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Opinião: Os Estados Unidos elegeram um intolerante

Yuri Gripas/ AFP
Imagem: Yuri Gripas/ AFP

Charles M. Blow

14/11/2016 06h00

Donald J. Trump é o presidente eleito dos Estados Unidos. Aí está uma sentença que nunca achei que escreveria.

Contra todas as probabilidades e todas as formas de establishment, ele prevaleceu. Ele venceu de forma legítima, inclusive em muitos Estados que achávamos ser seguramente democratas. Os entendidos e as pesquisas erraram. Havia mais fome reprimida por mudança, assim como também ansiedade racial, étnica e econômica, do que muitos modelos levaram em consideração.

Trump será o 45º presidente deste país. Para mim, é um fato realmente chocante, uma pílula difícil de engolir. Sigo convencido de que se trata de uma das piores pessoas possíveis que poderíamos eleger presidente. Sigo convencido de que Trump tem um caráter fundamentalmente falho e é literalmente perigoso para a estabilidade mundial, assim como prejudicial para a posição dos Estados Unidos no mundo.

Há muito que não consigo compreender plenamente.

É difícil saber especificamente como se posicionar em um país que pode eleger um homem com tamanha inépcia e animosidade escancarada. Isso faz você duvidar de qualquer fé que tinha no próprio país.

Além disso, permita-me deixar claro: o empresário Donald Trump era um intolerante. O pré-candidato Donald Trump era um intolerante. O candidato republicano Donald Trump era um intolerante. Só posso presumir que o presidente Donald Trump será um intolerante.

É absolutamente possível que os americanos o elegeram não apesar disso, mas por causa disso. Considere por um segundo. Pense no que isso significa. Essa é a América no momento: depositando sua sorte em um homem que nomeou um simpatizante da direita alternativa como seu chefe de campanha.

Como posso aceitar o fato de que o presidente já apareceu em um vídeo pornô?

Como posso aceitar o fato de que o homem que nomeará o próximo secretário de Justiça já se gabou de ter abusado de mulheres? Como será o alardeado programa de "lei e ordem" desse presidente para as cidades em uma época em que as comunidades das minorias já suspeitam de agressão policial?

Como posso aceitar o fato de que  um homem que atacou um juiz federal por ser descendente de mexicanos será aquele que nomeará o próximo ministro da Suprema Corte e vários juízes federais?

Não consigo aceitar porque não é possível. Terei que conviver com o absurdo da situação.

Terei que conviver com isso desta forma: eu respeito a presidência, mas não respeito esse presidente eleito. Não posso. Considere-me como integrante da resistência.

Espero que haja áreas onde as pessoas em Washington possam concordar e de fato promover os interesses americanos, mas duvido. Trump fez múltiplas promessas de campanha, promessas que será obrigado a cumprir, que causarão especificamente mal.

Meus pensamentos agora se voltam para as famílias de imigrantes que ele ameaçou deportar e para os muçulmanos que ameaçou barrar, para as mulheres que degradou e àqueles que ele é acusado de ter abusado, para os deficientes aos quais ele aparentemente não se incomoda em zombar.

Meus pensamentos se voltam para os pobres que sofrem com problemas de saúde e que finalmente passaram a receber cobertura médica, às vezes cobertura que pode salvar a vida, e o medo que devem estar sentindo agora que há um presidente comprometido em derrubar a reforma da saúde e substituí-la (por qual opção, não sei), e que conta com um Congresso maleável ao seu dispor.

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Quando penso em todas essas pessoas e então penso em todas as que votaram por tornar esse homem presidente, e aquelas que não votaram, portando facilitando o caminho para sua ascensão, não posso deixar de sentir certa raiva. Eu preciso lidar com essa raiva. Mas não quero reprimi-la; quero fazer uso dela.

Passei grande parte da minha vida e definitivamente grande parte do tempo escrevendo esta coluna defendendo as causas das populações vulneráveis. Esse trabalho apenas se tornou mais importante agora. Trump representa um risco claro e imediato e é diante desse risco que coragem e verdade são ainda mais necessárias.

Eu apoio e defendo fortemente uma transferência pacífica de poder neste país e aplaudo o atual governo por fazer o que é certo e normal na América, o que todo governo anterior de saída fez: assegurar que a transferência de poder seja a mais tranquila possível.

Precisamos em certo grau que a presidência Trump seja bem-sucedida, no mínimo para que cause o mínimo dano possível à república, para que os Estados Unidos permaneçam seguros, firmes e fortes durante seu mandato.

Isso não significa que não acredite que Trump seja uma abominação, mas sim que honro uma das marcas de nossa democracia e que sou um americano interessado na proteção da América.

Dito isso, é impossível para mim apoiar um intolerante impenitente. Será impossível para mim ver este homem participando dos cerimoniais e protocolos da presidência sem me recordar de como ele é um demagogo comprovado que também é sexista, racista, xenófobo e um valentão.

Essa é uma pessoa que não é digna de aplauso. É uma pessoa que deve ser colocada sob pressão implacável. O poder deve ser constantemente desafiado. Isso começa hoje.