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Canetada de Trump pode colocar fim a dezenas de medidas aprovadas por Obama

Pablo Martinez Monsivais/AP
Imagem: Pablo Martinez Monsivais/AP

Stacy Cowley

17/11/2016 06h01

Dezenas de medidas importantes aprovadas recentemente pelo governo Obama --incluindo extensas mudanças no atendimento à saúde, na proteção ao consumidor e na segurança ambiental-- poderão ser abolidas por uma canetada de Donald Trump e do Congresso controlado pelos republicanos a partir de janeiro, graças a uma lei pouco utilizada que data de 1996.

E há um detalhe que pode deixar terra arrasada: se a lei for usada para derrubar uma regra, o órgão federal que a emitiu fica proibido de aprovar outra semelhante no futuro.

A lei obscura, chamada Lei de Revisão do Congresso (Congressional Review Act, CRA), foi aprovada 20 anos atrás a pedido de Newt Gingrich, então presidente da Câmara dos Deputados e hoje membro da equipe de transição de Trump. Ela dá ao Congresso 60 dias legislativos para revisar e derrubar importantes regulamentações aprovadas por órgãos federais. No Senado, o voto não pode ser submetido a táticas de obstrução.

O presidente pode vetar a rejeição, o que geralmente torna a lei ineficaz. Mas quando um partido controla a Casa Branca e o Congresso, ela pode ser uma arma legislativa poderosa.

Até agora só foi usada com sucesso uma vez, em 2001, quando o Congresso de maioria republicana a invocou para eliminar regras de segurança no trabalho aprovadas nos últimos meses do governo Bill Clinton. O presidente George W. Bush assinou a rescisão dois meses depois de sua posse, eliminando regras ergonômicas mais rígidas que estavam em elaboração havia dez anos.

Em 20 de janeiro, quando Trump assumir a Presidência com um Congresso controlado por republicanos --que já indicou sua intenção de desfazer atos do presidente Barack Obama--, mais de 150 regulamentos aprovados desde maio ficarão potencialmente vulneráveis a cortes, segundo uma análise do Centro de Estudos Regulatórios da Universidade George Washington.

"Ela permite que os resultados da eleição sejam aplicados quase de forma retroativa, para eliminar qualquer atividade que aconteça no fim do último governo", disse Adam Levitin, professor de direito em Georgetown.

Os regulamentos ameaçados incluem:

  • Muitas ordens ambientais, inclusive limites ao uso de formaldeído e regras mais rígidas de eficiência de consumo de combustíveis;
  • Uma proibição da Agência de Alimentos e Drogas sobre a venda de sabonetes bactericidas;
  • A exigência de que fornecedores do governo federal paguem licenças médicas a seus funcionários;
  • Proteções mais rígidas ao consumo com cartões de crédito pré-pagos;
  • Perdão de empréstimos federais a estudantes em escolas que fecharam;
  • Regulamento que proíbe os lares de idosos que recebem verbas federais de exigir que os moradores resolvam todas as disputas por meio de arbitragem, e não em tribunais.

Sob a liderança do presidente da Câmara, Paul Ryan, a casa usou a lei diversas vezes para tentar rejeitar políticas do governo Obama. Essas contestações foram simbólicas --Obama vetou todas as que chegaram a sua mesa--, mas o presidente-eleito Trump poderá aprovar qualquer uma que lhe enviem depois de assumir o cargo. O gabinete de Ryan não respondeu a pedidos de comentários.

"Não acho que eles vão querer derrubar todos os regulamentos, mas 80% serão visados", disse Sam Batkins, diretor de política regulatória no Forum de Ação Americano, um grupo de direita que vem acompanhando os regulamentos que são submetidos à revisão do Congresso.

A ameaça representada pela lei pode desacelerar o ritmo habitual de "regulamentação à meia-noite" que os administradores geralmente correm para terminar em seus últimos dias.

Neste ano, será um jogo apertado entre apresentar uma regra e esperar que ela sobreviva, ou segurá-la para preservar a probabilidade de ser revista no futuro.

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AFP

"Eu imagino que haverá uma séria discussão sobre as regras que eles pretendem encerrar", disse Susan Dudley, diretora do centro da Universidade George Washington. "A franqueza do CRA pode ser exatamente o que o torna atraente para o próximo Congresso e o presidente."

O Departamento do Trabalho nunca tentou reviver a regra que Bush derrubou.

"Como isto só foi feito uma vez, não há histórico de litígio", disse Stuart Shapiro, um professor de política pública em Rutgers que trabalhou anteriormente no Escritório de Informação e Assuntos Regulatórios, a unidade que coordena revisões dos regulamentos do Poder Executivo.

"Isso elimina a regra por algum tempo, pelo menos", disse ele. "Não sabemos o que aconteceria se uma agência eventualmente decidisse tentar de novo."

Como o Congresso tira tantos recessos, 60 dias legislativos se estendem por muitos meses. O Serviço de Pesquisa do Congresso calcula que o prazo para revisão das regras do governo Obama será no final de maio, com base no cronograma para o resto do ano.

Um adiamento precoce ganharia alguns dias extras para o Congresso. Quando o novo Congresso se reunir, o relógio volta ao zero e os legisladores têm tempo adicional para rever as regras.

Alguns deputados republicanos estão ávidos para cortar tudo o que seja possível.

Na terça-feira (14), o Departamento do Interior emitiu uma nova regra destinada a controlar as emissões de metano --um poderoso gás do efeito estufa-- dos poços de petróleo e gás natural em terras federais e de tribos indígenas.

É uma parte relativamente pequena de um conjunto maior de regulamentos que o governo Obama vem emitindo para evitar vazamentos de poços, usinas de processamento e oleodutos. Com algumas exceções, a indústria de petróleo e gás se opõe aos regulamentos como caros e desnecessários.

O senador republicano Jim Inhofe, de Oklahoma, disparou uma declaração ameaçando a medida.

"O Congresso tem muitas ferramentas com as quais rescindir esta regra, e eu olho à frente para trabalhar com o futuro governo Trump para garantir que a expansão econômica prevaleça sobre a interferência burocrática desorientada", disse ele.

Daisy Letendre, diretora de comunicação de Inhofe, disse que a Lei de Revisão Congressional é uma das "ferramentas" a que ele se referiu.