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Menina de Aleppo posta no Twitter e ganha simpatia da web, mas será que ela é real?

Reprodução/Twitter @AlabedBana
Imagem: Reprodução/Twitter @AlabedBana

Rick Gladstone, Megan Specia e Sydney Ember

09/12/2016 06h00

Ela tem 7 anos, covinhas, enfeite de cabelo cor-de-rosa, um dente da frente faltando e fala um inglês sofrível. E chamou a atenção do mundo há três meses, com mensagens pelo Twitter sobre bombas, morte e desespero no leste de Aleppo, a área controlada pelos rebeldes na cidade síria.

A menina, Bana al-Abed, desde então atraiu mais de 220 mil seguidores no Twitter, onde sua conta diz que é administrada pela mãe, Fatemah, que também posta mensagens ali. Os seguidores de Bana no Twitter incluem a escritora best-seller J.K. Rowling, que ficou tão sensibilizada pela história dela de sobrevivência que lhe enviou livros eletrônicos de Harry Potter. Organizações de notícias ocidentais produziram artigos e segmentos de televisão exaltando a bravura de Bana diante do medo, e ela foi tema de uma coluna do "New York Times" em outubro.

Assim, quando a conta de Bana no Twitter, @AlabedBana, foi desativada no último fim de semana, enquanto forças militares sírias avançavam contra o leste de Aleppo, muitos passaram a temer pela vida dela. A conta, entretanto, reapareceu na terça-feira.

E em uma nova postagem na quarta-feira, a conta de Bana sugeriu que tropas terrestres sírias tinham tomado seu bairro.

As imagens de crianças sofrendo na Síria ocasionalmente pontuam a consciência do mundo, ao mesmo tempo em que se tornou acostumada com a violência dos quase 6 anos de conflito do país. Assim como Alan Kurdi, o menino sírio de 2 anos cujo corpo afogado foi descoberto em uma praia na Turquia, e Omran Daqneesh, atordoado e ensaguantedo após sua casa em Aleppo ter sido bombardeada, Bana tocou um nervo.

Mas em um tempo de fraudes pela internet e uso cada vez maior de notícias falsas por todo o mundo para promoção de agendas políticas, a conta de Bana no Twitter também levantou dúvidas sobre a veracidade e autenticidade.

As mensagens dela são sofisticadas para uma menina de 7 anos, por exemplo, particularmente para alguém cuja língua nativa não é o inglês.

Outras apresentam erros gramaticais que desarmam e provocam simpatia.

Algumas pessoas questionam se os vídeos no qual Bana fala foram ensaiados ou alterados.


O fato de grande parte do conflito na Síria ser inacessível aos jornalistas, que com frequência não têm como confirmar a procedência da informação diretamente, amplifica essas preocupações.

Segundo a mãe de Bana, que se descreveu como uma professora de inglês de 26 anos e que conversou como o "New York Times" via Skype e Whatsapp, as postagens no Twitter se originaram no leste de Aleppo, onde Fatemah disse que vive com Bana e os dois filhos mais novos dela, Mohamed, 5 anos, e Noor, 3.

Todos aparecem em fotos e vídeos postados pela conta @AlabedBana. Mas Bana é a única que passa tempo significativo diante da câmera ou que fala com seus seguidores em inglês. Ela aparece em muitos dos videoclipes lendo um cartão ou tendo memorizado suas falas.

Abdulkhafi Alhamdo, um proeminente ativista do leste de Aleppo que conhece a família, disse pelo Whatsapp, na quarta-feira, que Bana e sua mãe suspenderam temporariamente suas postagens pelo Twitter no fim de semana por razões de segurança.

"O pai dela disse que eles estão com medo de uma vingança por parte do regime", ele disse. "O regime conta com agentes e espiões aqui."

Alguns especialistas em ética na mídia disseram que, apesar do apelo dessa narrativa de partir o coração, ainda mais tendo uma menina pequena em seu centro, os órgãos de notícias deveriam abordar a conta com ceticismo e algumas deixaram muito a desejar.

"Há sempre a dúvida sobre se uma menina de 7 anos está sendo usada como ferramenta de propaganda, e se for o caso, por quem", disse Jane E. Kirtley, uma professora de ética na mídia e direito da Universidade de Minnesota. "Às vezes nos apaixonamos por um conceito e basicamente ignoramos coisas que minariam esse conceito, ignoramos coisas que deveriam ser bandeiras vermelhas."

Ela acrescentou: "Para mim, minha antena sempre fica alerta quando a história é assim atraente".

Kathleen Bartzen Culver, a diretora para o Centro para a Ética no Jornalismo da Universidade de Wisconsin-Madison, disse que alguns órgãos de notícias, incluindo programas matinais de notícias das grandes emissoras nos Estados Unidos, parecem ter "suspendido o ceticismo".

"Há momentos em que leio ou assisto algo em que penso: 'Não acho que estamos empregando nosso pensamento crítico no momento'", ela disse.

Mas ela também disse que o questionamento ou difamação da conta de Bana no Twitter também deveriam ser contestados.

"Não podemos apenas questionar a fonte", ela disse. "Temos que também questionar a pessoa que acusa a fonte de ser parte de um esquema de propaganda."