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Ausência imprevista de Hillary em campanha vem em momento inoportuno

 A candidata democrata à Presidência dos EUA, Hillary Clinton, deixa a cerimônia em homenagem ao 11 de Setembro, em Nova York, após sentir-se mal - Justin Sullivan/Getty Images/AFP
A candidata democrata à Presidência dos EUA, Hillary Clinton, deixa a cerimônia em homenagem ao 11 de Setembro, em Nova York, após sentir-se mal Imagem: Justin Sullivan/Getty Images/AFP

Matt Flegenheimer

14/09/2016 06h02

Durante a maior parte do verão, Hillary Clinton deliberadamente manteve um perfil discreto em público, levantando fundos no plano particular e seguindo uma estratégia de campanha de não intervenção: se Donald Trump queria ocupar o centro do palco escolhendo brigas impopulares --com o pai de um militar morto na guerra, um juiz federal, os líderes de seu próprio partido--, que ficasse à vontade.

Agora, posta de lado pela pneumonia justamente quando esperava se reapresentar com uma série de discursos políticos mais pessoais, Hillary ficou totalmente vulnerável a uma ausência não planejada.

Sua fraca posição em público sobre questões de franqueza, combinada com décadas de teorias de conspiração sobre sua saúde, já produziram um desafio incomum para assessores e seguidores que buscam silenciar as especulações sobre seu estado físico.

De maneira mais substancial, entre os democratas preocupados porque Hillary deixou de defender uma tese mais forte a favor de sua candidatura desde a convenção do partido, a doença reforçou o perigo de uma estratégia centrada em Trump --deixando o lado de Hillary sem uma mensagem afirmativa memorável para transmitir, principalmente quando sua principal mensageira está de cama.

O enfoque em Trump pouco fez para remediar o deficit de confiança de Hillary entre os eleitores. E, apesar do grande número de propostas políticas, até os apoiadores de Hillary muitas vezes têm dificuldade para identificar em sua campanha temas coesos, independentes de Trump.

Assessores disseram na semana passada que ela pretendia fazer vários discursos destinados a conectar seus motivos pessoais com sua agenda política. O segundo da série, marcado para a última terça-feira (13), foi adiado depois que ela adoeceu.

"Eles claramente enquadraram a disputa como um referendo sobre Donald Trump", disse Steve McMahon, um antigo estrategista democrata. "Isso cria um vácuo e um maior nível de interesse por coisas como estas que, francamente, provavelmente não têm importância especial."

Nos últimos dias, com a eleição se aproximando da reta final, Hillary havia dado sinais de maior abertura depois de meses de incentivos de seus assessores para que desse mais entrevistas coletivas, aceitasse mais entrevistas e usasse o charme seco que eles veem em particular.

Vídeo mostra momento em que Hillary passa mal

AFP

Na semana passada, ela estreou um novo avião de campanha com espaço para repórteres e ouviu um extenso interrogatório de seu corpo de imprensa, pela primeira vez em vários meses, sem um incidente maior.

A campanha também lançou um novo anúncio, um comercial muito positivo que enfoca a história de Hillary trabalhando com os republicanos. Ela está sentada, falando diretamente à câmera, e lembra um vídeo biográfico da Convenção Nacional Democrata em julho que salientou suas realizações profissionais e sua compaixão.

"Eles vão voltar àquela parte da convenção que se perdeu no mês de agosto", disse Bob Shrum, um veterano assessor e estrategista democrata.

Brian Fallon, um porta-voz da campanha, disse que Hillary retomará seus discursos quando recuperar plenamente a saúde, com mensagens concentradas em "uma economia inclusiva", "um apelo ao serviço nacional" e "uma visão de como devemos priorizar a situação das crianças e das famílias".

"Vamos retomar exatamente onde paramos em termos de provocar uma conversa sobre sua visão inspiradora para o país", disse Fallon em uma entrevista. "Acho que isso será muito mais duradouro no curso desta campanha do que o enfoque passageiro para esse caso de pneumonia."

Mas o diagnóstico se revelou em um momento especialmente ruim, sobretudo por causa das recentes insinuações de republicanos, inclusive Trump, de que a saúde de Hillary estava frágil.

No passado, ela tentou evitar perguntas com humor, abrindo um vidro de picles para mostrar sua vitalidade no programa "Jimmy Kimmel Live" no mês passado e pedindo que o anfitrião sentisse seu pulso. Desta vez, não houve essa tentativa de aliviar.

A condução do episódio por sua campanha também exacerbou uma impressão de que ela está protegida demais, característica que os aliados de Hillary há muito atribuem a um interminável ciclo de feedback: ela recua ao sigilo porque desconfia da mídia, dizem eles, criando uma sensação de que há algo a esconder, o que deixa os repórteres mais atentos.

"As impressões passadas de Hillary Clinton ajudam a alimentar as perguntas sobre ser transparente a respeito de sua saúde", disse Joe Trippi, um agente democrata que ajudou a conduzir campanhas para Howard Dean e Dick Gephardt, entre outros. "Ninguém as teria feito sobre Dick Gephardt."

Mas nesse caso em particular a equipe de Hillary admitiu um certo arrependimento. Depois que ela deixou abruptamente uma cerimônia pelo 15º aniversário dos atentados de 11 de Setembro, sua campanha não revelou onde ela se encontrava durante mais de uma hora.

Várias horas depois, assessores anunciaram que ela havia sido diagnosticada com pneumonia --dois dias antes.

Na segunda-feira (12), membros da equipe estavam decididos a levar a culpa pelo sigilo e a proteger Hillary das críticas.

"Poderíamos ter feito melhor", escreveu no Twitter Jennifer Palmieri, diretora de comunicações da candidata.

"É culpa da equipe", disse Fallon à MSNBC.

"É nossa culpa", disse mais tarde à rede seu gerente de campanha, Robby Mook.

Mook se referia à lacuna entre a saída de Hillary do memorial e o anúncio pela campanha do que havia acontecido.

Depois de um verão duro para Trump, durante o qual ele pareceu provocar polêmicas quase todos os dias, ultimamente ele demonstrou algo que se aproxima da autodisciplina. Por várias vezes se concentrou no comentário de Hillary em uma cerimônia para levantar fundos na semana passada de que a metade de seus seguidores caberia em "um cesto de deploráveis".

Os eventos durante o fim de semana só aumentaram a ansiedade dos democratas sobre uma corrida que alguns pensaram que estaria definitivamente encerrada agora, diante dos resultados desfavoráveis de Trump nas pesquisas e das vantagens dos democratas no mapa eleitoral.

Dan Pfeiffer, um ex-assessor graduado do presidente Barack Obama, aconselhou calma. Ele disse que enquanto "os últimos dias poderiam ter sido melhores", o principal custo para a campanha de Hillary havia sido "jogar na defesa em vez de no ataque", enquanto se discutiam questões sobre a saúde dela.

"Isso não é tanto um problema porque ela está ganhando", disse Pfeiffer, citando a constante vantagem de Hillary nas pesquisas, embora algumas tenham mostrado que a corrida endurece. "Todo dia em que a corrida não avança é uma vitória para ela. Trump não pode trocar de cesto nesta altura."

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AFP