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Marido busca respostas para morte da mulher após dar à luz seu filho

Gilbert Kwok com seu filho Zachary, que nasceu prematuro em casa, em Nova York - Hilary Swift/The New York Times
Gilbert Kwok com seu filho Zachary, que nasceu prematuro em casa, em Nova York Imagem: Hilary Swift/The New York Times

Samantha Schmidt

Em Nova York (EUA)

04/10/2016 06h00

Depois que Amy Lam entrou em trabalho de parto prematuramente e teve o bebê em casa, seu marido, Gilbert Kwok, pensou que o pior tivesse passado. Depois que o resgate chegou e embarcou Lam na ambulância, o casal tirou fotos com o recém-nascido e telefonou para parentes, sorridentes e felizes porque --apesar das circunstâncias inesperadas-- seu filho havia chegado.

Menos de 12 horas depois, em 1º de agosto, Lam, 34, foi declarada morta. Ela havia sangrado muito depois de uma série de procedimentos cirúrgicos no Hospital Central do Harlem.

Na última segunda-feira (26), advogados pediram indenização em nome de Kwok e da família de Lam ao hospital, dirigido pela NYC Health & Hospitals, assim como a mais de meia dúzia de médicos que trataram Lam, alegando erro médico e negligência.

Quase dois meses após a morte de Lam, uma autópsia do departamento de medicina legal da Cidade de Nova York continua pendente, deixando muitas perguntas sem resposta. Kwok, 33, tem de cuidar de seu bebê prematuro, Zachary, e de seu filho de 3 anos, Abel, enquanto também enfrenta a morte súbita e inexplicável de sua mulher.

"Quando os meninos me perguntarem o que aconteceu, o que vou lhes responder?", disse Kwok em uma entrevista na semana passada.

A NYC Health & Hospitals não quis comentar o caso, devido ao litígio iminente e das leis de privacidade dos pacientes. Mas Robert de Luna, um porta-voz da agência, disse que ela se dedica a garantir a segurança dos pacientes e fornecer os melhores cuidados e experiências. "Nossos pensamentos estão com a família durante este momento difícil", disse ele.

Os EUA são um dos poucos países do mundo cujo índice de mortalidade materna aumentou nos últimos anos, apesar dos avanços nos tratamentos de saúde, segundo um estudo divulgado pelo Instituto de Medição e Avaliação da Saúde.

Mas o aumento recente foi promovido principalmente por problemas cardíacos e condições médicas crônicas, como diabetes e obesidade, de acordo com pesquisadores.

As mortes maternas causadas por hemorragia, como no caso de Lam, estão em declínio no âmbito nacional, segundo um estudo publicado no ano passado em "Obstetrics & Gynecology".

Na cidade de Nova York, 38 mortes relacionadas à gravidez foram causadas por hemorragias entre 2006 e 2010, os dados mais recentes disponíveis. Mais de 630 mil partos vivos ocorreram nesse período, segundo o Departamento de Saúde e Higiene Mental da cidade.

A doutora Mary D'Alton, presidente do departamento de obstetrícia e ginecologia do Centro Médico da Universidade de Columbia, disse que as mortes maternas por hemorragia "ainda são raras". Mas "não acho que podemos dizer que é um problema do passado", acrescentou.

Amy Lam  - The New York Times - The New York Times
Amy Lam
Imagem: The New York Times

D'Alton também trabalha na Iniciativa Maternidade Segura para ajudar a reduzir as mortes evitáveis relacionadas ao parto. Mas, segundo ela, "há raras exceções em que, apesar dos melhores tratamentos, a morte não pode ser evitada".

Lam e Kwok, ambos naturais de Hong Kong, vieram a Nova York para graduar-se em jornalismo econômico na Universidade Columbia. Ela se formou em maio de 2015 e trabalhava como repórter na Brightwire Inc., uma agência de notícias financeiras. Mas o que mais queria era um irmão para Abel, disse seu marido.

O casal tinha planejado voltar a Hong Kong, mas quando Lam engravidou eles decidiram esperar até outubro, para que ela não tivesse de fazer a longa viagem internacional. Além disso, queriam que o bebê nascesse nos EUA, para ser um cidadão americano. Eles acreditaram que o atendimento médico do país fosse o melhor.

O bebê era esperado para o final de agosto. Os médicos disseram a Lam que sua gravidez era saudável e normal, mas que o bebê poderia ser um pouco prematuro, disse Kwok.

E assim foi. Na véspera de 1º de agosto, Lam estava dormindo com Abel na cama, como em qualquer noite, em seu apartamento no Harlem. Ao sentir contrações, ela foi para o hospital Mount Sinai Beth Israel, seguindo as instruções de seu obstetra. Após ser examinada, ela foi informada de que não estava pronta para o parto e devia voltar para casa.

Lam voltou a dormir no apartamento e acordou no dia seguinte sentindo dores intensas e contrações. Por volta das 11h30, entrou em trabalho de parto no banheiro. Depois que uma vizinha a ajudou a ter o bebê, foi transportada ao hospital mais próximo, o Harlem Hospital.

Lam ainda não tinha expelido a placenta, por isso foi transferida para uma ala de parto, onde um médico tentou retirar a placenta manualmente. O procedimento não teve sucesso e Lam entrou em choque. Sua pressão sanguínea caiu, segundo o pedido de indenização, que foi feito usando os registros do hospital do Harlem.

Após um atraso, Lam foi submetida a um procedimento de dilatação e curetagem, em que os médicos retiraram sua placenta, raspando as paredes do útero. Perto do fim da cirurgia, a pressão de Lam caiu, seus batimentos cardíacos aumentaram e os médicos suspeitaram que ela estivesse com hemorragia.

"No entanto, a origem e causa do sangramento não foi obtida e identificada, nem foram tomadas as medidas necessárias para tratar adequadamente o sangramento interno", afirma a queixa apresentada pela advogada da família, Susan M. Karten.

Às 5h, Lam foi admitida na UTI, onde recebeu transfusões de sangue rápidas. Mas seus sinais vitais pioraram, e o sangramento interno se agravou. Os médicos pediram a autorização de Kwok para realizar mais um procedimento "exploratório". Ele disse que não entendia bem o que estava acontecendo, e nunca lhe informaram como a situação dela era grave.

"Disseram que precisavam descobrir por que ela estava instável", explicou Kwok.

Segundo os médicos, a cirurgia levaria várias horas, por isso Kwok deixou o hospital para pegar Abel, que havia ficado em casa com uma vizinha o dia todo. Ao chegar, às 21h32, ele postou no Facebook uma foto do casal sorrindo, com o bebê recém-nascido, na ambulância.

"Prometa-me que vamos tirar mais um milhão de selfies", dizia a postagem de Kwok.

Às 22h ele recebeu uma ligação do hospital. O coração de Lam tinha parado.

Depois de tentar ressuscitá-la diversas vezes, os médicos a declararam morta às 22h37.

Quando Kwok entrou no quarto do hospital com Abel para vê-la, ele disse ao bebê que sua mãe estava dormindo e que ele lhe desse boa noite.

"Eu queria acordá-la", disse Kwok, chorando. "Senti meu coração ser arrancado."

No funeral de Lam em Chinatown, em agosto, o caixão estava coberto de flores vermelhas, brancas e amarelas e cercado por um animal de pelúcia Hello Kitty e brinquedos. Durante o serviço, Abel correu pela sala usando uma faixa preta no braço, parecendo não perceber o que estava acontecendo. Ao lado de Kwok, na primeira fila, estava Zachary, em uma cadeirinha de carro, que saíra do hospital alguns dias antes.

"Há tantas incógnitas", disse Kwok mais tarde. "E se não tivéssemos um bebê? E se não tivéssemos ido para o hospital do Harlem? Ou se simplesmente não tivéssemos vindo para os EUA?"

Kwok tentou manter um sentido de normalidade na casa, pelo bem de Abel. Depois de voltar com o pequeno do acampamento de verão, recentemente, Abel começou a apontar em várias direções, pedindo que o pai continuasse andando.

Quando o pai lhe perguntou por quê, a criança disse: "Estou procurando mamãe".

Kwok não hesitou. "Vamos encontrar a mamãe", disse.