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"Efeito Trump" já afeta acontecimentos pelo mundo

21.mar.2016 - Donald Trump discursa na conferência do Comitê Americano de Relações Públicas de Israel, em Washington - Doug Mills/The New York Times
21.mar.2016 - Donald Trump discursa na conferência do Comitê Americano de Relações Públicas de Israel, em Washington Imagem: Doug Mills/The New York Times

Peter Baker*

Em Jerusalém (Israel)

30/11/2016 06h00

Dias depois da eleição de Donald Trump à Presidência dos EUA, o urbanista-chefe da Prefeitura de Jerusalém declarou o fim da era de conter a construção de moradias para judeus em bairros sob disputa, em deferência às objeções de Washington.

Na semana passada ele deu prosseguimento, apresentando um plano há muito adiado de construir 500 casas, uma primeira etapa de outros milhares de residências. O gabinete do prefeito insistiu que o momento foi coincidência e que não se tratou de uma decisão política. Mas o planejador deixou claro que viu um sinal verde para prosseguir, "agora que Trump" havia vencido.

Chamem isso de "Efeito Trump". Em todo o mundo, a eleição do republicano já está moldando acontecimentos --ou pelo menos parece estar--, apesar de ele só tomar posse daqui a sete semanas. Empresas que esperam lucrar com as políticas econômicas de Trump viram suas ações dispararem. Os países que temem sua posição anticomércio viram o valor de suas moedas despencar em relação ao dólar. Governos estão recalibrando suas políticas de comércio, defesa e imigração.

O comportamento dos mercados globais em relação a Trump tem sido desigual. Na segunda-feira (28), as ações e o dólar caíram ligeiramente e os preços dos títulos aumentaram, talvez indicando uma certa cautela depois do surto pós-eleitoral nas Bolsas.

Boa parte da reação mista dos mercados reflete a incerteza sobre um novo presidente que nunca ocupou um cargo público, deixando os líderes políticos, executivos de empresas e instituições internacionais a apostar em como um governo Trump poderá reformular regras que orientaram os assuntos globais sob presidentes americanos dos dois partidos.

"Para aliados e adversários igualmente, a eleição de Donald Trump representa o provável abandono de décadas de compromisso dos EUA de manter a ordem global", disse Ivo Daalder, um ex-embaixador na Otan que hoje é presidente do Conselho de Assuntos Globais de Chicago.

Para alguns, houve inicialmente uma previsão promissora. As Bolsas dos EUA e estrangeiras subiram, no que alguns analistas chamaram de "salto [ou tropeção] Trump". O índice industrial Dow Jones quebrou vários recordes desde a eleição, e na semana passada bateu 19.000 pela primeira vez, em meio a expectativas de mais políticas regulatórias propícias às empresas. Bancos de investimento como Goldman Sachs se saíram especialmente bem.

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As firmas europeias também viram suas ações subirem. O Deutsche Bank, cujas ações dispararam até 17% após a eleição, tem motivos para otimismo além de seus antigos laços com as empresas de Trump. Com o Departamento de Justiça propondo uma multa de US$ 14 bilhões ao iniciar negociações com o banco sobre sua condução dos títulos baseados em hipotecas na crise financeira de 2008, alguns na Alemanha esperam que um novo governo facilite e abrande os regulamentos.

Outra companhia que viu o valor de sua ação aumentar desde a eleição é a israelense Magal Security Systems, que ajudou a desenvolver barreiras de segurança de alta tecnologia ao redor de Gaza e da Cisjordânia. Com a promessa de Trump de construir um muro na fronteira com o México, os investidores esperam que firmas como a Magal possam pegar parte dos negócios. As ações da Magal subiram até 24% em relação a seu nível pré-eleição, com um volume de negócios até 150 vezes maior.

Pela mesma razão, o México sofreu um golpe econômico desde a eleição. Além do muro, Trump prometeu se retirar do Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte na sigla em inglês). O peso mexicano caiu acentuadamente e seu banco central cortou na semana passada sua projeção de crescimento para o próximo ano, citando "o processo eleitoral nos EUA".

Outras economias reagiram com trepidação em meio a temores de que as políticas de Trump possam estimular as taxas de juros e a inflação, expectativa que alguns corretores chamam de "trumpflação".

Alguns países estão tentando entender como reagir de outras maneiras. Líderes dos aliados da Otan procuram aumentar os orçamentos militares em reação à insistência de Trump de que eles paguem uma parcela maior de sua defesa. A Lituânia escolheu na semana passada um novo primeiro-ministro, que renovou a promessa do país de aumentar os gastos em segurança.

Nas Filipinas, cujo presidente, Rodrigo Duterte, teve disputas com o presidente Barack Obama, o governo tentou obter favores na Washington de Trump. Duterte nomeou como seu novo enviado comercial aos EUA Jose E. B. Antonio, um magnata dos imóveis que está ajudando a construir a Trump Tower em Manila, capital filipina. Depois que o Reino Unido recusou a sugestão de Trump de nomear Nigel Farage, um líder da campanha do Brexit --a saída da União Europeia--, como embaixador nos EUA, o "Times" de Londres relatou que Farage poderá mudar-se para os EUA de qualquer modo.

Em muitos lugares, ainda há muita gente coçando a cabeça por causa de Trump. O jornal de grande circulação na Alemanha "Bild Zeitung" conseguiu direitos exclusivos de traduzir para o alemão toda a entrevista que Trump deu a "The New York Times" na semana passada. A Bungeishunju, editora japonesa do livro "Trump Revealed" [Trump revelado], dos jornalistas Michael Kranish e Marc Fisher, do "Washington Post", imprimiu mais 10.000 exemplares.

Na China, o otimismo inicial sobre Trump está dando lugar ao ceticismo. "Devemos parar de imaginar que benefícios a eleição de Trump poderá trazer à China", disse Zhu Chenghu, um major-general aposentado, em um seminário na Academia Chinesa de Ciências Sociais em Pequim, na sexta-feira. "Ele retomará as políticas tradicionais que contam com o papel do dólar americano e buscam a expansão internacional."

A eleição de Trump está recebendo crédito, ou sendo acusada, por todo tipo de acontecimento, mesmo periféricos. Na Rússia, um jornal entrevistou um analista que sugeriu que a prisão de um ministro acusado de corrupção pode ter resultado do sucesso de Trump, porque Moscou não precisa mais temer ações contra protegidos de reformistas que já foram próximos de Washington.

Em nenhum lugar o Efeito Trump foi mais visível que em Jerusalém, onde a direita política comemorou abertamente a eleição. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que teve um relacionamento espinhoso com Obama, deixou claro para parceiros que está muito feliz com a ascensão de Trump.

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Reuters

Membros da coalizão de Netanyahu esperam que o americano abandone a prática de Obama e de presidentes de ambos os partidos que tentaram conter Israel na construção de moradias na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Pouco depois da eleição, um assessor de Trump disse que os assentamentos não são um obstáculo à paz, parecendo adotar o argumento de Netanyahu.

"As próximas semanas apresentarão uma janela de oportunidade única para Israel", disse Naftali Bennett, que lidera um partido pró-assentamentos no gabinete de Netanyahu, em uma conferência patrocinada pelo jornal "The Jerusalem Post" na semana passada. Após anos de pressão americana, acrescentou ele, "cabe a nós decidir".

Betty Jerschman, diretora de relações internacionais da Ir Amim, um grupo que se opõe à construção de assentamentos, disse que é cedo demais para saber qual será de fato a política de Trump. Mas ela disse que uma coisa está clara: "A direita israelense já está comemorando".

Um caso típico foi a decisão na semana passada sobre 500 novas unidades habitacionais em Ramat Shlomo, um bairro ultraortodoxo na Jerusalém Oriental anexada, do outro lado da "linha verde" que marca a fronteira existente antes de Israel ganhar a guerra de 1967. O loteamento estava em obras há anos sem ser construído. Um anúncio de sua continuidade feito em 2010, enquanto o vice-presidente Joe Biden visitava Israel, enfureceu Obama e sua equipe.

Brachie Sprung, uma porta-voz do prefeito Nir Barkat, disse que o ato na semana passada da comissão municipal de planejamento foi consequência de o empreiteiro ter voltado à cidade com revisões em seu projeto que exigiam nova aprovação.

"Não houve uma declaração política aqui com esse terreno", disse ela.

Mas era fácil ver a medida no contexto da era Trump emergente. Meir Turgeman, o vice-prefeito que lidera a comissão de planejamento, havia prometido dias antes adiantar 7.000 unidades habitacionais que estavam atrasadas por pressão dos EUA, e citou Ramat Shlomo como exemplo.

"Pretendo aproveitar a troca de guarda nos EUA e levá-las a aprovação", disse Turgeman ao Canal 2 de Israel. Até agora, segundo ele, houve pressão do gabinete de Netanyahu para não seguir em frente, para não irritar Washington. "Isso terminou. De agora em diante, pretendemos tirar os projetos do congelador."

* Colaboraram na reportagem Geeta Anand, de Nova Déli; Steven Erlanger, de Londres; Yufan Huang, de Pequim; Ivan Nechepurenko, de Moscou; Motoko Rich, de Tóquio; e Alison Smale, de Berlim.