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Uma criança no Iêmen: "Nós dormimos com medo, acordamos com medo"

Yousef, o filho mais novo de Mohammed al-Asaadi - Mohammed al-Asaadi via The New York Times
Yousef, o filho mais novo de Mohammed al-Asaadi Imagem: Mohammed al-Asaadi via The New York Times

Mohammed al-Asaadi

13/10/2016 06h00

Mohammed al-Assadi é pai de quatro filhos em Sanaa, a capital do Iêmen, envolvida em uma guerra entre os rebeldes apoiados pelo Irã e a Arábia Saudita por mais de dois anos. Ele é um ex-jornalista que agora trabalha em comunicações para o Funda das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

"Meu filho, Yousef, chama os bombardeios de "fogos de artifício". Ele se encolhe de medo quando as explosões nos acordam de nosso sono. Ele corre para a pessoa mais próxima dele para se esconder.

Meu menino completará 3 anos em dezembro, mas ele já tem três guerras de idade.

Durante uma de nossas reuniões noturnas, eu pedi às minhas três filhas que escrevessem sobre o que estava acontecendo à sua volta e postei as palavras delas no Facebook. Minha mais velha, Kholud, que tem 15 anos, escreveu: "Nós, as crianças do Iêmen, queremos concretizar nossas esperanças: estudar, brincar e atingir nossas metas. Nós dormimos com medo, acordamos com medo e saímos de nossas casas com medo".

Quando as bombas estão próximas o bastante, as ondas de choque sacodem a casa, escancarando portas e janelas. É como se as explosões estivessem dentro de seus ouvidos. Meu filho e minha filha mais nova, Haneen, de 12 anos, acordam gritando, correndo em todas as direções pelos cômodos escuros.

Um vídeo, feito por um amigo, mostra um bombardeio ocorrido no mês passado, tão próximo que nos derrubou de nossas camas.

As filhas de Mohammed al-Assadi: Kholud, 15; Asma, 14; e Haneen, 12 - Mohammed al-Asaadi via The New York Times - Mohammed al-Asaadi via The New York Times
As filhas de Mohammed al-Assadi: Kholud, 15; Asma, 14; e Haneen, 12
Imagem: Mohammed al-Asaadi via The New York Times

Minha mulher e eu concordamos em uma divisão de papéis. Ela cuida de nosso menino pequeno, que dorme em nosso quarto. Eu cuido das meninas no quarto vizinho. As primeiras palavras que dizemos para eles são: "Vocês estão bem. Estamos todos bem. A explosão foi longe de nossa casa. Não entrem em pânico. Estamos todos OK. Você está OK".

Eu reúno a todos e damos um abraço grupal. Se a noite é particularmente ruim, todos dormimos juntos.

Quando a guerra começou, expliquei às minhas filhas do que ela se tratava: quem está lutando contra quem e por quê. Elas entendem que não somos um alvo direto de nenhuma das partes em guerra, mas podemos ser um dano colateral caso estejamos no lugar errado na hora errada.

Assim, limitamos nossos movimentos. Minhas filhas chamam isso de estar "sob prisão domiciliar".

A escola é um lugar ao qual sinto que devem ir, apesar de meus temores. Colocando de forma simples, acredito piamente que a educação é a porta para um futuro mais seguro.

Asma, que tem 14 anos, é a primeira a gastar dinheiro e a última a poupá-lo. Ela adora crianças e seus amigos. Eu chorei quando li o que ela escreveu para postagem no Facebook:

'Temos medo de catástrofe, assim como é doloroso quando uma pessoa mata outras; mães, pais e crianças. É como se as consciências das pessoas fossem como pedras. E cada pessoa com autoridade faz o que bem entende.'

Haneen, de 12 anos, é franca e criativa. Ela sempre pergunta que coisas ainda não foram inventadas, porque diz que deseja inventar algo que beneficiará a todos.

Certa vez, quando pedi desculpas por chegar tarde, pois estava no trabalho ajudando as crianças do Iêmen, ela me confrontou: "Nós também somos crianças do Iêmen".

Aqui está um trecho do ensaio dela para o Facebook:

'A situação piora a cada dia. Nossos estudos pararam, brincar é proibido. Eles cortam a água e a eletricidade de todos os moradores. Todo dia, o barulho fica mais e mais alto perto de nós.'

'Mas eu tenho duas perguntas que me confundem: como nosso futuro será bonito se estão destruindo o Iêmen? Quando será que esta guerra acabará, o Iêmen será libertado e o futuro será bonito, inshallah?'

Meus filhos estavam em casa no sábado quando as bombas mataram mais de 100 pessoas em um salão de funeral em Sanaa. Eu estava ao vivo na "BBC Arabic", falando em nome da Unicef sobre o surto de cólera. Ao voltar para casa, vi as filas em um hospital.

Família de Mohammed al-Assadi no Iêmen - Mohammed al-Asaadi via The New York Times - Mohammed al-Asaadi via The New York Times
Imagem: Mohammed al-Asaadi via The New York Times

Minhas filhas souberam do ataque horas depois, assim que concluíram sua lição de casa.

Elas sempre têm perguntas. Elas queriam saber se algum de meus amigos foi morto.

Eu lhes disse: o prefeito de Sanaa. Elas ficaram em choque. Eu fui conferir a lição de casa delas para me manter ocupado. Mas assim que foram para a cama, um ataque aéreo sacudiu nossa casa. Dois outros se seguiram. Eu as tirei de seu quarto e as levei para o meio da casa. Elas dormiram uma ao lado da outra no mesmo colchão, onde posso abraçar todas elas caso um ataque aéreo atinja esta área.

Essa é a vida em uma zona de guerra. Todo dia, você acorda com uma surpresa desagradável: a morte ou ferimento de um amigo ou parente. Você testemunha a destruição do bairro de sua infância, da escola e da lojinha onde você comprava guloseimas.

Você precisa viver sem eletricidade, água, combustível e serviços sociais. Você não deseja viver uma vida onde sua maior realização é sobreviver mais um dia e seu prazer supremo é ter uma conexão de internet que não cai.

As guerras são destrutivas não apenas para as cidades, mas também para as almas."