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Bombas não-detonadas foram achadas 6h depois do ataque em San Bernardino, diz relatório

Tashfeen Malik e Syed Rizwan Farook, terroristas de San Bernardino - U.S. Customs and Border Protection via The New York Times
Tashfeen Malik e Syed Rizwan Farook, terroristas de San Bernardino Imagem: U.S. Customs and Border Protection via The New York Times

Richard Pérez Peña e Adam Goldman

11/09/2016 06h00

Quando um homem mascarado irrompeu pela porta, varrendo a sala com disparos de um fuzil semiautomático, três homens tentaram impedir o massacre investindo contra o agressor. Ele atirou nos três.

Sem dizer uma palavra, o atirador e sua cúmplice então caminharam em meio à carnificina, à procura de sinais de vida e atirando nos feridos. Eles fizeram 85 disparos e então fugiram dois ou três minutos após invadirem o local.

Um relatório antes não revelado narra em detalhes vívidos, grande parte deles nunca antes divulgados, o ataque terrorista de 2 de dezembro em San Bernardino, Califórnia, que matou 14 pessoas e deixou outras 24 feridas. Um casal que jurou fidelidade ao Estado Islâmico cometeu a carnificina e morreu horas depois em um tiroteio com a polícia. O marido, Sayed Rizwan Farook, levou 42 tiros, e sua mulher, Tashfeen Malik, levou cinco disparos.

O relatório contém o primeiro relato oficial de como os investigadores identificaram e rastrearam os assassinos. Também revela novos detalhes específicos sobre a troca de tiros que terminou com a morte dos agressores, as ações da polícia e o massacre em si, descrevendo a brutalidade dos agressores para com suas vítimas.

"Se alguém se movesse ou fizesse um som, os atiradores disparavam uma ou múltiplas vezes contra seu corpo."

A cena que os policiais encontraram minutos depois sobrecarregava os sentidos: dezenas de corpos mortos ou mutilados, sangue espalhado ou fazendo poça, fumaça e cheiro de pólvora, um cano partido pingando água do teto, o som de um alarme. Os feridos imploravam por ajuda, agarrando os policiais cuja prioridade era encontrar os atiradores.

"Foi a pior coisa imaginável, algumas pessoas estavam quietas, escondidas, outras gritavam ou estavam morrendo, agarrando nossas pernas porque queriam que as tirássemos dali, mas nosso trabalho no momento era seguir em frente", disse o policial. "Essa foi a parte mais difícil, caminhar por cima delas."

Tomando decisões na hora

Armas usadas no ataque de San Bernardino foram confiscadas pela polícia - San Bernardino County Sheriffs Department/Reuters - San Bernardino County Sheriffs Department/Reuters
Armas usadas no ataque de San Bernardino foram confiscadas pela polícia
Imagem: San Bernardino County Sheriffs Department/Reuters

O relatório confidencial de 159 páginas, cuja cópia foi obtida pelo "The New York Times", foi produzido pela Fundação da Polícia, um grupo de estudo de políticas em Washington, com a ajuda do Departamento de Justiça e das agências locais de manutenção da lei. Os autores entrevistaram mais de 200 pessoas, de chefes de polícia a sobreviventes.

O relatório mostra como os agentes de múltiplas agências lidaram com uma crise que estava se desenrolando rapidamente, tomando decisões na hora, com frequência com pouca coordenação ou direção. Os resultados foram rápidos, às vezes respostas heroicas que podem ter salvado vidas, mas que também criaram confusão e erros, apesar de nenhum ter sido fatal.

"Era um caos completo e total quando cheguei ali", lembrou o chefe. "Já estavam presentes vários veículos de emergência. Inicialmente, você apenas tenta ter uma ideia do que está acontecendo, porque o rádio (da polícia) está sobrecarregado."

Talvez mais perturbador, mais de seis horas se passaram até os policiais revistarem uma bolsa que os atiradores deixaram no local do massacre. Dentro havia três bombas tubo improvisadas.

"Os investigadores acreditam que os dispositivos secundários seriam detonados quando os primeiros socorristas estivessem no interior do salão de conferência, prestando socorro aos feridos."

Alguns detalhes perversos apresentados no relatório envolviam a cena em si, um salão de conferências no Inland Regional Center, onde cerca de 70 funcionários do Departamento de Saúde Pública do Condado de San Bernardino participavam de um encontro.

Muitas daquelas pessoas tinham frequentado um treinamento contra atiradores naquele mesmo salão um ano antes. Mais recentemente, alguns tinham participado de um chá de bebê naquele mesmo salão, para um colega de trabalho e sua mulher, as duas pessoas que viriam a atirar nelas.

Farook, 28, nasceu nos Estados Unidos de pais paquistaneses. Malik, 29, nasceu no Paquistão, mas viveu grande parte de sua vida na Arábia Saudita. Após se conhecerem e se casarem em 2014 na Arábia Saudita, ela se mudou para os Estados Unidos, obteve visto de residência e deu à luz uma menina.

Uma agente da vigilância sanitária cujos colegas nunca suspeitaram de radicalismo, Farook colocou a bolsa com as bombas no salão e partiu. Ele e sua mulher voltaram cerca de meia hora depois, pouco antes das 11h da manhã, mascarados e vestidos de preto, armados com fuzis AR-15, uma variação civil do fuzil M-16 militar, e pistolas semiautomáticas. O fuzil de Farook foi modificado em uma tentativa fracassada de torná-lo plenamente automático.

As primeiras pessoas mortas foram dois homens sentados do lado de fora, na passagem para o salão de conferência. Um foi baleado enquanto comia a uma mesa de piquenique; o outro foi encontrado ainda segurando seu celular.

O casal então entrou no salão de conferência e abriu fogo, calmamente esvaziando e recarregando seus fuzis.

"'Eu fiquei pensando que era o treinamento mais realista que já vi', disse um funcionário público. (...) 'Era tão surreal. Provavelmente no segundo ou terceiro pente é que finalmente percebi que não se tratava de um exercício.'"

A polícia correu ao local

Cerca de seis minutos após o primeiro chamado ao serviço de emergência 911, os policiais de San Bernardino chegaram ao centro, não uma equipe, apenas alguns poucos que responderam mais rápido. Um estava em uma viatura dirigida por um trainee; quando recebeu a chamada, ele assumiu o volante, acelerou até a cena, pegou sua espingarda e capacete, e instruiu o trainee a se esconder.

Pensando que os atiradores ainda estavam presentes, os primeiros quatro policiais entraram pelo lado sul do salão de conferência.

Eles seguiram seu treinamento contra atiradores, se posicionando como pontas de um diamante. Eles seguiram à risca a instrução "localizar, isolar, evacuar", o que significa encontrar e neutralizar a ameaça antes de ajudar as vítimas.

Os policiais do departamento de condicional do condado chegaram rapidamente e montaram uma área de triagem para os feridos. "O terror nos olhos deles era inacreditável; era mais assustador que os ferimentos", disse um sargento da condicional.

"'Ela tinha um buraco na sua perna do tamanho de uma tigela de cereal, e um ferimento menor no braço', disse o sargento. 'Ela começa a falar comigo, ela está catatônica, mas sem emoção, e diz: "Eu vou morrer, por favor, não me deixe morrer".'"

Uma equipe da SWAT de Sen Bernardino revistou o local 11 minutos após o primeiro chamado. Uma segunda equipe da SWAT, composta de membros dos departamentos de polícia das cidades vizinhas, chegou logo em seguida.


As equipes da SWAT foram de sala em sala pelos vários prédios do Inland Regional Center, que abriga as agências de serviços sociais, mas não tinham um protocolo para marcação das salas que já tinham sido revistadas.

"Quando as equipes chegaram às duas últimas salas no prédio, elas esperavam encontrar os atiradores em seu interior. 'Foi quando, não quero dizer que estava em paz com a ideia, mas estava pronto para entrar', disse um policial da SWAT de Inland Valley. 'Entramos em uma sala, e estava vazia. Respiramos fundo e fomos para a última sala. Nunca fiquei tão empolgado por não ver ninguém.'"

Policiais se posicionaram com suas armas de prontidão no segundo e terceiro andar de um prédio, suspeitando incorretamente que os atiradores estavam escondidos ali. Tantos veículos de emergência estavam estacionados em ângulos aleatórios que as ambulâncias não conseguiam se aproximar do complexo e os policiais tiveram que carregar os feridos.

Apesar da confusão, os socorristas conseguiram levar todos os feridos aos hospitais no intervalo de 57 minutos após a primeira chamada ao 911, dentro da "hora dourada", que os especialistas dizem ser a marca de tempo crítica. Todos eles sobreviveram.

Investigadores passaram quase três horas inspecionando um pacote no segundo andar que provou ser inofensivo, mas os policiais não notaram a bolsa contendo as bombas tubo até as 17h08.

Após o tiroteio com os terroristas, alguns policiais disseram que enquanto ainda tentavam registrar a cena do crime, agentes federais já estavam removendo evidências como armas e um celular.

 

Uma pista e identificação

Um policial novato conseguiu uma informação crítica enquanto entrevistava as testemunhas e a repassou ao seu pai, um sargento da polícia. Um funcionário de saúde do condado notou que Farook saiu mais cedo e disse ao policial que "havia algo a respeito do atirador, do tipo físico à linguagem corporal, que parecia familiar".

Uma pesquisa apontou várias pessoas na região chamadas Syed Farook e os policiais foram enviados a todos os endereços.

Algumas testemunhas viram um utilitário esportivo preto deixando o centro, mas não sabiam dizer qual era sua placa. Uma analista do Departamento de Polícia fez outra checagem quando imaginou que o utilitário esportivo podia ter sido alugado. Ela ligou para as locadoras de carros e soube que um Sayed Farook tinha alugado um veículo desses.

A informação se espalhou pelo rádio de que ele morava a poucos minutos de distância, na cidade de Redlands.

Entre os que responderam estava uma equipe de narcóticos da polícia de San Bernardino, mas outros policiais não sabiam disso. Os policiais de narcóticos estavam disfarçados, dirigindo carros comuns e não falavam pelos seus rádios, caso os criminosos estivessem ouvindo.

Ao se aproximarem do endereço em Redlands, os policiais de narcóticos viram o utilitário esportivo e o seguiram. Um policial acenou para um sargento da polícia de Redlands e lhe disse o que estava acontecendo; o sargento repassou a informação pelo rádio da polícia. O sargento e um delegado do xerife se juntaram aos policiais disfarçados que seguiam o casal.

Uma troca de tiros na rua

Depois que o casal dirigiu de volta para San Bernardino, o sargento tentou fazer com que encostassem, os alertando de que estavam sendo seguidos.

"Ele pôde ver que pareciam estar usando algum tipo de colete e repassou a informação pelo rádio."

Malik começou a atirar contra os policiais pelo vidro traseiro do utilitário esportivo. Farook então parou o veículo e desceu, disparando seu fuzil enquanto sua mulher continuava disparando do banco traseiro. Juntos, eles fizeram 80 disparos e contavam com quase mais 2.400 balas, mas à medida que mais policiais chegavam, eles foram sobrepujados em poder de fogo.

Notavelmente, apenas dois policiais foram feridos, cada um com um ferimento na coxa. Um não percebeu que tinha sido atingido até 13 horas depois, quando foi tomar banho.