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Falta de ar condicionado vira disputa constitucional em cadeias "calorentas" nos EUA

Keith Cole, 62, que cumpre prisão perpétua por um assassinato, é querelante em ação judicial que sustenta que altas temperaturas nas celas são desumanas, em presídio próximo a Navasota, no Texas - Michael Stravato/The New York Times
Keith Cole, 62, que cumpre prisão perpétua por um assassinato, é querelante em ação judicial que sustenta que altas temperaturas nas celas são desumanas, em presídio próximo a Navasota, no Texas Imagem: Michael Stravato/The New York Times

Alan Blinder

Em Jennings, Louisiana (EUA)

22/08/2016 06h01

O ar dentro da cadeia da paróquia de Jefferson Davis era quente e mofado. Os presos, frequentemente despertados pelo calor da manhã, torcem por uma chuva refrescante após o anoitecer. E gelo, lembrou uma detenta, proporcionava um breve alívio na cela que chamava de "sauna".

Apesar das temperaturas de verão ultrapassarem rotineiramente os 37º C aqui, a cadeia, como várias cadeias e presídios por todo o país, não possui ar condicionado.

"É quente", disse Heidi Bourque, que foi presa neste mês por roubo, sobre a cadeia enquanto estava sentada em sua casa, onde os dígitos vermelhos do termostato da sala de estar mostravam a temperatura em frios 16º C. "É horrível."

Suas queixas dificilmente sensibilizarão os moradores locais, que aprovaram recursos para a construção de uma nova cadeia, depois que os líderes locais prometeram há dois anos que não mimariam os presos com ar condicionado. Mas elas tratam de um debate mais amplo sobre o limiar de quando temperaturas extremas se transformam em punição cruel e incomum.

Juízes do Arizona ao Mississippi e Wisconsin têm declarado ao longo dos anos que a Oitava Emenda à Constituição proíbe o encarceramento sob temperaturas muito quentes ou frias. Mesmo assim, ativistas da reforma carcerária encontram profunda resistência em sua luta para refrescar os blocos de celas do país.

"É quase impossível para os tribunais negar a violação constitucional, pois o calor extremo sem dúvida expõe os indivíduos a risco substancial à saúde", disse Mercedes Montagnes, uma advogada de três presos com problemas de saúde, que contestam as condições no corredor da morte da Louisiana. "O que estamos tratando agora é de uma solução."

As autoridades oferecem uma série de justificativas para a ausência de ar condicionado e pela opção por duchas frias, abundância de líquidos e ventiladores para ajudar os presos a lidarem com o calor. Alguns argumentam que sistemas de climatização são proibitivamente caros de instalar, especialmente em instalações mais antigas.

Em lugares como Louisiana e Texas, Estados quentes onde as autoridades eleitas prezam credenciais de serem duronas com a criminalidade, é um veneno político parecer ser indulgente com presos. E muitas autoridades simplesmente dizem que as temperaturas estão longe de ser tão terríveis quanto os presos e seus advogados alegam.

"Nos primeiros 20 anos da minha vida morei em uma casa sem ar condicionado", disse Jim Willett, diretor do Museu dos Presídios do Texas e um ex-diretor da instalação de pena de morte do Estado. "Eu tenho dificuldade em ser solidário com qualquer pessoa a respeito de ar condicionado."

O Departamento Correcional da Louisiana se recusou a comentar, citando o processo pelos clientes de Montagnes, que alegam às vezes optarem por dormir no "chão duro, apesar do risco de picadas de formigas, porque o chão é ligeiramente mais fresco do que as camas".

Um porta-voz do Departamento de Justiça Criminal do Texas, que enfrenta uma série de processos a respeito das temperaturas nas prisões, inclusive uma ação coletiva, disse em uma declaração que "o bem-estar dos funcionários e dos detentos é uma alta prioridade para a agência e permanecemos comprometidos em assegurar que os dois grupos permaneçam seguros durante o calor extremo".

Jason Clark, o porta-voz, disse que 30 das 109 instalações de sua agência contam com ar condicionado, mas afirmou que a adaptação completa de todas as outras prisões do departamento custaria centenas de milhões de dólares.

As disputas em torno do clima nos encarceramentos modernos remontam em parte a 1981, quando a Suprema Corte concluiu que a "Constituição não ordena prisões confortáveis". Cerca de 35 anos depois, Estados, condados e municípios estão interpretando as palavras da Suprema Corte ao seu próprio modo.

No Texas, as regulamentações estaduais exigem que as temperaturas nas prisões locais "sejam mantidas razoavelmente entre 18ºC e 30ºC em todas as áreas ocupadas". Mas esse padrão não se aplica às instalações estaduais.

12.ago.2016 - O tribunal de Jennings, Lousiana, que abriga uma cadeia sem ar condicionado no terceiro andar - Bryan Tarnowski/The New York Times - Bryan Tarnowski/The New York Times
O tribunal de Jennings, Louisiana, abriga uma cadeia sem ar condicionado no terceiro andar
Imagem: Bryan Tarnowski/The New York Times


Na Louisiana, a localização da divisa de uma cidade ou paróquia pode ditar o relativo conforto de uma noite em uma cela local. Os presos que aguardam julgamento aqui na paróquia de Jefferson Davis, uma área rural de cerca de 31 mil habitantes onde o calor em uma tarde recente chegou a 41º C, passam seus dias e noites em uma pequena cadeia no terceiro andar do tribunal. Há ventiladores, mas não ar condicionado.

"Não queremos tornar realmente confortável para eles, porque não queremos que queiram voltar", disse Christopher Ivey, o vice-xerife, em sua sala climatizada dois andares abaixo da cadeia. "Tentamos manter em um nível que seja confortável o suficiente para que possam sobreviver."

Ivey, que disse que nenhum detento da paróquia sofreu algum mal ligado ao calor desde que o xerife tomou posse em 2012, disse acreditar que a temperatura na cadeia nunca passa de 27º C. Mas um carcereiro que passou pela sala de Ivey sugeriu que as temperaturas chegam regularmente a mais de 30ºC.

"Você não sai de lá sem estar suado", reconheceu Ivey.

As autoridades da paróquia, que não enfrentam ações na Justiça a respeito das temperaturas na cadeia, não aceitaram os pedidos para visitas à instalação ou entrevistas com os atuais presos.

Após sua soltura, Bourque, 25 anos, descreveu um ambiente onde os presos têm pouco alívio.

"É quente como o inferno", ela disse. "A moça da igreja foi até lá e eu lhe disse isso. E ela disse, tipo, 'Não, acredito que o inferno seja mais quente'. E eu disse: 'É só uma expressão. É quente como o inferno'."

Presos, advogados e médicos descreveram condições semelhantes dentro de outras cadeias por todo o Sul, e alguns disseram que as temperaturas colocam em risco a vida de presos com problemas de saúde.

"Assim que esses prédios aquecem no verão, eles nunca realmente voltam a resfriar", disse Keith M. Cole, um querelante da ação coletiva no Texas, no presídio de Navasota, onde cumpre pena de prisão perpétua por homicídio e está sendo tratado por doença cardíaca, diabete e hipertensão. "Para mim, ar condicionado não seria um conforto. É uma necessidade, uma necessidade médica."

Cole, 62 anos, disse entender o ceticismo da população a respeito de ar condicionado para os presos e que ele próprio seria dessa opinião antes de ser condenado em 1995. Mas na entrevista, ele disse, "isto não se trata de conforto. Trata-se de vida ou morte".

Trajando um uniforme branco de detento do Texas, ele falou por quase uma hora na sala de visitas com ar condicionado da prisão. "Isto é lindo", ele disse. "Isto aqui é o paraíso. Não dá para pedir por algo melhor do que isto."

O Estado disse que a instalação de um sistema de ar condicionado no presídio de Cole teria um custo inicial de mais de US$ 22 milhões, com cerca de US$ 487 mil em custos operacionais anuais.

Muitos dos casos pendentes podem levar anos até serem resolvidos. Um juiz federal em Baton Rouge, Louisiana, decidiu a favor de Montagnes em 2013, mas os advogados do Estado e os presos ainda estão negociando soluções temporárias após uma decisão do tribunal de apelações. Uma solução proposta, apresentada à Justiça neste mês, é o que as autoridades descreveram como "refrigerador cajun", que ambos os lados disseram que "consiste basicamente de uma combinação de uma caixa de gelo, um ventilador e um duto que emite ar frio".

Enquanto prossegue a batalha na Justiça, ambos os lados questionam por que a questão se tornou uma batalha tão cara e prolongada.

"No Sul, quase todo mundo tem ar condicionado", disse Jeffrey S. Edwards, o advogado de Cole. "Não é mais um luxo. Quase todo mundo tem, exceto esses presos."

Na paróquia de Jefferson Davis e em outros lugares, muitas pessoas se perguntam por que a questão da climatização está sendo levada aos tribunais. Presos estão cumprindo penas e não merecem, como a população daqui coloca repetidamente, "uma cela de clube de campo". (Preocupações como essa são comuns: o Departamento Correcional da Flórida se sentiu compelido a listar "presídios têm ar condicionado" no início de uma lista de "percepções equivocadas".)

Mas desde a votação de maio de 2014 realizada aqui, os líderes cívicos e agentes da lei da paróquia de Jefferson Davis receberam o que consideram notícias desanimadoras: alguns dispositivos eletrônicos da nova cadeia precisarão ser mantidos refrigerados para continuarem funcionando.

Assim, no final os presos conseguirão o ar condicionado.