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Reação anti-Trump favorece democratas em redutos republicanos

Stacey Abrams, líder democrata na Câmara de Representantes da Geórgia, insta eleitores a votarem durante visita à cafeteria Piccadilly, em Decatur - Kevin D. Liles/The New York Times
Stacey Abrams, líder democrata na Câmara de Representantes da Geórgia, insta eleitores a votarem durante visita à cafeteria Piccadilly, em Decatur Imagem: Kevin D. Liles/The New York Times

Jonathan Martin e Alexander Burns

Em Casa Grande, Arizona (EUA)

06/11/2016 06h00

Desde que se mudou para o Arizona há 15 anos, Nieves Lorenzo viu os latinos crescerem em número, mas apenas de forma hesitante se afirmarem como força política. Então veio a candidatura presidencial de Donald Trump.

"Ele acordou o gigante adormecido", disse Lorenzo, natural da Venezuela, enquanto estava aqui na sede local da campanha democrata, no deserto entre Phoenix e Tucson.

Ao afastar do Partido Republicano as mulheres, os brancos com alta escolaridade e, mais significativamente, os blocos crescentes de minorias, Trump acelerou as mudanças políticas e sociais que já estavam em curso em duas importantes regiões, o interior do Oeste e o alto Sul, que há não muito tempo costumavam votar na direita.

Agora, enquanto Hillary Clinton lida com a ansiedade inflamada dos democratas em torno do novo escrutínio de sua conta privada de e-mail, essas área antes republicanas estão fornecendo uma porta corta-fogo inesperada para a campanha dela.

Os democratas já estão fortemente confiantes da vitória em três deles, Colorado, Nevada e Virgínia, e acreditam que um quarto Estado, a Carolina do Norte, provavelmente também mudará de lado.

Somados à vantagem do partido no Colégio Eleitoral, esses Estados poderão impedir o caminho de Trump para reunir os 270 votos colegiados necessários para vencer, limitando sua habilidade de explorar as vulnerabilidade de Hillary e o forçando a lutar por apoio improvável em locais solidamente democratas como Michigan e Novo México.

A mudança é tão notável que os democratas estão se empenhando por vitórias no Arizona e na Geórgia, dois redutos republicanos históricos, enquanto a posição de Hillary tem cambaleado em Estados indefinidos familiares como Ohio e Iowa.

Hillary tem atuado agressivamente no Arizona, o vendo como um substituto para quaisquer derrotas no Meio-Oeste. Ela fez campanha em Tempe na quarta-feira (2); seu companheiro de chapa, o senador Tim Kaine, da Virgínia, estará lá e em Tucson, na quinta-feira; e ela e seus aliados despejaram milhões de dólares em propagandas de TV no Arizona e na Geórgia, que consideram um alvo mais difícil.

Olhando além da eleição, os republicanos temem que o dilema geográfico de Trump esteja oferecendo um vislumbre sombrio do futuro do partido: a menos que possam reconquistar os eleitores que afugentaram, as duas regiões que mais crescem no país poderão continuar pendendo decisivamente para os democratas.

"Acho que estamos vendo o solo se mover sob nossos pés", disse o senador Tom Udall, democrata do Novo México. "Este pode ser um importante ponto de virada político."

Sobre Trump, ele disse: "Ele causou aos republicanos alguns estragos reais nacionalmente, em especial no Oeste, ao usar uma das retóricas mais vis e agressivas que já vimos na política".

Apesar de Trump estar fazendo uma campanha de restauração com tons raciais, prometendo tornar a América grande de novo, os eleitores das minorias em Estados que cada vez mais decidem as eleições presidenciais estão trabalhando para demonstrar seu novo poder político.

Em Nevada, que tem as populações de latinos e ásio-americanos que mais crescem no Oeste, os novos blocos de imigrantes se transformaram em potências políticas. Dados da votação antecipada mostram os democratas com uma vantagem clara no Estado a ponto de a disputa ali poder ser decidida muito antes do dia da eleição.

"As pessoas estão organizadas de uma forma como nunca estiveram antes", disse o senador Harry Reid, o líder democrata cuja carreira no Congresso teve início quando Nevada ganhou uma segunda cadeira na Câmara em 1982.

Muitos republicanos importantes, alarmados com a candidatura de Trump e familiarizados com as mudanças demográficas em curso, acreditam que o partido deve mudar imediatamente de curso após esta eleição.

"É preciso parar de alienar grandes segmentos do eleitorado", disse o senador Cory Gardner, republicano do Colorado, que retirou seu apoio a Trump. "E não falo apenas da comunidade latina, falo dos latinos, asiáticos, comunidades de cor e mulheres."

26.out.2016 - O deputado estadual republicano B.J. Pak, de origem coreana, em seu escritório no centro de Atlanta (Geórgia) - Kevin D. Liles/The New York Times - Kevin D. Liles/The New York Times
O deputado estadual republicano B.J. Pak, de origem coreana, em seu escritório no centro de Atlanta (Geórgia)
Imagem: Kevin D. Liles/The New York Times

O alto Sul

Trump, como face do Partido Republicano, tem atuado como um espécie de catalisador político no Sul e Oeste, ajudando os democratas a mobilizarem os subúrbios demograficamente diversos em torno de cidades como Atlanta e Phoenix.

A deputada estadual Stacey Abrams, a líder democrata na Câmara dos Deputados da Geórgia, disse que a corrida presidencial tem sido uma "graça divina", ao abrir os olhos dos democratas nacionais para oportunidades não imaginadas em seu Estado. A Priorities USA Action, um supercomitê de ação política de apoio a Hillary, está gastando mais de US$ 2 milhões na Geórgia.

Apertando mãos na semana passada de pessoas na área de alimentação de um shopping no condado de DeKalb, no sul do Estado, Abrams disse que o cálculo eleitoral na Geórgia mudou muito.

Os crescentes subúrbios de Atlanta, ela disse, abriram um caminho para a vitória sem a necessidade de conquistar os eleitores conservadores brancos, mas isso apenas se os democratas conseguirem mobilizar os eleitores negros e de outras minorias de forma eficaz.

"Trump tem sido de ajuda, porque permitiu que as pessoas vissem além do preconceito que dizia que o resultado do Sul já estava definido", disse Abrams. A ideia de que as eleições no Sul são decididas pelos eleitores brancos, ela acrescentou, "não á mais verdadeira".

Os democratas dizem que é improvável que a Geórgia coloque Hillary à frente na corrida presidencial e só penderia para ela em caso de uma vitória nacional considerável. Mas para os democratas, o simples fato de poderem competir ali é um sinal do quanto o Sul mudou.

Anthony Foxx, o secretário federal dos Transportes e um ex-prefeito de Charlotte, Carolina do Norte, disse que é quase "inevitável" que Estados como a Virgínia e Geórgia se tornem democratas caso não haja uma grande mudança no Partido Republicano.

"O que as pessoas estão vendo agora é que as tendências demográficas na Carolina do Norte e em vários outros Estados do Sul estão se movendo na direção de políticas mais progressistas", disse Foxx, um democrata.

Reforçados por distritos eleitorais cuidadosamente traçados e pelos resultados de eleições não presidenciais, no qual o comparecimento das minorias costuma ser menor, os republicanos mantiveram o controle do governo estadual em locais como a Geórgia e a Carolina do Norte, assim como em alguns Estados do Oeste.

Mas os líderes republicanos reconheceram que se aproxima um momento de acerto de contas, talvez mais cedo do que o esperado devido à disputa presidencial deste ano. O deputado estadual B.J. Pak da Geórgia, um republicano de origem coreana, disse que duvida que Hillary vencerá no Estado, mas que os líderes de seu partido estão altamente cientes das rápidas mudanças que estão ocorrendo.

Pak, que representa o condado de Gwinnett, uma área suburbana próxima de Atlanta onde as minorias agora superam em número os brancos, disse que neste ano foi difícil recrutar uma lista diversa de candidatos, ou atrair eleitores do sexo feminino ou de minorias.

"Donald Trump realmente tornou as coisas extremamente difíceis", disse Pak, que não apoia o candidato presidencial. "Eles sentem que o partido não é receptivo e isso é um desafio tremendo quando você tenta convencer as pessoas a darem uma chance ao partido."

Bob McDonnell, o ex-governador da Virgínia cuja eleição em 2009 marcou a última grande vitória republicana em um Estado antes asseguradamente conservador, disse que seu partido deve abraçar "os novos americanos, os imigrantes que estão mudando a América, assim como os irlandeses fizeram em meados dos anos 1800". Ele notou que aprendeu frases em coreano e mandarim ao fazer campanha pelo norte da Virgínia.

"Somos acusados, como conservadores, de descartar certos grupos de pessoas por não se enquadrarem em um certo estereótipo político. Você não pode fazer isso como republicano", disse McDonnell. "É uma receita para certo status entre as minorias."

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UOL Notícias

O interior do Oeste

O senador Jeff Flake, republicano do Arizona, sente fortemente a necessidade de o partido estender a mão para as minorias e argumenta que um ingrediente crucial para isso é a aprovação de uma reforma abrangente da imigração.

"Não é possível vencer aqui no Estado se mantiver posições completamente não razoáveis a respeito da imigração", disse Flake, um dos principais republicanos anti-Trump do país.

A tumultuada política interna do Arizona tornou o Estado particularmente convidativo para Hillary e provavelmente um prêmio mais garantido na última semana do que a Geórgia.

Ao longo da última década, a questão em torno do que fazer com os estimados 12 milhões de imigrantes que estão ilegalmente no país rachou o Partido Republicano. Talvez em nenhum outro lugar a questão foi mais divisora do que no Arizona, onde a maioria das crianças entre a pré-escola e a oitava série é latina.

Enquanto Flake e seu colega republicano, o senador John McCain, lideram a ação pelo que os críticos chamam de anistia, o xerife Joe Arpaio, do condado de Maricopa, ganhou proeminência nacional por seu duro tratamento aos imigrantes latinos.

A campanha pela reeleição de Arpaio e a campanha de Trump mobilizaram os moradores latinos do Estado, cujo percentual de eleitores não condizia com seu percentual da população.

Explorando isso, a campanha de Hillary enviou pessoal adicional ao Arizona e enviou representantes de peso, como Michelle Obama e o senador Bernie Sanders de Vermont, para fazerem campanha ali.

Janet Napolitano, uma ex-governadora democrata do Estado, disse que Hillary pode vencer no Arizona, mas que a vitória está longe de garantida. Mas independente de uma vitória, disse Napolitano, não há como voltar atrás.

"O Arizona agora é um Estado em disputa", ela disse.

Os democratas do Oeste alertaram que o diretório nacional do partido não deve interpretar uma vitória em 2016 como uma aprovação de uma agenda fortemente ideológica, mas sim uma rejeição a Trump por uma região que passa por mudanças.

"Quando um partido vence uma eleição decisiva, ele sente como se fosse uma validação das alas mais extremas do partido", disse o governador John Hickenlooper do Colorado, um democrata. "Mas nem sempre é nisso em que as pessoas estão votando."

Até que os republicanos recalibrem sua abordagem e projetem uma mensagem mais inclusiva, os democratas acreditam que seu futuro é ilimitado.

Enquanto ele e sua esposa deixavam o escritório democrata em Casa Grande para sua rodada diária de solicitação de votos, Lee Seabolt, 70 anos, disse que o dilema republicano é uma simples questão de aritmética.

"Há muito mais homens brancos velhos como eu que morrerão ao longo dos próximos quatro anos", ele disse, "e há muito mais latinos que completarão 18 anos e começarão a votar".

Reportagem de Jonathan Martin, em Casa Grande, e de Alexander Burns, em Decatur, Geórgia.