Topo

Imigrantes que chegaram aos EUA na infância temem ser deportados por Trump

Carlos Roa, cujos pais vieram da Venezuela quando ele era uma criança, participa de um evento pró-imigrantes em Chicago - Alyssa Schukar/The New York Times
Carlos Roa, cujos pais vieram da Venezuela quando ele era uma criança, participa de um evento pró-imigrantes em Chicago Imagem: Alyssa Schukar/The New York Times

Julia Preston e Jennifer Medina

23/11/2016 06h00

Trazido da Venezuela aos Estados Unidos com apenas 2 anos, Carlos Roa esteve entre os primeiros jovens imigrantes ilegais protegidos da deportação por um programa criado pelo presidente Barack Obama, em 2012, por meio de uma ação executiva (algo parecido a uma medida provisória no Brasil).

De lá para cá Roa, atualmente com 29 anos, chegou à faculdade e agora está estudando para ser arquiteto, desenhando plantas em uma firma de Chicago.

Mas com a eleição de Donald Trump, Roa e 750 mil outros imigrantes no programa, que chegaram aos Estados Unidos ainda crianças, foram tomados por uma onda de ansiedade, preocupados em perder os avanços que conseguiram e serem forçados a voltar à clandestinidade ou até mesmo serem deportados. Trump prometeu "cancelar imediatamente" as ações executivas de Obama envolvendo imigração, inclusive a iniciativa para os jovens.

Com raízes profundas nos Estados Unidos e contando com muitos apoiadores em grupos de direitos civis, universidades e prefeituras, que já estão se mobilizando para protegê-los, muitos dos que chegaram ao país quando eram pequenos disseram estar preparados para combater os esforços para colocar fim ao programa ou expulsá-los do país.

"Estou aqui há 27 anos e não vou a lugar nenhum", disse Roa, entre sessões de estratégia na Casa Michoacán, um local de encontro em Chicago onde os imigrantes planejam as ações de resistência.

Carlos Roa - Alyssa Schukar/The New York Times - Alyssa Schukar/The New York Times
Carlos Roa, cujos pais vieram da Venezuela quando ele era uma criança
Imagem: Alyssa Schukar/The New York Times


Os imigrantes jovens, que chamam a si mesmo de Sonhadores, já estão protestando em muitas faculdades e convocaram uma marcha de Nova York a Washington. Eles estão pressionando universidades e empregadores a se organizarem em defesa do programa e estão fazendo planos para santuários em campi universitários e igrejas.

O cancelamento do programa é uma medida que Trump poderia tomar para satisfazer seus eleitores, que rejeitam as ações executivas de Obama como anistias ilegais e exemplos de abusos do poder presidencial. Um programa mais amplo para os pais ilegais de cidadãos americanos e moradores legais foi suspenso neste ano pela Suprema Corte.

Entre latinos e imigrantes, o programa, chamado Ação Diferencial para Chegados na Infância (Daca, na sigla em inglês), é muito popular, o único avanço que Obama conseguiu para os imigrantes ilegais.

A maioria dos jovens no programa é latina, e as organizações latinas deram prioridade a protegê-los, disse Daniel Garza, o presidente da Libre Initiative, uma organização de defesa latina conservadora.

"Essas crianças serão expostas caso o Daca seja cancelado e isso é injusto", disse Garza. "Deveríamos manter as famílias unidas, não separá-las."

Trump não forneceu detalhes de seus planos e sua equipe de transição não respondeu aos e-mails pedindo comentários.

Mas o programa foi elaborado por meio de diretrizes escritas pela secretária de Segurança Interna na época, Janet Napolitano (não houve nem mesmo uma ordem presidencial formal), de modo que pode ser cancelado com apenas uma canetada do novo secretário.

Os imigrantes estão levando Trump a sério quando ele disse que eliminaria o programa: ele escolheu o senador Jeff Sessions, republicano do Alabama e um dos mais vigorosos oponentes do programa, como secretário de Justiça.

Outro conselheiro de Trump, Kris Kobach, o secretário de Estado republicano do Kansas, impetrou sem sucesso um processo federal contra o programa em 2012.

As promessas de Trump são preocupantes para os imigrantes, porque quando se inscreveram no programa, eles forneceram dados pessoais, inclusive os nomes dos pais, endereços, contas de água e luz e histórico escolar, para os Serviços de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos. As autoridades suspenderam qualquer ação para deportá-los e lhes deu licenças renováveis de trabalho por dois anos, mas sem status oficial de imigração.

Trump confirma que expulsará imigrantes ilegais do país

Band Notí­cias

Funcionários do governo disseram que a agência de cidadania pode ser instruída a entregar a informação aos agentes da Segurança Interna, que poderiam rastrear os imigrantes e deportá-los, assim como seus pais.

Trump também poderia adotar uma abordagem menos dura, ao permitir que as atuais licenças de trabalho expirem e não renová-las, mas sem iniciar deportações.

Os grupos de defesa foram inundados por chamadas de pessoas com medo ou abatidas.

Ruben Rivas, um imigrante mexicano de 27 anos, disse que tem oscilado entre medo, tristeza e negação. Em 2012, Rivas, filho de imigrantes ilegais que passaram suas vidas trabalhando em empregos de salário mínimo, se formou pela Universidade Estadual de San Jose com diploma em finanças empresariais.

Ele se inscreveu naquele ano no Daca, sem se preocupar em fornecer ao governo detalhes sobre sua vida. Agora ele trabalha como consultor financeiro e é coproprietário de uma firma de contabilidade tributária.

"O primeiro pensamento que tive foi que fiz tudo certo e tudo será tirado de mim", ele disse sobre seu temor a respeito do futuro do programa. "A sensação é um pouco como ser traído. Estou aqui desde que tinha 4 anos. Sou americano."

Na semana passada, Obama apelou a Trump para que "pense seriamente" antes de cancelar o programa.

Dick Durbin de Illinois, o segundo mais importante democrata no Senado, disse no plenário e pelo Twitter que faria "tudo que puder" para salvar o programa e proteger "os sonhadores, que se apresentaram para contribuir" para o país.

Grupos de direitos estão encorajando os imigrantes que precisam renovar o programa a fazê-lo rapidamente. Mas ao mesmo tempo pedem a novos interessados que não se inscrevam.

"No momento, o risco para todos é muito maior do que o benefício potencial", disse Daniel Sharp, diretor legal do Central American Resource Center, uma organização de ajuda legal sem fins lucrativos em Los Angeles. Os grupos estão pressionando o governo Obama a acelerar as aprovações para eliminar qualquer acúmulo antes que Trump tome posse.

Na quinta-feira, três democratas da Câmara, incluindo o deputado federal Luis V. Gutiérrez de Illinois, pediram a Obama que emitisse um perdão aos imigrantes no programa. Mas funcionários da Casa Branca disseram que o presidente não tem autoridade para conceder um perdão que forneça proteção duradoura.

Se suas licenças de trabalho forem canceladas ou expirarem, os imigrantes poderiam enfrentar uma série de consequências, como perda de emprego, cancelamento de carteiras de motorista, de certificados profissionais e a perda de programas estaduais de subsídio ao ensino superior. O impacto variaria de um Estado para outro. Em lugares como a Califórnia, lar de metade de todos os participantes do Daca, e Nova York, proteções adicionais são garantidas por lei. Mas no Sul e no Meio-Oeste, onde há menos proteções, "as pessoas podem realmente se ver visadas", disse Roberto Gonzales, um professor de Harvard que tem estudado os jovens no programa.