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Inclusão de crianças refugiadas nas escolas irrita pais de alunos na Grécia

Crianças têm aulas em campo para refugiados temporário, em Oraiokastro, Grécia - Angelos Tzortzinis/The New York Times
Crianças têm aulas em campo para refugiados temporário, em Oraiokastro, Grécia Imagem: Angelos Tzortzinis/The New York Times

Niki Kitsantonis

Em Oraiokastro (Grécia)

27/09/2016 06h00

Mariya bint Loqman Abdlkarim tem 9 anos. Ela chegou à Grécia em fevereiro, depois de fugir da Síria com sua família e de atravessar a Turquia em um pequeno barco. Desde então ela vem vivendo em um acampamento precário administrado pelo Estado, com um futuro incerto e um presente limitado às necessidades básicas.

Pouco tempo atrás, o governo grego decidiu lhe dar uma chance em algo mais próximo de uma vida normal: juntamente com outras 22 mil crianças refugiadas, ela teria a permissão de frequentar uma escola pública a partir de outubro.

Mas assim como muitos aspectos do esforço europeu para lidar com os enormes números de imigrantes que têm chegado à sua costa, o plano logo enfrentou intensa resistência, neste caso por parte de pais em várias comunidades próximas de acampamentos no norte da Grécia. As crianças refugiadas, de acordo com esses pais, poderiam ter doenças contagiosas, além de suas diferenças culturais poderem atrapalhar o aprendizado.

Na semana passada, uma associação representando os pais de alunos na pequena cidade de Filippiada, no oeste da Grécia, enviou uma carta a autoridades locais e ao Ministério da Educação, dizendo "explícita e categoricamente, que não aceitaremos, sob nenhuma circunstância e sem nenhuma concessão, que os filhos dos chamados imigrantes irregulares" frequentem as escolas locais, referindo-se aos migrantes que estão entrando ilegalmente no país.

"Eles vêm de outro continente com doenças e condições de saúde completamente diferentes", dizia a carta, acrescentando que os refugiados possuem "uma visão diferente em relação ao papel da família, das mulheres e da religião". A presença deles "alteraria o caráter grego das escolas", dizia a carta, e que "não permitiremos fanatismo religioso."

No começo de setembro, a associação de pais de duas escolas na cidade de Oraiokastro, no norte da Grécia, ameaçou ocupar o espaço da escola em protesto caso os refugiados de um abrigo da vizinhança administrado pelo Estado pudessem frequentar as aulas. Alguns dias antes, o prefeito convocou os residentes a fazerem justiça com as próprias mãos, entre rumores de que alguns refugiados estavam entrando em casas do bairro. As declarações dos pais e um vídeo da sugestão do prefeito de que os moradores deveriam "intervir" desencadearam indignação geral e uma onda de reações enfurecidas nas mídias sociais.

Eles também fizeram com que um procurador grego investigasse se os grupos de pais ou o prefeito deveriam ser acusados de injúrias raciais.

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Crianças levam cartazes onde se lê "paz e educação para cada criança do mundo" durante protesto antirracismo em Oraiokastro
Imagem: Angelos Tzortzinis/The New York Times

Passado o clamor, tanto as associações de pais quanto o prefeito mudaram o tom de suas respostas, dizendo que a única preocupação deles era as possíveis consequências sanitárias caso as crianças refugiadas não fossem vacinadas. O prefeito, Asterios Gavotsis, disse que seus comentários no vídeo foram "mal interpretados" e que ele "não estava incitando ninguém a cometer atos ilegais."

Do lado de fora de uma das escolas, Haralambos Magoulianos, um aposentado de 57 anos que esperava para buscar suas duas netas, disse ser contra a admissão de crianças refugiadas. "Não gosto disso", ele disse. "E se tivermos uma epidemia? Não os quero aqui", ele acrescentou, dizendo que jovens do acampamento de refugiados da vizinhança "estão roubando bicicletas e invadindo nossos quintais."

Outros pais do bairro têm sido mais acolhedores. O diretor da escola em Filippiada e alguns pais de lá disseram que a carta enviada pelos pais daquele bairro não refletia o ponto de vista deles. Alexandra Hapsi, 41, tem dois filhos na escola em Oraiokastro. Ela disse que fez comida e doou roupas para refugiados que viviam no imenso acampamento em Idomeni, mais ao norte, que foi fechado este ano. "Na Europa, ninguém está aceitando refugiados, e eles nos chamam de racistas", ela disse, acrescentando que ela também queria garantias de que os refugiados que frequentassem as escolas locais fossem vacinados.

Asterios Batos, cujos filhos frequentam a mesma escola que os filhos de Hapsi, lidera o grupo que representa as associações de pais de todas as 41 escolas na região. "Essa imagem de uma municipalidade racista é injusta", ele disse, referindo-se à região. "Não somos racistas. Estamos preocupados em saber se todas as devidas precauções foram tomadas."

O plano prevê que os filhos de imigrantes frequentem a escola à tarde. Inicialmente eles ficariam em classes separadas dos alunos gregos, mas em algum momento eles seriam integrados à população geral de estudantes. Em comentários dados à televisão grega na semana passada, o ministro da Educação, Nikos Filis, disse que o programa para a introdução de crianças em escolas inclui a vacinação. As aulas serão de grego, matemática e inglês, ou outro idioma, dependendo de para onde os refugiados pretendem viajar.

O governo ainda precisa especificar quais escolas farão parte do programa, causando frustração entre alguns pais e autoridades locais.

"Será que uma vizinhança ou uma escola têm o direito de dizer: 'Não quero estrangeiros aqui'?. Não, não têm", disse Filis.

O prefeito de Oraiokastro, Gavotsis, disse não ser contra os refugiados terem acesso à educação, mas que as aulas deveriam ser realizadas durante um ano em outros locais, tais como fábricas desativadas, antes que as crianças frequentem as escolas locais. Ele disse que a alta proporção de refugiados em Oraiokastro, que tem uma população de 30 mil habitantes, estava levando a tolerância das pessoas ao limite. "Temos 10% de todos os refugiados da Grécia aqui", ele disse, referindo-se aos cerca de 6 mil imigrantes dos três acampamentos da área.

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Jovens jogam bola no campo de refugiados temporário em Oraiokastro
Imagem: Angelos Tzortzinis/The New York Times

Existem pouco mais de 60 mil refugiados em acampamentos em toda a Grécia. Muitas vezes há tensões entre imigrantes frustrados, alguns deles tendo de esperar durante meses pelo resultado de seus pedidos de asilo, e muitos residentes locais estão cansados, realizando manifestações com frequência. A turbulência tem sido explorada por membros de grupos de extrema-direita que se infiltraram em alguns dos protestos.

"Só queremos uma distribuição justa", disse Gavotsis. "Se isso nos torna racistas, que posso dizer?"

Katerina Karanikolau, que compareceu à reunião onde Gavotsis sugeriu que os residentes locais deveriam "intervir" para deter o plano de educação, foi a única dentre os 72 pais presentes a votar contra uma moção para ocupar uma das escolas em protesto. Ela disse que as preocupações com a saúde eram uma cortina de fumaça. "A xenofobia começou com Idomeni em fevereiro, e criou raízes desde então", ela disse, acrescentando que os residentes temiam que "sua cidade entrasse em decadência."

Na noite de segunda-feira (19), Karanikolau e seus quatro filhos participaram de um protesto antirracismo, marchando desde o gabinete do prefeito até as ruas de Oraiokastro, que significa "lindo castelo". Esta foi batizada por refugiados gregos que se fixaram ali entre 1924 e 1930, inspirados em um castelo que costumava ficar na costa do Mar Negro.

"É triste", disse Karanikolau. "Nossos ancestrais eram refugiados."

A cerca de 2 km de lá, em uma imensa fábrica de tabaco desativada, Mariya, a menina de 9 anos da Síria, vive com seus pais e sete irmãos em uma barraca, uma das centenas que abrigam cerca de 1.300 refugiados. O acampamento é imundo, tanto que oficiais de saúde pediram por seu fechamento, mas organizações de socorro têm administrado uma clínica eficiente, vacinando crianças contra caxumba, sarampo, rubéola e hepatite.

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Jihan Sheikh Mohammed (centro) em uma tenda com alguns de seus filhos no campo de refugiados
Imagem: Angelos Tzortzinis/The New York Times

Misturando pedaços de pão velho em uma frigideira com cebolas caramelizadas para o jantar da família, a mãe de Mariya, Jihan Sheikh Mohammed, 33, disse que preferia que sua filha frequentasse uma escola local em vez de receber as aulas improvisadas dadas no acampamento por trabalhadores humanitários. Mas o pai dela, Loqman Abdlkarim, 42, quer sair de lá, já que a próxima entrevista relativa ao asilo da família só ocorre em abril e ele tem parentes esperando por ele na Alemanha.

"Vou esperar mais 20 dias", ele disse. "Se nada acontecer, então vamos voltar para a Turquia. Até a Síria é melhor que isto", ele disse, acrescentando que tráfico de drogas e abusos sexuais são frequentes no acampamento.

Mariya, uma garota inteligente e simpática, quer ficar. Ela disse que gostaria de ser uma advogada algum dia. "Quero ajudar as pessoas", afirma. Alheia às objeções dos residentes da cidade, ela está empolgada com a ideia de frequentar uma escola de verdade, mas teme não se encaixar.

Franzindo a testa de forma pensativa, ela aponta para seu conjunto de moletom roxo encardido e pés descalços. "Será que vão me deixar entrar assim?"

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AFP