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Há 100 anos, ataque terrorista assustava Nova York; alemães foram responsabilizados

Após décadas, investigação concluiu que explosão no Porto de Nova York foi atentado  - Library of Congress via The New York Times
Após décadas, investigação concluiu que explosão no Porto de Nova York foi atentado Imagem: Library of Congress via The New York Times

Sam Roberts

31/07/2016 06h00

Na manhã seguinte ao dia 30 de julho de 1916, quando mil toneladas em munição explodiram no Porto de Nova York, matando cinco pessoas, abalando a Ponte do Brooklyn, estilhaçando janelas a 10 km de distância e fazendo fundações de edifícios tremerem em cinco Estados, oficiais da Justiça quase descartaram um ataque terrorista cometido por alemães.

Décadas mais tarde, investigações persistentes provaram que eles estavam errados.

Ninguém nunca foi condenado pelo ataque naquele domingo de verão à medida que a Primeira Guerra Mundial se desdobrava na Europa, mas em 1939, uma comissão internacional de reivindicações mudou de ideia e declarou que o governo alemão era legalmente responsável pelos danos.

Por fim, quatro décadas depois disso, o governo pós-Primeira Guerra Mundial em Bonn pagou a última parcela de U$ 50 milhões em indenizações.

A explosão na Ilha de Black Tom, um cabo de 10 mil hectares saindo de Jersey City construído a partir de aterros sanitários de Nova York, registrou estimados 5.5 pontos na escala Richter, um impacto 30 vezes mais intenso que o colapso do World Trade Center 85 anos depois.

Era considerado o mais destrutivo atentado terrorista nos Estados Unidos até o 11 de Setembro de 2001.

A explosão ocorreu um dia antes da data em que Charles Evan Hugues, ex-governador de Nova York, ia aceitar formalmente a nomeação presidencial republicana em um discurso no Carnegie Hall para enfrentar Woodrow Wilson, cujo slogan de campanha de reeleição, “Ele nos manteve fora da guerra”, seria anulado em abril quando o Congresso declarou guerra contra o Império Alemão.

Os efeitos da explosão também reverberaram por toda a Segunda Guerra Mundial. O presidente Franklin D. Roosevelt ordenou o remanejamento de mais de 100 mil nipo-americanos depois de Pearl Harbor, pois ele teria dito “Não queremos mais um Black Tom”.

No entanto, um século depois, o legado palpável de Black Tom se limita em grande parte a uma placa ambígua (“Foi acidente ou foi planejado?”) no Liberty State Park e a uma proibição persistente, por motivos de segurança, de que visitantes subam uma escada pelo braço direito da Estátua da Liberdade até a oscilante passarela na tocha.

O ataque e a controvérsia das demoradas reivindicações, escreveu Jules Witcover em “Sabotage at Black Tom” (“Sabotagem em Black Tom”), foi “uma das menos lembradas histórias verdadeiras da vulnerabilidade, ingenuidade e tenacidade americanas do século 20”.

Black Tom Island era onde os trilhos da Lehigh Valley Railroad se conectavam com os armazéns da National Dock and Storage Co., repletos de munição e de armamentos para serem enviados para a Baía de Gravesend e carregados em navios com destino à Europa.

Embora os Estados Unidos fossem oficialmente neutros em 1916, a maior parte das armas eram destinadas ao Reino Unido, à França, à Rússia e ao Japão porque a Alemanha não tinha condições de comprá-las.

No dia 30 de julho, duas explosões, uma às 2h08 da manhã e outra às 2h40, destruíram mais de 100 vagões de trem e 13 armazéns, deixando uma cratera de 115m por 53m. Uma explosão foi provocada por uma barcaça atracada ilegalmente para não ter de pagar uma taxa de US$ 25.

As ondas de choque quebraram milhares de janelas desde o centro do Brooklyn até o centro de Manhattan. Pelo menos cinco pessoas morreram, incluindo um bebê de 10 semanas que foi lançado de seu berço em Jersey City. Centenas de imigrantes foram evacuados de Ellis Island.

“Os projéteis que pretendiam tornar o mundo seguro para a democracia quando disparados através do canhão do tsar e do mikado”, escreveu posteriormente A.J. Liebling no jornal “The New York World-Telegram”, “ estavam tirando lascas da Deusa da Liberdade em sua ilha no porto.”

No entanto, a maior parte das autoridades policiais concordavam que a explosão “não podia ser atribuída a conspiradores estrangeiros contra a neutralidade dos Estados Unidos”, relatou o “New York Times”, “embora se admita que a destruição de uma quantidade tão grande de materiais bélicos dos aliados fosse uma boa notícia para Berlim e Viena.”

Culpou-se a negligência dos proprietários dos armazéns, dos vagões de trem e das barcaças, ou de vigias que supostamente acenderam braseiros para espantar mosquitos.

O inspetor Thomas J. Tunney, do Esquadrão Anti-Bombas do Departamento de Polícia de Nova York, suspeitava que fosse sabotagem, mas não tinha nenhuma prova concreta, somente supostas ligações, possivelmente com anarquistas ou nacionalistas irlandeses ou indianos contrários à colonização britânica.

Michael Kristoff, 23, um imigrante alemão de Bayonne, Nova Jersey, foi preso, mas depois foi solto porque a polícia não tinha provas o suficiente. Lothar Witzke, um marinheiro alemão, havia sido condenado à forca em outro caso de espionagem e foi envolvido na conspiração, mas sua sentença foi abrandada.

Durante um tratado de paz de 1921 entre os Estados Unidos e a Alemanha, uma comissão foi estabelecida para resolver reivindicações de guerra. Advogados dos queixosos por fim provaram que a conspiração havia sido armada por agentes alemães e organizada a partir de uma casa em Manhattan de propriedade de um cantora de ópera germano-americana.

Em 1939, o árbitro da comissão, o juiz do Supremo Tribunal Owen J. Roberts (um dos três juízes a rejeitar o confinamento dos japoneses), e o juiz americano (sua contrapartida alemã havia desistido, alegando parcialidade) concederam aos donos da propriedade de Black Tom e a suas seguradoras US$ 21 milhões em indenizações e US$ 29 milhões em juros, o maior acordo já decidido por um tribunal internacional (mas reduzido pela inflação, por títulos de garantia de propriedade e por um fundo de compensação inflado por títulos de alto risco alemães).

Hitler repudiou o acordo, que foi renegociado em 1952 com a República Federal da Alemanha. O primeiro pagamento, de US$ 3 milhões, foi recebido em 1953, e o último em 1979, mas o caso ainda repercute.

“Existe uma linha direta entre boa parte da retórica que ouvimos hoje—a divergência a respeito de tópicos como imigração, proteção de fronteiras, nosso lugar em um mundo que está sempre mudando—e aquilo que ouvíamos 100 anos atrás, logo antes do ataque e na sequência”, disse Chad Millman, autor de “The Detonators: The Secret Plot to Destroy America and an Epic Hunt for Justice.” (“Os detonadores: a conspiração secreta para destruir os EUA e uma caçada épica por justiça.”)

“Mais tangível”, disse Millman, “foi a forma como isso impactou as políticas anos depois, à medida que líderes políticos tentavam administrar medo e liberdade.”

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New York Times