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Por que ser mãe é um drama para mulheres que pilotam avião nos EUA?

Em foto de 1983, a piloto Kathy Mccullough na cabine de um Boeing 727 - Kathrine Mccullough via The New York Times
Em foto de 1983, a piloto Kathy Mccullough na cabine de um Boeing 727 Imagem: Kathrine Mccullough via The New York Times

Annalyn Kurtz

18/08/2016 06h01

Embarcar em um voo pode dar a sensação de entrar em uma cápsula do tempo --geralmente são homens que pilotam o avião, enquanto a maioria das comissárias de bordo ainda são mulheres. Foi por isso que uma piloto da Delta Airlines fez recentemente uma coisa dramática em uma reunião do sindicato.

De pé diante de seus colegas homens, a capitã desabotoou seu uniforme, prendeu uma bomba de seio sobre a camiseta branca que usava e começou a demonstrar o aparelho. Enquanto a máquina fazia seu típico ruído de sugar, os participantes se remexiam em suas cadeiras, olhando para os pés ou arrumando papéis.

Foi o último episódio de um problema que se mostra difícil de resolver no local de trabalho: como acomodar as pilotos de linhas aéreas comerciais que tiveram filhos há pouco tempo.

É uma pergunta que alguns empregadores responderam criando políticas de licença ou salas de amamentação. Mas a cabine de um jumbo não é um local de trabalho típico. As pilotos nos EUA estão isentas de um dispositivo da Lei de Acesso à Saúde que exige que os empregadores atendam às necessidades das novas mães. A 30 mil pés de altitude, a questão afeta não apenas a privacidade da piloto, mas também a segurança da aeronave.

Na Delta Airlines, um grupo de pilotos mulheres se uniu em uma página do Facebook e abordou seu sindicato com propostas formais de licença-maternidade remunerada --algo inédito nas grandes companhias aéreas--, porque elas dizem que gostariam de ficar em casa para amamentar seus bebês. Na Frontier Airlines, quatro pilotos estão processando a empresa por discriminação, desejando ter a opção de realizar tarefas temporárias em solo enquanto estão grávidas ou amamentando.

Embora suas propostas sejam diferentes, todas dizem que visam uma coisa: evitar situações em que as pilotos têm de deixar a cabine de comando em pleno voo durante até 20 minutos, tempo necessário para extrair o leite com uma bomba.

"As companhias aéreas têm políticas de maternidade que são arcaicas", disse Kathy McCullough, 61, uma capitã aposentada da Northwest Airlines, que se fundiu com a Delta em 2008, que advoga em nome das pilotos da Delta. "Estou muito feliz que elas estejam dando um passo à frente e assumindo uma posição."

Um motivo da falta de regras é que as mulheres formam apenas 4% dos 159 mil pilotos certificados de companhias aéreas dos EUA --número que aumentou lentamente nos últimos dez anos.

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A piloto Brandy Beck caminha com seus filhos Dawson (no colo) e Sienna na entrada de sua casa, em Denver, EUA
Imagem: Theo Stroomer/The New York Times

Não havia mulheres pilotos nas maiores empresas até 1973, quando a American Airlines contratou a primeira, Bonnie Tiburzi Caputo. Em um lembrete de como os tempos mudaram, essa notícia foi relatada no jornal "The Los Angeles Times" sob o título "Piloto de companhia aérea voará de calcinha".

"Os empregos em companhias aéreas realmente eram reservados aos homens", disse Caputo, 67, que se tornou uma espécie de celebridade quando a American Airlines a contratou. Ela se aposentou da empresa há cerca de 18 anos. "Quando começamos, não havia licença-maternidade, porque não havia pilotos mulheres."

Mais de 40 anos depois, as grandes companhias ainda não resolveram essa questão. Elas definem suas políticas para pilotos com base nos acordos coletivos negociados pelos sindicatos. Mas as mulheres em idade de ter filhos representam uma fração dos afiliados aos sindicatos, por isso a licença-maternidade e as políticas de aleitamento não estiveram no topo de suas agendas.

Além disso, alguns membros são contra as propostas, citando os custos. Um líder sindical local disse a várias mulheres em um e-mail: "Ter um filho é uma opção pessoal, e pedir que nós todos financiemos sua opção será difícil de vender ao grupo de pilotos". O líder não quis ser entrevistado para esta reportagem. O sindicato disse que ele não é um porta-voz autorizado.

As pilotos da Delta ainda esperam conquistar a maioria de seus colegas. Elas afirmam que sem licença-maternidade elas têm de enfrentar a opção de ficar em casa para amamentar o bebê ou ganhar dinheiro para suas famílias.

As pilotos podem começar a perder salários meses antes do nascimento do bebê. A maioria dos contratos nas grandes companhias obriga as pilotos grávidas a parar de voar 8 a 14 semanas antes da data prevista para o parto.

Depois da pressão das pilotos da Delta neste verão, a companhia acaba de mudar sua política. Agora ela permite que elas voem, com a aprovação de seus médicos, até o final da gravidez, se assim quiserem.

Morgan Durrant, um porta-voz da Delta, indicou que quando elas param de voar podem usar licenças de saúde prolongadas ou se candidatar a benefícios de incapacidade para cobrir parcialmente seus salários perdidos. Fora isso, a licença não é remunerada.

Quando um bebê nasce, as grandes companhias aéreas geralmente não oferecem licença-maternidade paga ou serviços alternativos no solo para as mães que amamentam. Algumas empresas, incluindo a United Airlines e a Alaska Airlines, oferecem às pilotos até um ano de licença não remunerada. Até recentemente, a Delta não oferecia essa política, mas a companhia acrescentou um ano de licença não paga ao contrato das pilotos.

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Um modelo Beechcraft 1900, o primeiro avião pilotado por Brandy Beck, é exibido entre fotografias em sua casa
Imagem: Theo Stroomer/The New York Times

Tarefas temporárias em terra, que eram propostas pelas pilotos da Frontier, poderiam servir como alternativa para algumas que vivem perto da sede das empresas. Mas até um quinto das pilotos mora a pelo menos 1.200 km do trabalho.

Considere o que foi necessário para a primeira-oficial Brandy Beck, piloto de 41 anos da Frontier Airlines, para retirar leite. Quando o avião estava em altitude de cruzeiro e em modo de piloto automático, ela pedia a aprovação de seu capitão para fazer uma pausa. Segundo a política da Frontier, o outro piloto é obrigado a colocar uma máscara de oxigênio.

Depois, uma comissária de voo fazia uma barreira no corredor com um carrinho de bebidas, para evitar que algum passageiro se aproximasse do banheiro. Então a comissária ia à cabine com o piloto, respeitando as regras que exigem que haja pelo menos duas pessoas na cabine de comando do avião o tempo todo.

Só então Beck podia entrar no banheiro para uma sessão de 20 minutos de bombeamento.

"Realmente não é meu lugar preferido para fazer a próxima refeição do meu filho", disse Beck. "Mas é um sacrifício que eu sabia que teria de aceitar porque voltei ao trabalho."

Beck disse que depois de quase 20 anos no setor de aviação ela pensou que poderia manter o emprego e amamentar seu bebê. "Acho que nunca passou pela minha cabeça que eu não conseguiria fazer as duas coisas", disse.

A administração da Frontier afirmou que pausas prolongadas da cabine causam problemas de segurança. A companhia não ofereceu uma alternativa em voo para a extração do leite, porém, ou disponibilizou empregos temporários em terra.

"Embora existam muitos locais de trabalho que poderiam permitir que as mães retirassem o leite do seio durante uma pausa das atividades profissionais, os deveres de uma piloto de avião comercial apresentam circunstâncias únicas", disse em um comunicado um porta-voz da Frontier, Jim Faulkner.

A Administração Federal de Aviação não emitiu regras oficiais para mulheres pilotos que tiram leite durante voos. Mas Alison Duquette, uma porta-voz do órgão, disse que "deixar a cabine de comando durante 20 minutos não seria aceitável" na maioria das circunstâncias.

Uma mãe lactante muitas vezes precisa retirar o leite a cada três ou quatro horas. Se não puder fazê-lo, a pressão do leite pode se acumular em seu peito, acompanhada pelo risco de infecção.

"É incrivelmente doloroso e causa distração", disse Beck, "como quando você precisa ir ao banheiro e não pode."

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A piloto Brandy Beck brinca com seus filhos em sua casa
Imagem: Theo Stroomer/The New York Times

Em alguns casos na Delta, segundo várias pilotos da companhia, suas colegas tiveram de extrair o leite na cabine. As bombas são elétricas, e em alguns aviões mais antigos as únicas tomadas disponíveis ficam no painel de comando.

As pilotos da Delta estão buscando uma política de licença que permitiria que as mães ficassem em casa durante seis meses, com pagamento, para amamentar os bebês, e até dois anos de licença não remunerada.

As pilotos podem ganhar um salário básico de US$ 200 mil anuais e mais nos anos seguintes. Mas as jovens pilotos muitas vezes começam com salários menores como instrutoras de voo, em aviões de aspersão de pesticidas ou em voos fretados, e só chegam às grandes companhias depois dos 30 anos, quando podem estar planejando criar famílias. Em consequência, segundo uma piloto da Delta, não é raro que várias mulheres em uma classe de novas pilotos estejam grávidas depois de um período padrão de um ano de teste como pilotos.

Dez pilotos da Delta concordaram em falar a "The New York Times" sob a condição do anonimato, por temerem reações da companhia ou dos membros homens do sindicato, que elas esperam que assumam sua causa.

O sindicato, por meio de uma porta-voz, Kelly Regus, não quis comentar "a substância de discussões internas do sindicato". Durrant, o porta-voz da Delta, comentou que a companhia atualizou algumas de suas políticas, e disse que ela continuará examinando seus programas de licença-maternidade e paternidade.

"Equilibrar as demandas de uma companhia aérea e criar uma família apresenta desafios para todos os pais que trabalham, mas reconhecemos que há desafios únicos apresentados a nossas pilotos quando seus filhos nascem", disse Durrant em uma declaração por e-mail.