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Como raça e gênero podem esquentar o debate entre Hillary e Trump

Organização faz os últimos preparativos para o debate entre os candidatos Hillary Clinton e Donald Trump, em Nova York - Julio Cortez/ AP
Organização faz os últimos preparativos para o debate entre os candidatos Hillary Clinton e Donald Trump, em Nova York Imagem: Julio Cortez/ AP

Patrick Healy e Alexander Burns

26/09/2016 13h57

Hillary Clinton e Donald Trump estão se preparando para um choque extraordinário sobre raça e gênero que poderá surgir já no debate desta segunda-feira (26). Os dois candidatos presidenciais apostam cada vez mais seu destino nas questões culturais que convulsionam o país.

Hillary ajudou a pressionar a polícia de Charlotte, na Carolina do Norte, a divulgar gravações em vídeo feitas no sábado de um policial atirando em um homem negro. Ela manifestou a preocupação de que muitos afro-americanos sintam que suas vidas são descartáveis e denunciou diversas vezes Trump por fazer declarações racistas e sexistas. Hillary lançou recentemente um comercial em que Trump descreve uma mulher como "bagulho" e outra como "achatada".

Na semana passada, Trump apoiou com ênfase a polêmica tática policial de "parar e apalpar", que muitos afro-americanos detestam. Seu apelo político aos eleitores negros, como ele disse em um comício no sábado em Roanoke, na Virgínia, é: "O que você tem a perder?" No mesmo evento, Trump errou o nome do novo Museu Nacional da História e Cultura Afro-Americanas e se gabou de seu respeito pelas mulheres, horas depois de convidar para o debate Gennifer Flowers, que acusou Bill Clinton de ter um relacionamento adúltero com ela.

Em uma campanha que se desviou das discussões políticas tradicionais para uma batalha sobre identidade e valores nacionais, Hillary e Trump estão mais acentuadamente opostos sobre questões raciais e de gênero do que quaisquer adversários presidenciais em décadas. Em vez de fazer um jogo seguro, com posições tímidas, Hillary quer aumentar o comparecimento às urnas entre afro-americanos e mulheres, abordando questões de preconceito e respeito. Trump se posiciona na vanguarda dos homens brancos.

"A extremidade da divergência é diferente de qualquer coisa que já enfrentei em minha vida adulta", disse Randall L. Kennedy, professor de direito em Harvard cujos livros incluem "A persistência da linha de cor: Política racial e a Presidência Obama" [tradução livre]. "As analogias que vêm à mente são Goldwater versus Johnson em 1964 e Lincoln versus Douglas em 1860."

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AFP

Ambos os candidatos estão se preparando para que raça e gênero surjam durante o debate desta segunda, que tem três temas anunciados, inclusive um chamado "A direção da América".

Muitos democratas acreditam que Hillary tem uma vantagem: seu partido está energizado em torno desses temas e parece ávido por uma luta, enquanto alguns republicanos soam cansados sobre o racismo na atuação de polícia.

"Raça e gênero muitas vezes são ignorados, muitas vezes diminuídos com piadas ridículas", disse Donna Brazile, presidente do Comitê Nacional Democrata. "Fazer os dois discutirem questões de raça e gênero mostraria mais claramente que qualquer outra coisa que um candidato tem um histórico e uma visão para unir as pessoas, e um ofereceu os comentários e as políticas mais divisores, preconceituosos e sexistas que já vimos de um nomeado por um grande partido."

Mas os republicanos veem vantagens eleitorais para Trump. Ele ganhou a nomeação principalmente apelando ao ressentimento dos brancos, especialmente eleitores da classe trabalhadora que dizem estar cansados de discutir racismo e apreciam a mensagem de legalidade e ordem de Trump. Ele também enfatiza a segurança em um momento de violência imprevisível nas cidades americanas, como o tiroteio fatal contra cinco pessoas na sexta-feira em um shopping center perto de Seattle.

Newt Gingrich, o ex-presidente da Câmara, disse que Trump, a quem ele assessorou, tem uma abertura para se apresentar como um líder firme e um agente de mudanças para as minorias. Hillary, segundo Gingrich, era vulnerável a ser rotulada como parte do que ele chamou de uma "ala da cultura intelectual americana" definida pelo conceito de que "os policiais são perigosos, e se não tivéssemos armas ninguém seria ferido".

Mas Gingrich também incentivou Trump a reconhecer diretamente que os negros enfrentaram "um morro mais íngreme de subir".

"Espero que ele faça mais disso", disse Gingrich, "e comunique que ser negro nos EUA é diferente e mais difícil, que o legado da escravidão e da discriminação é real."

Mesmo em outros tempos de inquietação social, poucos candidatos presidenciais, ou nenhum, construíram tanto seus argumentos políticos em torno de temas de raça, gênero e diversidade cultural quanto Hillary e Trump. E suas mensagens se intensificaram antes do primeiro debate, que se apresenta como um duelo por um espectro mais amplo de eleitores --minorias, mulheres e eleitores mais instruídos de um lado, homens brancos e eleitores da classe trabalhadora do outro.

Hillary, que tem uma ligeira vantagem nas pesquisas nacionais, reagiu à violência da semana passada projetando-se como uma defensora da diversidade e da inclusão. Ela falou rapidamente depois dos tiros da polícia contra um homem negro em Tulsa, Oklahoma, para denunciar o "racismo sistêmico" contra os negros. E depois dos recentes ataques a bomba em Nova York e Nova Jersey ela correu para defender a tese de que Trump pôs em perigo o país com seus ataques retóricos aos muçulmanos.

Ela também fez um discurso na semana passada criticando Trump por ter demonstrado falta de respeito às pessoas com deficiências. Seu novo comercial sobre Trump e as mulheres termina com uma pergunta poderosa: "É esse o presidente que queremos para nossas filhas?"

Mark Mellman, que assessorou a campanha de John Kerry em 2004, disse que o desafio de Hillary nesta segunda-feira será canalizar as frustrações dos eleitores de minorias, enquanto tranquiliza os brancos que são simpáticos às questões raciais. "Você tem de compreender o problema, ter empatia pelo problema, falar sobre como resolver o problema", disse ele, "sem parecer que aceita uma reação violenta a ele."

Trump endureceu seus próprios argumentos recentemente e aumentou suas advertências contra a excessiva tolerância racial. Ele especulou na semana passada sobre que a correção política pode ter feito as autoridades deixarem de impedir os ataques em Nova York e Nova Jersey, e afirmou que admitir mais refugiados da Síria prejudicaria a "qualidade de vida" americana.

Depois dos tiros da polícia em Tulsa e Charlotte, o companheiro de chapa de Trump, o governador Mike Pence, de Indiana, queixou-se de que havia "muito dessa conversa sobre preconceito institucional ou racismo nas forças policiais".

Pence e vários legisladores republicanos atraíram críticas por tais comentários sobre raça, inclusive um congressista da Carolina do Norte, Robert Pittenger, que disse que os manifestantes em Charlotte "odeiam os brancos porque os brancos são bem-sucedidos e eles não". Pittenger mais tarde pediu desculpas.

Enfrentando pesquisas que mostram que a maioria dos eleitores o consideram intolerante com as minorias e as mulheres, Trump tentou transmitir aos eleitores que ele também pode ser um presidente inclusivo. Visitou comunidades negras algumas vezes, e no comício em Roanoke no sábado chamou o novo museu afro-americano em Washington de "um lindo lugar" e prometeu apoiar os americanos negros como presidente.

Mas errou o nome do museu, chamando-o de "Museu Smithsonian de História Americana, Arte Afro-Americana".

Trump também se gabou de ter empregado mulheres em cargos influentes. Mas correu o risco de alienar algumas eleitoras no fim de semana, ao ameaçar dar um lugar na primeira fila no debate a Flowers, em retaliação aos comentários de Mark Cuban, o bilionário que é um crítico declarado de Trump.

Celinda Lake, uma pesquisadora democrata, disse que o enfoque de Hillary Clinton para "unir as pessoas" terá repercussão entre as eleitoras mulheres, muitas das quais estão perturbadas pelos recentes tiroteios da polícia.

"Hillary tem uma chance real de tirar essas mulheres independentes da coluna dos indecisos com suas mensagens sobre raça e gênero, em vez das opiniões divisivas de Trump", disse Lake.

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