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Opinião: "Bolha liberal" não ajuda universitários dos EUA a entender os conservadores

5.dez.2016 - Estudantes de Boston protestam contra Trump na assembleia estadual - Scott Eisen/Getty Images/AFP
5.dez.2016 - Estudantes de Boston protestam contra Trump na assembleia estadual Imagem: Scott Eisen/Getty Images/AFP

Nicholas Kristof

19/12/2016 05h00

Após a eleição de Donald Trump, algumas universidades se encheram de uivos primitivos. Professores cancelaram aulas para chorar, alunos apavorados se perguntavam: como isso pode estar acontecendo?

Eu compartilho as apreensões com o presidente eleito Trump, mas também temo que a reação serve como evidência de quão isoladas as universidades se tornaram. Quando os alunos habitam bolhas liberais, eles deixam de aprender muito sobre seu próprio país. Para ter uma educação plena, os estudantes deveriam conhecer não apenas Platão, mas também os republicanos. 

Nós liberais gostamos de apontar as hipocrisias de Trump, mas deveríamos também tratar de nossa própria hipocrisia no terreno que governamos, como a maioria das universidades: com frequência, nós abraçamos todo tipo de diversidade, exceto a ideológica. Repetidos estudos apontam que cerca de 10% dos professores de ciências sociais ou humanas são republicanos. 

Defendemos a tolerância, exceto com conservadores e cristãos evangélicos. Queremos ser inclusivos com pessoas com aparência diferente da nossa, desde que pensem como nós. 

Temo que o ultraje liberal com a presidência de Trump exacerbará o problema das câmaras de eco liberais, ao criar um ambiente mais hostil para os conservadores e evangélicos. A falta de diversidade ideológica nos campi já representa um desserviço aos alunos e ao próprio liberalismo, com este despencando em alguns campi em uma autoparódia. 

Na Faculdade Oberlin, logo após a eleição, os alunos iniciaram protestos após uma padaria local ter sido acusada de preconceito contra um estudante negro em um caso de furto. O centro acadêmico apoiou o boicote da padaria, com manifestantes carregando cartazes chamando o proprietário de racista. 

Mas as alegações de um padrão de comportamento racista foram minadas pelos registros policiais mostrando que o maior número de pessoas detidas por furto na padaria era branca. Esse pode ter sido um caso de histeria liberal. 

Algumas pessoas podem dizer que é OK ser intolerante com a intolerância, discriminar contra discriminadores que concordam com o histórico de Trump de racismo e misoginia. Por todos os meios, erga-se contra os intolerantes. Mas realmente queremos caricaturar metade dos americanos, alguns dos quais votaram duas vezes no presidente Barack Obama, como sendo racistas intolerantes? Talvez se conhecêssemos mais eleitores de Trump, estaríamos menos inclinados a estereotipá-los. 

Independente de qual seja nossa inclinação política, habitar em uma bolha nos torna mais estridentes. Cass Sunstein, um professor de Harvard, realizou um estudo fascinante de como o pensamento de grupo molda os juízes federais quando são escolhidos aleatoriamente para painéis de três juízes. 

Quando juízes liberais se veem temporariamente em um painel composto por outros liberais, eles geralmente pendem à esquerda. Da mesma forma, juízes conservadores geralmente pendem à direita quando agrupados com outros conservadores. 

É o equivalente judicial do comportamento de bando. E se isso acontece com juízes, imagine o que acontece conosco. 

Sunstein, um liberal e democrata que trabalhou no governo Obama, concluiu que as melhores decisões judiciais vem de painéis mistos, onde os juízes precisam confrontar contra-argumentos. 

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Mas as universidades são com frequência o equivalente aos painéis de três juízes liberais e o tradicional predomínio democrata aumentou muito desde meados dos anos 90, aparentemente por uma combinação de discriminação e autosseleção. Metade dos acadêmicos em alguns campos disseram em uma pesquisa que discriminariam contra um evangélico em decisões de contratação. 

O argumento mais fraco contra a diversidade intelectual é a de que os conservadores e evangélicos não têm nada a adicionar à conversa. "A ideia de que ideias conservadoras são tolas é tão absurda que é preciso viver em uma câmara de eco para pensar assim", me disse Sunstein. 

É claro, não deveríamos empoderar racistas e misóginos nos campi. Mas independente do que alguns liberais pensam, "conservador" e "intolerante" não são sinônimos. 

Um dos cientistas mais eminentes dos Estados Unidos é Francis Collins, um cristão evangélico que é diretor dos Institutos Nacionais de Saúde. Poucos acadêmicos tiveram um impacto tão grande no pensamento moderno quanto Gary Becker, o economista conservador da Universidade de Chicago. Condoleezza Rice, a secretária de Estado de George W. Bush, acrescentaria valor a qualquer campus. 

Não estou defendendo uma ação afirmativa para conservadores, em parte porque acadêmicos conservadores dizem não desejar tratamento preferencial. Mas acho que podemos nos esforçar mais para recrutar candidatos que representem pontos de vista diferentes, trazer oradores conservadores aos campi e evitar um ambiente de trabalho hostil para conservadores e evangélicos. 

Estamos vendo um aumento dos crimes de ódio na sociedade ligado à ascensão de Trump, de modo que a última coisa que precisamos nos campi é um iliberalismo recíproco, desta vez por parte dos liberais. 

Como indivíduos, também podemos seguir pessoas inteligentes nas redes sociais das quais discordamos. Em meu mais recente boletim por e-mail, eu sugeri alguns conservadores que merecem ser seguidos. 

Eu temo o estrago que um governo Trump pode causar, da saúde à política externa. Mas esta eleição também ressalta que estamos fora de contato com grande parte do país e poderemos reagir de forma mais eficaz se estivermos menos isolados. 

Quando as universidades são câmaras de eco, elas se tornam uma piada para os conservadores, e a ansiedade liberal pode ser um motivo para a popularidade de Trump ter aumentado desde sua eleição. 

É triste o fato de que atualmente "isso é acadêmico" com frequência significar "isso é irrelevante". Um passo para corrigir isso para nós liberais é abraçarmos a diversidade que supostamente defendemos.

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