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Em Karachi, no Paquistão, prefeito eleito está atrás das grades

Akhtar Soomro/Reuters
Imagem: Akhtar Soomro/Reuters

Zia Ur Rehman e Salman Masood

Em Karachi (Paquistão)

11/09/2016 06h00

O presídio de muros amarelos da era colonial em Karachi abriga alguns dos piores criminosos da cidade, mas um de seus presos, Waseem Akhtar, ainda mantém um emprego regular: ele é o prefeito da maior e mais tumultuosa cidade do Paquistão.

Akhtar venceu a eleição aqui em 24 de agosto, uma vitória que foi em grande parte simbólica.

Ele pertence ao Movimento Muttahida Qaumi (MMQ), um grupo político que governa esta cidade caótica e violenta há décadas por meio de uma combinação de astúcia política, violência e intimidação. Agora, o partido está enfrentando dificuldades diante da repressão pelos militares, que colocaram a vitória eleitoral de Akhtar em sua mira. O prefeito continua atrás das grades e ainda não se sabe se poderá cumprir seus deveres oficiais.

Akhtar tomou posse em um parque em 30 de agosto, transportado de sua cela no presídio para lá para a ocasião.

"Há muitos problemas na cidade, mas com determinação e motivação, conseguiremos resolver todos eles", ele disse em sua posse. "Eu buscarei minha soltura na Justiça. Fora isso, administrarei a cidade montando um gabinete na minha cela."

Após a cerimônia, ele foi levado de volta à prisão.

Akhtar, que foi preso em julho, enfrenta pelo menos 22 acusações, incluindo ter ordenado os distúrbios por toda a cidade em maio de 2007, quando era ministro do Interior da província de Sindh, e de ter providenciado atendimento médico a terroristas procurados.

O Judiciário observou que uma autoridade encarcerada não pode cumprir suas funções oficiais. Além disso, os militares não querem Akhtar no comando de Karachi, um centro econômico do Paquistão.

Anos atrás, Akhtar desenvolveu uma reputação de líder agressivo e foi escolhido para defender o partido e seu líder exilado, Altaf Hussain, nos canais de notícias, e depois para supervisionar as eleições municipais em dois distritos da cidade, onde um grupo dissidente desafiava o partido. Quando o partido obteve uma maioria esmagadora em dezembro de 2015 nas eleições municipais, Hussain escolheu Akhtar para ser seu candidato a prefeito.

Waseem Akhtar - Akhtar Soomro/Reuters - Akhtar Soomro/Reuters
Imagem: Akhtar Soomro/Reuters


Karachi estava sem prefeito desde 2010. As eleições não foram realizadas até o final do ano passado devido às disputas políticas em torno da divisão de poder.

Os moradores da vasta cidade portuária, que conta com 22 milhões de habitantes segundo uma estimativa não oficial, precisam urgentemente de um prefeito para tratar de seus problemas.

A água é escassa; ela é entregue principalmente por caminhões-pipa, entrega assegurada apenas por meio de propina. Pilhas gigantes de lixo são uma visão comum. As ruas e estradas estão em péssimas condições. Vastas áreas da cidade parecem favelas, intercaladas por edifícios e condomínios fechados ricos. A vegetação é invisível; concreto está por toda parte. O pior de tudo, a falta de lei, a criminalidade desenfreada nas ruas e um ciclo vicioso de violência política minam a cidade há décadas.

Menina tenta pegar água limpa no Paquistão - Fareed Khan/AP - Fareed Khan/AP
Menina tenta pegar água limpa em Karachi, no Paquistão
Imagem: Fareed Khan/AP


Akhtar, 60, um homem alto com cabelo e bigode salpicados de fios grisalhos, prometeu resolver os enormes problemas da metrópole. Mas por ora, ele é tema de piadas. Uma que circulou amplamente: "Waseem Akhtar disse que levaria todos juntos. E então foi para a prisão".

Desde 2013, uma repressão pelos Rangers de Sindh, uma força paramilitar que responde às Forças Armadas, tem visado o MMQ, retratando o partido como principal obstáculo para a paz.

Hussain, o líder do partido, vive em um exílio autoimposto em Londres, de onde ele diz controlar Karachi por meio de telefonemas, com a ajuda de gangues armadas leais em solo. Mas ultimamente ele foi enfraquecido. Além dos problemas com as Forças Armadas, Hussain é alvo de investigações de corrupção e homicídio pela Scotland Yard (a polícia metropolitana de Londres).

O prédio-sede do MMQ em Karachi, amplamente conhecido aqui como Nove Zero, sofreu duas batidas pelos Rangers em 2015. Vários dos líderes locais do movimento estão atrás das grades e alguns passaram ao partido Pak Sarzameen, um novo grupo político liderado por Mustafa Kamal, que foi prefeito até 2010.

Kamal rompeu com Hussain em março, uma decisão amplamente vista como apoiada pelos Rangers.

A diminuição do controle da cidade por Hussain o frustra. Em 22 de agosto, ele fez um discurso incendiário, pedindo aos seguidores que atacassem as emissoras de televisão que não lhe dão cobertura. Em questão de minutos, manifestantes enfurecidos pilharam a redação de uma das emissoras. A violência que se seguiu deixou uma pessoa morta e várias feridas. O discurso, no qual Hussain também criticou o Paquistão, o rotulando como um centro do terrorismo, lhe rendeu críticas públicas e condenação por parte de todo o espectro político. Depois disso, a liderança do MMQ buscou cortar os laços entre o movimento e seu líder exilado.

Farooq Sattar, um membro do MMQ no Parlamento, anunciou que o partido operaria de forma independente dentro do país e não mais receberia ordens de Hussain em Londres, apesar de muitos paquistaneses considerarem essa declaração de independência como apenas tática, já que declarações semelhantes já foram feitas antes.

Os Rangers continuaram aumentando a pressão. Desde 22 de agosto, agentes da lei demoliram pelo menos 68 diretórios do MMQ e lacraram outros 180, citando alegações de que foram construídos ilegalmente.

Sattar condenou a ação e acusou as autoridades de vingança política. Ele disse em uma entrevista em sua cela que as repressões, ocorrendo após o partido ter rompido com a liderança baseada em Londres, "nos leva a presumir que a agenda das autoridades vai além de Hussain e seus discursos anti-Paquistão". Sua residência tem sido usada como sede temporária do partido.

Analistas disseram que a campanha dos militares minou seriamente o MMQ.

"O MMQ está morto há algum tempo. Ele mantém seus votos, mas o partido perdeu sua aura", disse Laurent Gayer, um acadêmico francês e autor do livro "Karachi: Ordered Disorder and the Struggle for the City" (Karachi: desordem ordenada e a luta pela cidade, em tradução livre, não lançado no Brasil), em uma entrevista.

Por ora, o novo prefeito se encontra em um limbo legal, passando seu tempo assim como os demais presos.

Akhtar não está autorizado a se encontrar com o público ou com a mídia, apesar de seus familiares e alguns líderes do partido estarem autorizados a vê-lo.

Como preso político, ele tem acesso a alguns poucos confortos: um refrigerador, um televisor e um fogão, segundo reportagens na mídia local. Ele pode usá-los até as 18h30, quando deve se recolher à sua cela.

Muitos moradores e comentaristas dizem que o MMQ deveria ter escolhido um candidato diferente após o poderoso establishment militar ter demonstrado resistência à indicação de Akhtar.

"Estamos pessimistas de que o novo prefeito resolverá os problemas da cidade", disse Zahid Farooq, um membro do Centro de Recursos Urbanos, uma organização sem fins lucrativos da cidade. "Isso apenas tornará as coisas ainda piores."

"Obviamente, o prefeito deve estar presente para realizar seu trabalho", disse Farooq. "Como um prefeito encarcerado administrará a cidade?"