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Médico dos EUA é homenageado 46 anos após socorrer soldados em 'guerra secreta'

Foto de 1970 mostra o sargento Gary Rose, no centro, durante missão secreta no Laos - Ted Wicorek via The New York Times
Foto de 1970 mostra o sargento Gary Rose, no centro, durante missão secreta no Laos Imagem: Ted Wicorek via The New York Times

Dave Philipps

Em Huntsville, Alabama (EUA)

07/08/2016 06h00

Não oficialmente, nas selvas do Laos em 1970, centenas de tropas norte-vietnamitas cercaram uma pequena equipe de comandos do Exército dos Estados Unidos. Não oficialmente, enquanto os homens eram abatidos, um médico corria em meio à saraivada de balas para ajudar, carregando um homem sobre seus ombros enquanto respondia fogo com uma das mãos. Não oficialmente, mesmo quando foi ferido por um foguete, o médico não parou, permanecendo dias sem dormir enquanto cuidava dos 51 soldados feridos.

Oficialmente, entretanto, as tropas americanas não estavam no Laos. Assim, oficialmente, nada aconteceu.

O médico, o sargento Gary Rose, fazia parte do secreto Grupo de Estudos e Observações, uma divisão de elite das Forças Especiais. Após o ataque, o grupo o recomendou para a mais alta condecoração das forças armadas, a Medalha de Honra. Mas na época, o presidente Richard Nixon negava a presença de tropas americanas no Laos. A recomendação foi engavetada, um exemplo do que veteranos do grupo dizem ter sido um padrão de medalhas sendo negadas ou rebaixadas para ocultar suas ações confidenciais.

Mas, agora, essa decisão deverá ser revertida. Após mais de uma década de lobby, o Congresso autorizou a medalha para Rose, que atualmente vive em Huntsville. A dele será a primeira Medalha da Honra a reconhecer expressamente o heroísmo de um soldado em solo na "guerra secreta" no Laos.

Sargento ferido no Laos - Joe Buglewicz/The New York Times - Joe Buglewicz/The New York Times
Imagem: Joe Buglewicz/The New York Times

No passado, citações de medalha para a unidade listavam os homens apenas como "dentro de território inimigo", disse Neil Thorne, um pesquisador e veterano do Exército que deu entrada a vários pedidos de medalha para o grupo nos últimos anos.

"O Exército ainda não quer reconhecer", disse Thorne. "Até hoje, quando coloco Laos na citação, o Exército o remove. É quase um jogo, mas um não engraçado. Rose é único no fato de finalmente aceitarem a verdade."

Durante a Guerra do Vietnã, o Laos era neutro e fora dos limites para tropas estrangeiras. Mas os norte-vietnamitas usavam a selva na fronteira entre o Vietnã e o Laos para trazer armas pela Trilha Ho Chi Minh. Assim, os Estados Unidos enviaram secretamente as Forças Especiais para deter o inimigo, mas sem provocar protestos de aliados ou da opinião pública americana.

De lá para cá, os veteranos do Grupo de Estudos e Observações, que apresentava uma das maiores taxas de inimigos mortos assim como de baixas no Vietnã, passaram a trabalhar para que homens como Rose fossem reconhecidos.

"Como estávamos em um lugar onde supostamente não deveríamos estar, muitos homens nunca receberam o que mereciam", disse Eugene McCarley, um tenente-coronel reformado que foi o comandante do médico. "Rose é um deles. Ele era um médico excelente e o nível de bravura e não preocupação com a própria segurança que mostrou, raramente vi algo parecido."

Para ocultar o envolvimento americano, as equipes vestiam uniformes asiáticos sem patente e com frequência portavam armas de fabricação estrangeira. Até mesmo a roupa de baixo e as rações eram de países asiáticos. Eles chamavam isso de "ser esterilizados".

"Isso faz parte do motivo para muitas condecorações nunca terem sido dadas", disse John L. Plaster, um major reformado que fez parte do grupo e escreveu livros sobre seus feitos. "Não podíamos dizer o que estava acontecendo."

Plaster foi recomendado para uma Estrela de Prata. Ele nunca a recebeu.

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AFP

Um grande tumulto

Em 11 de setembro de 1970, o grupo lançou uma de suas maiores missões de guerra, a Operação Vento a Favor. Helicópteros deixaram 136 homens cerca de 65 quilômetros dentro do Laos para "causar um grande tumulto", disse Plaster, e desviar a atenção de uma operação da CIA (a Agência Central de Inteligência americana) em andamento no norte.

Segundo entrevistas e documentos do Exército, forças norte-vietnamitas começaram a atacar antes mesmo que a equipe pousasse, perfurando de balas os helicópteros. Três homens foram baleados antes que qualquer um pisasse em solo.

Quando os helicópteros pousaram, a equipe penetrou na selva para escapar do fogo inimigo. O único médico era Rose, um homem de 22 anos de fala mansa do sul da Califórnia, que usava chapéu de selva flexível e pintura de camuflagem no rosto que não escondiam seu nervosismo. Aquela era sua segunda missão real de combate. Ele fora ferido na primeira.

Ao longo dos quatro dias seguintes, a companhia explodiu bunkers de munição e incendiou um campo de suprimentos, sempre perseguida por uma força inimiga cada vez maior. Ao final da operação, um terço da companhia tinha sido ferida.

Quando um soldado foi baleado em uma clareira aberta por metralhadoras, outros gritaram para que todos permanecessem abaixados até que a equipe pudesse montar fogo de cobertura. Mas Rose saiu correndo, disparando enquanto avançava. Ele protegeu o homem para tratar de seus ferimentos, então o carregou até um local seguro. "Como e por que o sargento Rose não foi morto naquela ação eu nunca saberei", escreveu um líder do pelotão em uma declaração na época.

Poucas horas depois, uma granada propelida por foguete atingiu a equipe, derrubando o médico e o ferindo com estilhaços na mão e no pé. Ignorando seus próprios ferimentos, ele atendeu outros homens, parando apenas posteriormente para fazer um curativo no pé ensaguentado.

Naquela noite na floresta abafada, Rose, já exausto, cavou longas trincheiras para que os feridos pudessem permanecer deitados protegidos. "O inimigo nos atacou a noite toda", lembrou McCarley. "Rose ia de posição em posição, oferecendo ajuda médica e palavras de encorajamento. Em nenhum momento o vi parar para comer, descansar ou tratar de seus próprios ferimentos."

McCarley foi recomendado para a segunda mais alta honra militar do país, a Cruz por Serviços Distintos. Ele nunca a recebeu.

No terceiro dia, Rose já estava sem morfina e bandagens. Ele fez padiolas de bambu para aqueles em pior estado e amarrou os pulsos dos homens que deliravam a outros soldados, para que não pudessem ser deixados para trás.

No quarto dia, quando helicópteros vieram retirar a equipe, as tropas inimigas estavam tão próximas que os aviões americanos tiveram que jogar gás lacrimogêneo contra seus próprios homens para fazer o inimigo recuar. Rose foi um dos últimos a entrar no último helicóptero, disparando enquanto embarcava mancando.

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Efe

"Nada heróico"

Um avô de 68 anos, o ex-médico vive em uma casa térrea de tijolos bem cuidada, e passa grande parte de seu tempo prestando serviço voluntário para pessoas pobres e inválidas. Em uma manhã recente, enquanto conduzia uma visita à sua igreja, ele estava mais animado em falar sobre o evento de arrecadação de fundos da congregação do que sobre seu papel em uma incursão secreta.

"Apenas tento viver fazendo o máximo de bem que puder", ele disse dando de ombros. Ao longo das décadas, ele raramente pensou na Operação Vento a Favor, ele disse, e está um pouco embaraçado com a Medalha de Honra.

"Não fiz nada heróico", ele disse. "Apenas cumpri meu dever como todos os demais." "É tudo um borrão", ele prosseguiu. "Eu estava absorto".

Estava tão concentrado nos feridos que não via as metralhadoras."

Ele fez uma pausa, então acrescentou: "Não quero que pareça que sou corajoso. O tremor, o vomitar, o medo, isso sempre acontecia, só que depois. No momento, eu apenas estava concentrado no que tinha que fazer. Eu não queria deixar ninguém na mão".