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Grupo fiscaliza o uso de francês, idioma oficial das Olimpíadas, na Rio-2016

Michaelle Jean, secretária-geral da Organização Internacional de Francofonia, na Lagoa - James Hill/The New York Times
Michaelle Jean, secretária-geral da Organização Internacional de Francofonia, na Lagoa Imagem: James Hill/The New York Times

Sarah Lyall*

No Rio de Janeiro

10/08/2016 15h17

Michaelle Jean, secretária-geral da Organização Internacional da Francofonia, passou uma destas manhãs na suja Lagoa olímpica, onde ocorria a mais animada prova de remo do mundo. Mas ela não estava tão interessada no que acontecia sobre a água.

"Você vai notar que os comentaristas não estão falando francês", disse Jean, indignada. "No local, nenhuma das placas está em francês."

Monitorar o uso do francês nos Jogos Olímpicos é um trabalho quixotesco e frustrante, especialmente quando os Jogos Olímpicos do Rio 2016 se realizam em um país que não fala francês e está mais preocupado com questões não francesas como o crime nas ruas, o caos econômico e como amontoar milhares de espectadores excitados na instalação do vôlei de praia. Mas a Regra 23 da Carta Olímpica declara que os Jogos têm duas línguas oficiais, e a organização de Jean, que representa 80 países francófonos, está decidida a garantir que ninguém esqueça que uma delas é o francês (a outra, o inglês).

"É uma luta toda vez que temos Jogos Olímpicos, em um país diferente e uma cidade diferente", disse ela. "Precisamos estar lá para garantir que haja placas, documentos e informações em francês. Temos 3.000 atletas e muita gente no público de países francófonos."

A Regra 23 não é um acaso. Como fundador dos Jogos Olímpicos modernos, na virada do século 20, Pierre de Coubertin pôde escolher em que língua eles seriam; e ele era francês. Mas com o passar do século o inglês se tornou mais dominante como língua internacional, e o uso do francês na Olimpíada começou a cair para as laterais. Isto alarmou o mundo de fala francesa e a organização Francophonie, que tem como um de seus objetivos "combater os efeitos perversos da globalização sobre as línguas", segundo a organização diz.

O francês pelo mundo

AFP

Em cada Olimpíada desde Atenas em 2004, o grupo indicou uma pessoa, conhecida como Grand Témoin --a Grande Testemunha--, cuja função é defender a validade e verificar o uso do francês nas Olimpíadas. Este ano a Grand Témoin é o internacionalmente célebre saxofonista de jazz Manu Dibango, de Camarões. (Jean, que já foi governadora-geral do Canadá, teve essa função em Londres em 2012.) Suas responsabilidades incluem negociar com o Comitê Olímpico Internacional (COI) e com o país sede, monitorar de perto a situação do francês na Olimpíada e produzir um relatório posteriormente.

Os relatórios tendem a refletir uma mistura de otimismo e decepção.

"Em Pequim, toda a sinalização olímpica aparecia primeiro em francês, depois em inglês e chinês", disse o relatório de Sochi, por exemplo. "Em Sochi a sinalização para o público internacional era trilíngue, mas a que se dirigia aos espectadores aparecia em russo e inglês."

Além disso, o documento indicou que "a chegada de alguns novos esportes ao programa olímpico (como slopestyle e halfpipe) não foi acompanhada de uma terminologia suficiente para essas modalidades serem discutidas em termos franceses na mídia".

A Olimpíada é "obviamente uma vitrine muito importante", disse Dibango, que também serve como embaixador cultural, apresentando-se no Rio com músicos que falam português e francês como uma forma de promover a natureza internacional do francês.

"Eu vejo o trabalho como ser o porta-bandeira dos 300 milhões de pessoas em todo o mundo que falam francês", disse Dibango.

O público médio da Olimpíada pode ter pouca ideia de que isso está acontecendo, mas a organização Francophonie leva o assunto tão a sério que, assim que termina uma Olimpíada, começa a negociar as condições da seguinte. As primeiras discussões sobre francês nos Jogos do Rio foram positivas, disse Jean, porque o governo brasileiro foi simpático e porque Carlos Nuzman, o presidente do comitê organizador brasileiro, fala francês fluentemente.

Mas então a economia desmoronou e o governo amistoso caiu. Quando o novo governo entrou, tinha muita coisa para pensar, e estas não incluíam o uso de francês na Olimpíada. Quando se aproximava o dia da cerimônia de abertura, a Francophonie não tinha ideia de como seria a noite --tradicionalmente um bom momento para o mundo ouvir e apreciar muito francês lindamente enunciado por importantes autoridades internacionais.

Afinal, foi um sucesso. Todos os principais anúncios e discursos foram feitos em francês, juntamente com inglês e português. Até melhor, disse Jean, "tudo foi anunciado primeiro em francês --você percebeu?"

A cerimônia de abertura é uma coisa; o resto da Olimpíada é outra. Jean visitou a Vila Olímpica e descobriu que havia placas em francês na lanchonete, mas em nenhum outro lugar. Ela atribuiu isso aos problemas de orçamento do Rio --a tradução custa caro-- e à natureza frenética dos preparativos para os Jogos. Ela compreendeu, mas disse: "Ficamos muito decepcionados com a situação".

Os visitantes da Olimpíada também verão que os milhares de placas nas várias instalações de eventos estão impressas só em inglês e português, e não em francês. (Não que as placas em inglês sejam algo entusiasmante, às vezes parecendo dever mais à máquina de tradução do Google do que a um ser racional. "Aperte o botão da cadeira de rodas se você tiver problemas de locomoção", diz em inglês uma placa próxima a um elevador no centro de imprensa.)

No local do remo no sábado (6), os eventos passaram tão depressa que às vezes os locutores mal conseguiam fazer os comentários em português e inglês, quanto menos em outras línguas. Nas arquibancadas, vários espectadores (que não falavam francês) disseram que francamente a língua não era sua maior preocupação.

"Eu não tinha pensado muito nisso", disse Amy Burba, 44, da Virgínia (EUA). "Mas ouvi pessoas atrás de nós falando francês."

Inglês, japonês ou russo. Quais idiomas são falados no Rio?

UOL Olimpí­adas 2016

Scott MacRae, um cozinheiro escocês que segurava uma cerveja e usava a bandeira do Reino Unido na cabeça como proteção contra o sol, disse que, exceto nas cerimônias de abertura e encerramento, o francês deveria ficar fora da Olimpíada.

"Eu gosto da paixão francesa", disse ele. "Mas não acho adequado usar francês na Olimpíada quando ela acontece num país que não é a França."

Várias autoridades mais velhas do remo na lagoa lamentavam a perda do francês não somente na Olimpíada, mas também nos esportes (e no mundo) em geral. Os americanos em particular, disseram eles, não falam outras línguas e realmente não querem.

O francês costumava ser a língua oficial do órgão que administra o remo, a Fédération Internationale des Sociétés d’Aviron (Fisa), mas hoje é usado com menos frequência, disse Jean Christophe Rolland, presidente da entidade. Até a Fisa teve de adotar outro nome resumido em inglês, World Rowing, que usa para "fins comerciais"", mas que está cada vez mais entrando no léxico da modalidade, disse ele.

Enquanto Rolland falava com nostalgia sobre o tempo em que as reuniões de remo eram realizadas em francês e os falantes de inglês tinham de ouvir a tradução em fones de ouvido, a canção dos Rolling Stones "(I Can’t Get No) Satisfaction" começou a tocar nos alto-falantes.

"É uma luta diária", disse ele. "Uma luta diária."