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Shopping funciona no WTC deixando de lado a memória do atentado de 11/9

Richard Perry/The New York Times
Imagem: Richard Perry/The New York Times

David W. Dunlap

Em Nova York (EUA)

07/09/2016 06h00

"O conselho que eu daria às pessoas hoje, quando voltarem do trabalho para casa, é que vivam um dia normal", disse o prefeito Rudolph Giuliani em 12 de setembro de 2001. "Aproveitem o dia como uma oportunidade para ir às compras, ou ficar com seus filhos. Façam coisas. Saiam. Não se sintam... trancados."

Vão às compras.

O conselho de senso comum de Giuliani um dia depois do ataque terrorista que matou 2.753 pessoas em Manhattan foi rapidamente tirado de contexto e transformado em caricatura --o comércio como ópio. Quando as coisas ficam duras, os duros vão às compras.

Não acho que ele quisesse dizer que as compras resolveriam os problemas de uma cidade que lutava para despertar de um pesadelo sem precedentes. Mas foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça.

O papel do comércio no Marco Zero veio à minha cabeça novamente na semana passada, em minha primeira visita ao shopping center Westfield World Trade Center, que foi inaugurado em agosto. A experiência foi ao mesmo tempo animadora e decepcionante.

Animadora porque o enorme Oculus de Santiago Calatrava hoje fervilha de gente. Os "trampolins" em balanço sobre o grande saguão imediatamente se tornaram uma versão dos balcões lotados do Grand Central Terminal, o ponto ideal para ver o panorama arquitetônico perfeitamente simétrico. (Com um selfie de lambuja.) As coisas só ficarão mais animadas quando as estações de metrô forem inauguradas nas extremidades do saguão e o Oculus crescer em seu papel de corredor de trânsito.

Decepcionante porque quase nada sugere que o Westfield World Trade Center ocupa um terreno consagrado. Fora a ousadia do projeto de Calatrava, e os pisos de mármore branco como neve, este shopping poderia estar em qualquer lugar. E ao contrário do shopping ao nível do saguão no centro comercial original, parece ainda não haver lugar para se engraxar os sapatos ou fazer uma chave.

Também foi decepcionante porque eu deveria ter previsto anos atrás que isso aconteceria. Como repórter, deixei de prestar atenção suficiente no papel da Westfield America na reurbanização. Isso me deixou suscetível à linha oficial de que o Oculus era um centro de transporte com lojas adicionais. Agora está claro que o Oculus é --e sempre pretendeu ser-- um shopping center com um objetivo adicional de transporte.

O novo livro de Lynn B. Sagalyn, "Power at Ground Zero: Politics, Money and the Remaking of Lower Manhattan" (Poder no Marco Zero: Política,  Dinheiro e a Reforma da Baixa Manhattan), mostra algumas pistas que eu não notei. A Westfield tinha grandes ideias para um shopping no World Trade Center anos antes do atentado. A empresa é uma operadora de shopping centers fundada por Frank P. Lowy e sediada na Austrália. Sua filial nos EUA era sócia da Silverstein Properties, que assinou um contrato com a Autoridade Portuária de Nova York e Nova Jersey em abril de 2001 para assumir o World Trade Center.

A Westfield viu a extensa praça do centro comercial e o shopping já rentável no subsolo e teve sonhos maiores, escreveu Segalyn: "Catorze mil metros quadrados de espaço comercial adicional criados ao se levantar a praça um nível, abrindo o saguão térreo com uma grande entrada para iluminar as áreas do subsolo e fazendo melhores conexões com rampas e escadas para dar acesso ao novo nível".

As empresas Silverstein e Westfield continuaram sendo detentoras do leasing depois que o centro comercial foi destruído. Apesar de os urbanistas terem tentado recriar a malha viária que havia sido eliminada pelo World Trade Center original, a Westfield foi absolutamente contrária.

"Frank Lowy havia construído esse império de shopping centers sobre o modelo de grande êxito do centro suburbano; o desenho desse protótipo --grandes espaços para pedestres sem divisões e sem passagem para carros e caminhões-- foi totalmente orientado para tornar o mais fácil possível para os consumidores gastarem dinheiro", escreveu Sagalyn.

A Westfield saiu do projeto em setembro de 2003, mas pagou US$ 1 milhão por uma opção de retorno. "Nada tinha mudado na ambição da companhia de controlar a oportunidade de comércio em um dos locais mais valiosos do mundo", escreveu Sagalyn.

Quatro meses depois, foi revelado o projeto de Calatrava para o Polo de Transporte do World Trade Center. O nível do mezanino era o coração funcional do terminal ferroviário PATH. Mas a concha de aço e vidro em forma de pássaro entre as ruas Church e Greenwich --hoje chamada de Oculus-- foi o que capturou a imaginação da cidade. E é lá que a Autoridade Portuária pretendia acomodar muitas das lojas do Trade Center.

Shopping no World Trade Center - Richard Perry/The New York Times - Richard Perry/The New York Times
Imagem: Richard Perry/The New York Times
"O polo de transporte oferecia um espaço comercial excepcional, com forte potencial de lucro em longo prazo", comentou Sagalyn.

A Westfield voltou e acabou aplicando US$ 2 bilhões no projeto, disse Sagalyn. A estrutura do Oculus, construída pela Autoridade Portuária, custou US$ 483 milhões, do orçamento total do polo de US$ 4 bilhões.

No domingo, o 15º aniversário do ataque será marcado por uma cerimônia solene no centro comercial. É a primeira chance de a Westfield se mostrar como um cidadão corporativo.

"Devido à natureza delicada da data", disse a Westfield a seus inquilinos em uma carta recente, "recomendamos que nossos varejistas --em parte com base na orientação de nossos parceiros comunitários-- não abram as lojas até a conclusão da cerimônia, aproximadamente às 12h30. São 90 minutos além de nosso horário habitual de abertura aos domingos."

Infográfico mostra o maior atentado da história

TV Folha

Na semana passada, investiguei 50 dos atuais 60 inquilinos do centro comercial. Dos 21 que responderam às perguntas por e-mail, 19 --como Apple, Breitling, Charles Tyrwhitt, Fossil, John Varvatos, Kate Spade, Kiehl’s, Kit and Ace, L.K. Bennett, Moleskine, Sephora, Sugarfina e Thomas Sabo-- disseram que vão atender ao pedido para retardar a abertura. Duas outras lojas, COS e House of Samsonite, disseram que só abrirão às 13h.

 

A loja John Varvatos disse que doará 20% das vendas do dia para o centro de tributo 11/9.

A Westfield também pretende dedicar os enormes cartazes de publicidade em LED nos calçadões à programação em vídeo do Museu e Memorial Nacional do 11 de Setembro.

A restrição é elogiável. Não tenho certeza se é suficiente para a magnitude do momento.

Mas certamente atende à sugestão de Giuliani, feita há tanto tempo.