir uma rachadura em um telhado de vidro não é a mesma coisa que desmontá-lo, disse Marianne Cooper, uma socióloga de Stanford que é a principal pesquisadora do livro "Lean In", de Sheryl Sandberg.

"Realmente quebrar o telhado de vidro significaria que ela estaria invertendo as forças que são barreiras para as mulheres", disse ela. Essas são "realmente difíceis para qualquer indivíduo isolado de um grupo subrepresentado desmanchar", acrescentou. "E em quatro anos?"

A vida de Hillary já serviu de base para debates sobre maternidade sem trabalho, casamento, ambição e a tendência das líderes mulheres a ser vistas como menos amáveis. Como ocupante do Salão Oval, o escrutínio poderá ser ainda mais intenso.

29.jul.2016 - Hillary Clinton interage com o público depois de discursar nesta quinta-feira (28) na Convenção Nacional Republicana, na Filadélfia. A ex-senadora e ex-secretária de Estado aceitou oficialmente a indicação democrata para a presidência dos Estados Unidos. Durante seu discurso de aceitação, Hillary pregou a união e igualdade no país, a recuperação da economia e criticou por diversas vezes seu rival Donald Trump e sua campanha pelo "medo" e individualismo - Aaron P. Bernstein/Getty Images/AFP - Aaron P. Bernstein/Getty Images/AFP
Hillary Clinton interage com o público depois de discursar na convenção
Imagem: Aaron P. Bernstein/Getty Images/AFP

Algumas das mulheres entrevistadas tinham certeza de que Hillary seria atingida por ataques desagradáveis, como os recentes slogans de "Prendam-na" na convenção republicana. Mas elas pareciam ainda mais preocupadas que ela enfrente críticas mais duras que um presidente homem por qualquer erro que cometa, grande ou pequeno.

(Um estudo recente da Universidade Yale revelou que as mulheres em ocupações tradicionalmente masculinas são julgadas mais severamente quando cometem os mesmos erros que homens nesses cargos.)

"O que eu temo? Que sua liderança seja considerada 'dramática' ou 'mandona' ou 'desagradável' porque a sociedade realmente tem dificuldade para aceitar mulheres no poder", disse no Facebook Kristina Dahl, 46, diretora de uma organização de apoio a doentes de câncer em Seattle.

A questão é se uma presidente Hillary Clinton reencenaria a dinâmica de gênero familiar em um palco maior ou a mudaria, em parte só por aparecer para trabalhar todos os dias.

"Quando uma jovem entrar numa classe, um menino de 15 anos pensará consigo mesmo: ela poderá ser presidente um dia", disse Abby Wambach, 36, jogadora de futebol e autora de um livro de memórias ainda inédito, que descreve sua luta por igualdade como atleta mulher, e que fez campanha para Hillary.

 *Colaboraram na reportagem Jess Bidgood, Christina Capecchi, Natalie Pita e Nate Schweber.

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