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Cães ferozes, máquinas manipuladas e votos direto da tumba: a paranoia dominou as eleições nos EUA

Eleitores votam antecipadamente em Potomac, Maryland (EUA) - Brendan Smialowski/AFP
Eleitores votam antecipadamente em Potomac, Maryland (EUA) Imagem: Brendan Smialowski/AFP

Alan Rappeport

03/11/2016 06h01

Em Ohio, corria a lenda de que seguidores de Donald Trump estavam usando cães selvagens para afugentar eleitores negros. No Texas, algumas das máquinas de votação supostamente teriam sido manipuladas, transformando votos que seriam de Trump em votos para Hillary Clinton. E teve também o genealogista amador que estaria cometendo fraude eleitoral ao anotar nomes encontrados em túmulos.

Uma semana antes do dia da eleição, alertas de que a votação estaria armada, amplificados em grande parte pelo próprio Trump, levaram o país inteiro a ficar ansioso a respeito da integridade do processo eleitoral. Em algumas instâncias a preocupação parece justificada, mas muitas resultaram de falhas técnicas ou de um sentimento aguçado de desconfiança. De qualquer forma, um ano de polarização política fora do normal deixou os eleitores cada vez mais cautelosos a respeito dos demais cidadãos e da credibilidade do método de escolha do presidente no país.

“Definitivamente me parece ter mais paranoia neste ano”, diz Pamela Smith, presidente da Verified Voting, um grupo apartidário que promove a integridade das eleições. “Falou-se muito em eleições sendo armadas. Se você acredita que uma eleição vai ser armada, então você olha para tudo através desse filtro.”

Muitos dos rumores de votos armados assumiram vida própria nas vidas sociais, onde as teorias da conspiração prosperam e as acusações abundam. Os relatos fizeram com que autoridades locais e eleitorais corressem para verificar alegações de má conduta e, muitas vezes, para colocar as coisas em perspectiva.

Ohio, um dos campos de batalha mais acirrados, foi uma incubadora de desconfiança. Ao longo do fim de semana, um ativista político com mais de 30 mil seguidores no Twitter escreveu uma postagem afirmando que eleitores de Trump com cachorros estavam ameaçando eleitores negros que fossem votar antecipadamente em Cincinnati.

A postagem deixou seus seguidores alvoroçados, mas autoridades locais disseram que o homem, Jim Wallis, estava fazendo uma alegação falsa. A mensagem foi deletada em seguida.

“Eu vi dois cães-guia, um pônei usando um cartaz de campanha e outro cão, bem grande, mas amigável, de coleira”, disse Tim Burke, presidente do Comitê Eleitoral do Condado de Hamilton, ao “The Cincinnati Enquirer.”

No Condado de Butler, Ohio, Leah Edwards notificou as autoridades sobre fraude eleitoral quando ela viu um homem fazendo anotações e tirando fotos de túmulos em um cemitério.

“Não consigo pensar em nenhuma outra razão pela qual uma pessoa pudesse estar fazendo isso”, ela escreveu na página do Facebook do departamento de polícia do Condado de Butler.

Frank Flack, um homem que afirmou ser aquele que detiveram no cemitério, postou uma resposta acusando Edwards de ser irresponsável. Ele disse que estava fotografando placas para um projeto de memorial online no qual seria possível encontrar qualquer túmulo.

“Sinto muito por destruir sua teoria da conspiração de fraude eleitoral”, escreveu Flack. “Se você tivesse parado para conversar comigo, eu teria lhe contado que sou republicano de carteirinha!”

O Texas é famoso por seu ceticismo a respeito do sistema, e as votações antecipadas ali despertaram rebuliço sobre bugs nas máquinas de votação. Eleitores de diversos condados reclamaram de ter votado na legenda republicana, mas viram o quadradinho de Hillary realçado. Choveram histórias em redutos conservadores da internet, levando a alertas urgentes vindos de pessoas como Sean Hannity e do site Infowars.

A ideia de uma conspiração geral foi ridicularizada por Nancy Tanner, uma juíza do Condado de Potter, no Texas, que culpou os erros dos usuários pela maior parte dos problemas.

“Como todos sabem, nem sempre nossos dedos fazem o que nosso cérebro manda”, disse Tanner.

Problemas no registro de eleitores ocorridos na Carolina do Norte e outros Estados levaram a confusões e longas filas.

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AFP

Com tantas pessoas falando em armações, qualquer coisa fora do ordinário pode ser entendida como potencialmente suspeita. Quando máquinas defeituosas começaram a não aceitar cédulas em Boone, na Carolina do Norte, um funcionário do posto de votação pediu a Allison Critcher que depositasse sua cédula através de uma pequena abertura de metal na urna de votação. Ela achou suspeito.

“No entanto, eles não explicaram o que iam fazer com nossas cédulas, o que me deixou um pouco desconfiada”, disse Critcher, que votou no final de outubro.

Nem todos os problemas relacionados aos votos antecipados relatados neste ano foram coisas da imaginação. Kristen Clarke, a diretora-executiva do Lawyers’ Committee for Civil Righs Under Law, disse que a linha telefônica nacional de sua organização para relatar problemas nas urnas havia recebido cerca de 50 mil chamadas neste ano, e que houve mais reclamações sobre intimidação contra eleitores do que em 2012.

“Nós observamos um tom mais exaltado nos tipos de ligações que recebemos dos eleitores”, disse Clarke. “Certamente essas eleições foram alimentadas por uma retórica venenosa, com níveis mais altos de ansiedade.”

As autoridades locais têm tomado providências contra pessoas que podem ter cometido fraude eleitoral, e grupos de direitos civis estão resistindo contra o que eles chamam de atos de privação de direitos.

Uma mulher de Des Moines foi presa na semana passada, acusada de depositar votos antecipados em Trump em dois locais diferentes de Iowa. No Condado de Miami-Dade, na Flórida, uma funcionária de 74 anos do posto de votação foi presa depois que colegas de trabalho disseram que ela havia adulterado cédulas enviadas pelo correio.

Na segunda-feira, a NAACP (Associação Nacional pelo Avanço de Pessoas de Cor) da Carolina do Norte entrou com uma ação em nível federal para impedir que comitês eleitorais locais e dos Estados cancelassem o registro de milhares de eleitores negros.

Os eleitores parecem estar mais desconfiados uns dos outros neste ano, disse Wendy Weiser, diretora do programa de democracia do Brennan Center for Justice, da Universidade de Nova York. Mas Weiser disse que não espera uma fraude eleitoral maior do que em outras eleições gerais.

Na verdade, a acusação de Trump de que a eleição está sendo armada pode ter o efeito de tornar as irregularidades ainda mais raras.

“O lado bom é que as pessoas estão ainda mais preparadas”, disse Weiser. “Sem dúvida estão prestando mais atenção ao que está acontecendo nos postos de votação.”

Trump, por sua vez, parece disposto a manter em dúvida a integridade do processo de votação. Em um comício no Colorado, no domingo, Trump sugeriu que as pessoas provavelmente estavam votando várias vezes em todo o país e que seus votos provavelmente não estavam sendo contados apropriadamente.

“Sei que estão todos dizendo: ‘Claro, é tudo tão legítimo’”, disse Trump. “Talvez eu seja uma pessoa mais cética.”