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Deportação e proibição: como viajantes tiveram a vida alterada pelo decreto de Trump

29.jan.2017 - Grupo de manifestantes faz protesto contra decreto de Trump no aeroporto internacional de Forth Worth, em Dallas - Dylan Hollingsworth/The New York Times
29.jan.2017 - Grupo de manifestantes faz protesto contra decreto de Trump no aeroporto internacional de Forth Worth, em Dallas Imagem: Dylan Hollingsworth/The New York Times

30/01/2017 13h00

Uma mãe iraquiana a caminho de encontrar seu filho, que parecia ter-se perdido no Aeroporto Kennedy em Nova York. Uma pesquisadora médica iraniana especializada em tuberculose, cujo cartão de embarque de repente produziu uma luz vermelha no portão do aeroporto em Frankfurt, na Alemanha. Irmãos iemenitas que esperavam reunir-se a seu pai em Michigan recusados e devolvidos à Etiópia, onde ficaram empacados indefinidamente.

Às 16h42 de sexta-feira (27) em Washington, quando o presidente Donald Trump assinou seu decreto executivo que proíbe refugiados de entrar nos EUA e barra a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana, ele virou de ponta-cabeça a vida de pessoas que haviam esperado, às vezes durante anos, pelos documentos de viagem que lhes permitiriam entrar nos EUA.

Na confusão que se seguiu, seu destino muitas vezes dependia de um golpe de sorte --boa ou má. Veja abaixo uma seleção de retratos dos que foram afetados pela proibição.

Tareq Aqel Mohammed Aziz e Ammar Aziz

(Por Liz Robbins)

Quando os dois irmãos do Iêmen pousaram no Aeroporto Internacional Dulles, na Virgínia, na manhã de sábado (28), pensaram que fossem pegar uma conexão para Flint, em Michigan, para encontrar seu pai.

Mas Tareq Aqel Mohammed Aziz, 21, e seu irmão Ammar Aziz, 19, foram retirados do avião, algemados e levados para uma sala. Duas horas depois, estavam no mesmo avião, voltando para a África.

Os dois rapazes tinham vistos de imigrantes, o que significa que tiveram aprovada sua residência permanente nos EUA, porque seu pai, Tareq Aqel Muhammad Aziz, é um cidadão americano.

"Eles decolaram duas horas antes de o decreto ser assinado", disse seu advogado, Simon Y. Sandoval-Moshenberg, diretor jurídico do programa de advocacia de imigrantes no Centro de Ajuda Legal e Justiça. "Eles não tinham ideia de onde estavam pisando. Aquele era o momento pelo qual esperavam, e de repente se transformou em um filme de terror."

Como a embaixada americana no Iêmen está fechada desde 2015, os irmãos tiveram de ir a Djibuti para ter seus vistos aprovados. Sandoval-Moshenberg disse que os irmãos ouviram das autoridades na Virgínia: "Seus vistos foram cancelados. Vocês têm de assinar este formulário. Se não assinarem, serão proibidos de entrar nos EUA por cinco anos."

Os irmãos assinaram. Mas então as autoridades da alfândega disseram que eles tinham de voltar à África imediatamente. Isso provavelmente significava, segundo Sandoval-Moshenberg, que eles tinham assinado um formulário desistindo voluntariamente de seus direitos de residência permanente.

Nem os advogados nem o pai dos jovens sabiam o que estava acontecendo, acreditando que eles estivessem detidos em Dulles. Sandoval-Moshenberg abriu uma queixa em nome deles e de mais cerca de 60 pessoas detidas no aeroporto.

À 0h de sábado, Aziz recebeu um telefonema de seus filhos. Eles estavam em Adis Abeba, na Etiópia.

E agora eles estão presos lá indefinidamente. As autoridades etíopes, segundo Sandoval-Moshenberg, confiscaram os passaportes iemenitas dos irmãos. Os voos estão suspensos por causa da guerra no Iêmen, e sem passaporte eles não podem voltar a Djibuti, onde passaram mais de um mês antes de receberem seus vistos.

"Eles realmente estão em um limbo no estilo Tom Hanks", disse seu advogado.

Zabihollah e Mahmood Zarepisheh

(Por Liz Robbins)

Masoud Zarepisheh deveria estar comemorando o nascimento de sua primeira filha, Liana, que nascera quatro dias antes em Nova York. Mas na manhã de domingo (29) ele estava no Aeroporto Internacional Kennedy esperando seu pai de 60 anos e um irmão de 30, que estiveram detidos durante mais de 30 horas ao chegarem do Irã na manhã de sábado.

"Estou furioso com esse presidente", disse Zarepisheh. "Em vez de estar em casa cuidando de um recém-nascido, estamos sofrendo tamanha pressão."

Zarepisheh, 36, um cidadão americano, é pesquisador no Departamento de Física Médica do Centro de Câncer do Memorial Sloan Kettering. Sua mulher, também cidadã, trabalha no Departamento de Saúde e Higiene Mental da Prefeitura.

Sua mãe chegou há duas semanas do Irã, para ver o nascimento do bebê. Ela não parou de chorar, juntamente com o recém-nascido, segundo ele. Zarepisheh conseguiu falar com seu irmão, Mahmood, e seu pai, Zabihollah, só duas vezes desde a manhã de sábado. Eles também estavam chorando ao telefone, disse ele.

Portadores de vistos de turistas válidos, eles foram mantidos primeiramente no Terminal 1, depois de pousar, mas foram levados ao Terminal 4 no sábado à noite. Zarepisheh disse que eles teriam dormido em cadeiras.

Um matemático que fez doutorado no Irã e pós-doutorado na Universidade Stanford, Zarepisheh ficou aturdido com o tratamento dado à sua família.

"Não faz sentido; é um ato político", disse ele. "Para mim, o presidente é simplesmente um populista, um vírus populista que infectou os EUA agora, e espero que ele vacine o país contra o populismo."

Samira Asgari

(Por Amy Harmon)

Samira Asgari, uma cidadã iraniana que estava programada para viajar a Boston na manhã de sábado para iniciar uma bolsa de pós-doutorado na Escola de Medicina de Harvard, soube em Frankfurt, na Alemanha, no sábado que ela não poderia embarcar no avião.

"Eu estava muito animada de entrar para o laboratório de @soumya_boston, mas me impediram de embarcar devido à minha nacionalidade iraniana", ela postou no Twitter. "Sentindo-se mais seguros?"

Asgari, 30, havia concluído recentemente seu doutorado no Instituto Federal de Tecnologia da Suíça em Lausanne e pretendia estudar as raízes genéticas das diferentes reações das pessoas à infecção por tuberculose.

Soumya Raychaudhuri, um professor-associado no Departamento de Medicina do Hospital Brigham and Women’s, associado a Harvard, tinha recrutado Asgari para seu laboratório depois de ouvi-la apresentar seu trabalho em uma conferência científica em Nova York na última primavera. Ele disse que a notícia de sua rejeição foi perturbadora para seu laboratório e para toda a ciência dos EUA, que compete cada vez mais com outros países por jovens pesquisadores talentosos do mundo todo.

"Faremos o possível para trazê-la para cá", disse Raychaudhuri, cujo pai trabalhou como pesquisador na Eastman Kodak durante muitos anos depois que emigrou da Índia para estudar nos EUA. "Temos muito a aprender com ela."

Em um e-mail, Asgari disse que seu visto foi aprovado em 25 de janeiro. No sábado ela voou de Genebra para Frankfurt. Lá, estava na fila para embarcar no voo da Lufthansa, mas quando apresentou seu cartão de embarque não recebeu a luz verde esperada. "Tive luz vermelha", disse ela.

Um homem que se apresentou como um membro do consulado dos EUA lhe disse que seu visto não era mais válido. "As regras mudaram naquela manhã", disse Asgari.

Ela ligou para Raychaudhuri para lhe informar e ao namorado dela, que havia se demitido do emprego para acompanhá-la a Cambridge, em Massachusetts. Então ela voltou a Genebra e pegou o trem de volta a seu apartamento em Lausanne, onde tinha mais um dia de aluguel. Vários ex-colegas e amigos lhe ofereceram um lugar para ficar temporariamente.

Hamidyah Al Saeedi

(Por Joseph Goldstein)

Se tudo tivesse corrido conforme o plano, depois de um voo noturno de Doha, no Catar, Hamidyah Al Saeedi, 65, teria pousado no Aeroporto Kennedy em Nova York no sábado e então tomado uma conexão para Raleigh, na Carolina do Norte, para encontrar seu filho Ali Alsaeedy, que ela não via há cinco anos.

Não era por acaso que sua nova vida como imigrante nos EUA começaria na Carolina do Norte. Seu filho é um sargento na 82ª Divisão Aerotransportada, na base de Fort Bragg.

Quando ela não apareceu no aeroporto, o temor imediato de Ali Alsaeedy foi que sua mãe, que não fala inglês, tivesse se perdido.

Ele voou a Nova York, onde outra realidade o esperava. Sua mãe não estava perdida; estava detida em algum lugar do Terminal 4 por autoridades que ameaçavam deportá-la. "Eles nem me deixaram vê-la", disse Alsaeedy, que é um cidadão americano recente, por telefone na manhã de domingo do aeroporto, onde ainda esperava pela mãe.

Nativo de Bagdá, Alsaeedy trabalhou para o governo americano na maior parte de sua vida. Depois da invasão de 2003, ele foi intérprete durante sete anos, trabalhando para os militares americanos e para a Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA. Por seu serviço, ele acabou recebendo um visto especial e emigrou para os EUA.

Entrou para o Exército e voltou ao Iraque em 2015, dessa vez como soldado americano na 82ª Divisão Aerotransportada. "Não posso lhe dizer o que eu fazia", disse ele quando perguntado sobre sua função. Tudo o que disse foi: "A missão que estávamos fazendo lá, eu fazia parte dela".

Durante anos ele preencheu inúmeros formulários para que sua mãe e seu pai pudessem unir-se a ele nos EUA. "Comecei o processo há cinco anos para trazer meus pais a este país", disse.

Em dezembro seu pai morreu. Algumas semanas depois o visto de sua mãe foi aprovado. Ele imediatamente reservou um voo para ela. No momento em que o presidente assinou o decreto de imigração, na sexta-feira, ela provavelmente esperava para embarcar em Doha.

Quando Alsaeedy chegou ao JFK à procura de sua mãe, no sábado, outras famílias esperavam no aeroporto com histórias parecidas. Com a ajuda de advogados, ele entrou com um habeas corpus para que ela fosse libertada. E sua moral foi animada pelos protestos crescentes lá fora.

"Este país é grande por causa dessas pessoas, os milhares lá fora que protestavam e ajudavam pessoas com quem não têm relações", disse Alsaeedy. "Até em minha pior situação eu senti esperança, liberdade e que existem ótimas pessoas."

Enquanto ocorriam os protestos, porém, Alsaeedy recebeu um telefonema com notícias arrasadoras. Um agente federal lhe disse que sua mãe seria deportada em um voo para a Alemanha por volta das 21h. O agente se ofereceu para colocar a mãe de Alsaeedy ao telefone para se despedir. Ela chorava.

"Eu esperava ver você e abraçar seu filho", disse ela, segundo Alsaeedy, que disse estar atônito, sem saber o que falar.

"Não acabou", disse ele, esperando acalmá-la.

Afinal a mãe dele não foi deportada. Ficou detida por mais 33 horas, parte delas algemada, e não lhe deram uma cadeira de rodas, segundo o advogado de Alsaeedy. Eles se reuniram no Aeroporto Kennedy às 16h do domingo.

Ibtisam Mahmoo Hussein

(Por Elizabeth A. Harris)

A mãe de Ibtisam Mahmoo Hussein, que tem 91 anos, está na UTI em um hospital de Las Vegas, e Hussein não consegue pegar um avião para ir vê-la.

Hussein, 64, vive em Omã com seu marido, um diplomata aposentado, e tem passaporte iraquiano. Vários membros da família Hussein --quatro irmãos e sua mãe, Shukriya Tawfiq Hussain-- são cidadãos americanos.

No final do ano passado, Hussein pediu um visto para visitar os EUA para poder ver sua mãe idosa pela primeira vez desde 2013. O processo correu bem, e ela foi rapidamente aprovada. Começou a planejar a viagem, pensando que tinha tempo para comprar as passagens.

Então, alguns dias atrás, sua mãe caiu, quebrou o quadril e precisava de cirurgia. Aí tudo mudou.

"Minha mãe está em situação crítica", disse Nasreen Alkafaji, uma das irmãs de Hussein.

Hussein gostaria de visitar sua mãe, caso seja uma despedida, mas com a proibição não pode fazê-lo.

"Ela não tem más intenções", disse Alkafaji. "Eles têm uma boa vida em Omã."

A família é originária de Bagdá. Alkafaji veio para os EUA em 1979. Um de seus irmãos a seguiu três anos depois. Em 1991, sua mãe uniu-se a eles, levada pela guerra do Golfo. Um a um, seus irmãos a seguiram. Mas Hussein não. Agora ela está colada ao telefone tarde da noite em Muscat, em Omã, esperando notícias que não pode receber em pessoa.

"Eu fico chorando e olhando a cada cinco minutos, perguntando a minha irmã sobre a saúde de minha mãe", disse Hussein.

"Tenho medo de que não consiga mais vê-la viva", disse ela, com as palavras presas na garganta.