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Quanto poder Donald Trump tem para interferir na imigração para os EUA?

Quanta autoridade constitucional independente tem o presidente sobre a imigração? - Evan Vucci/ AP
Quanta autoridade constitucional independente tem o presidente sobre a imigração? Imagem: Evan Vucci/ AP

Adam Liptak

Em Washington (EUA)

06/02/2017 11h47

A ordem executiva do presidente Donald Trump sobre imigração provocou um impasse constitucional que poderá deixar uma marca na lei durante gerações e parece que provavelmente terminará em uma decisão histórica da Suprema Corte.

O veredicto do tribunal sobre a proibição de Trump a viagens de cidadãos de sete países de maioria muçulmana poderá ajudar a responder a algumas perguntas jurídicas cruciais: quanta autoridade constitucional independente tem o presidente sobre a imigração, e quanto poder o Congresso lhe confere?

A resposta provável às duas perguntas é: muito. Mas outras partes da Constituição podem temperar ou derrubar esse poder. Entre elas estão as cláusulas de devido processo legal e de proteção equivalente e a Primeira Emenda, que proíbe o estabelecimento da religião pelo governo.

Veja abaixo os principais argumentos sobre o caso.

O que os juízes disseram?

Muitos juízes do país bloquearam aspectos da ordem executiva de Trump, mas nenhum emitiu uma ordem tão ampla quanto a do juiz federal James Robart, de Seattle, que bloqueou partes chaves da ordem presidencial, que suspendeu as viagens de sete países e limitou o programa de refugiados dos EUA.

O caso está agora no Tribunal Federal de Apelações do 9º Circuito, em San Francisco (Califórnia). Esse tribunal não quis emitir uma suspensão imediata da ordem de Robart no sábado (4), mas indicou que irá avaliá-la assim que informações adicionais forem apresentadas, sendo a última devida para a tarde desta segunda-feira (6). Depois que ele decidir, parece provável que haverá uma apelação à Suprema Corte.

A decisão rápida de Robart quase não continha argumentos. Em comparação, o juiz Nathaniel Gorton, do Tribunal Federal Distrital de Boston, emitiu uma decisão de 21 páginas na sexta-feira (3), recusando-se a bloquear o programa e discutindo em detalhe os argumentos jurídicos.

Gorton também esboçou uma imagem maior.

"A rica história de imigrantes nos EUA é há muito uma fonte de força e orgulho neste país", escreveu o juiz. "Por outro lado, o interesse público por segurança neste mundo cada vez mais perigoso também é forte." O equilíbrio inclina-se a favor de Trump, escreveu Gorton.

Até onde vai o poder constitucional do presidente?

O Artigo 2º da Constituição confere ao presidente autoridade para conduzir assuntos internacionais e tratar da imigração, disse a Suprema Corte.

Em seu comunicado a Robart, advogados do Estado de Washington, um dos dois queixosos, juntamente com o Estado de Minnesota, disseram que havia limitações constitucionais a esses poderes. "Enquanto os tribunais geralmente dão maior latitude aos poderes políticos no contexto da imigração, isso não significa que os poderes políticos possam atuar com impunidade", disse o comunicado.

"Os tribunais federais", disse o documento, "não têm papel mais sagrado do que proteger grupos marginalizados contra a conduta irracional e discriminatória."

No 9º Circuito, o governo Trump disse que os juízes estão mal equipados para decidir casos que envolvem a segurança nacional. "Ao contrário do presidente", disse o comunicado do governo, "os tribunais não têm acesso a informações sigilosas sobre a ameaça representada por organizações terroristas que operam em certos países, os esforços dessas organizações para se infiltrar nos EUA ou falhas no processo de avaliação."

Noah Purcell, o procurador-geral do Estado de Washington, pareceu admitir no tribunal que há áreas em que Trump tem o direito de agir. Mas ele pediu que o tribunal proteja as pessoas cujas vidas foram alteradas subitamente pela ordem do presidente.

"O foco de nossa solicitação", disse ele, "são as pessoas que estavam aqui e da noite para o dia perderam o direito de viajar, perderam o direito de visitar suas famílias, perderam o direito de realizar pesquisas, perderam o direito de falar em conferências em todo o mundo. E também as pessoas que viviam aqui há muito tempo e por acaso estavam no exterior no momento dessa ordem, que veio sem qualquer advertência, e de repente perderam o direito de retornar aos EUA."

Quanto poder o Congresso deu ao presidente?

Na sexta-feira, defendendo a ordem executiva de Trump em um tribunal em Seattle, Michelle Bennett, uma advogada do Departamento de Justiça, citou o caso Youngstown Sheet & Tube Co. contra Sawyer, de 1952, em que a Suprema Corte recusou a afirmação do presidente Harry Truman de que ele tinha autoridade para embargar usinas siderúrgicas durante a guerra da Coreia.

A parte mais conhecida da decisão é uma intervenção do juiz Robert Jackson, que definiu um esquema para considerar choques entre o poder presidencial e a autoridade congressional. O presidente tem maior poder quando atua com autorização do Congresso, disse Jackson, e uma quantidade intermediária quando o Congresso fica em silêncio. O poder do presidente está em "maré baixa", escreveu Jackson, quando o Congresso proíbe uma determinada ação.

Os atos de Truman recaíram na terceira categoria, escreveu Jackson. Bennett, em contraste, disse que a ordem de Trump está na primeira categoria.

"Aqui temos o presidente agindo de acordo com o poder que o Congresso lhe confere, o que significa, sob o caso da intervenção nas siderúrgicas de Youngstown, que ele está atuando no ápice de seu poder", disse ela.

Uma parte vital da lei de imigração dá ao presidente amplos poderes. Ela diz: "Sempre que o presidente avaliar que a entrada de qualquer estrangeiro ou de qualquer tipo de estrangeiros nos EUA seria prejudicial aos interesses dos EUA, ele poderá por proclamação, e por um período que ele considere necessário, suspender a entrada de todos os estrangeiros ou de qualquer tipo de estrangeiros como imigrantes ou não imigrantes, ou impor à entrada de estrangeiros qualquer restrição que ele considere apropriada".

Mas outra parte da lei proíbe a discriminação "por causa da raça, do sexo, da nacionalidade, do lugar de nascimento ou de residência da pessoa", mas só "na emissão de um visto de imigrante". O governo Trump afirma que o poder de proibir a entrada, tema da primeira lei, é mais amplo do que os limites sobre a emissão de vistos.

E os argumentos com base na discriminação religiosa?

Os advogados do Estado de Washington disseram que a ordem executiva viola a proibição da Primeira Emenda contra o estabelecimento de religião pelo governo, porque suas provisões sobre o programa de refugiados favorecem as religiões minoritárias. "O presidente Trump e seus assessores deixaram claro que o objetivo dessa ordem é inclinar a balança a favor de refugiados cristãos, em detrimento dos muçulmanos", escreveram eles em seu comunicado a Robart.

O governo Trump pediu que o 9º Circuito rejeite argumentos com base na discriminação religiosa, apesar de Trump ter dito que pretendia favorecer os refugiados cristãos. A consideração judicial dos motivos do presidente, segundo o comunicado, violaria a independência dos poderes.

"O inquérito mais profundo defendido pelos Estados criaria problemas substanciais de separação de poderes, ao permitir a investigação do motivo subjetivo do presidente para emitir a ordem", disse o comunicado.

O caso poderia naufragar devido à questão da injúria?

Os Estados que contestam a ordem enfrentam o obstáculo inicial de demonstrar que sofreram o tipo de dano direto e concreto que lhes dá condições de processar. Robart decidiu que sofreram, com base em uma decisão do Tribunal Federal de Apelações de Nova Orleans, que disse que o Texas podia processar o presidente Barack Obama por seu plano de adiar a deportação de milhões de imigrantes não autorizados e permitir que eles trabalhassem.

"A ordem executiva afeta adversamente os moradores dos Estados em áreas de emprego, educação, negócios, relações familiares e liberdade de viajar", escreveu Robart. Ele disse que os Estados foram prejudicados porque a ordem afeta suas universidades públicas e suas bases fiscais.

Em seu comunicado ao 9º Circuito, o governo Trump disse que as supostas injúrias dos Estados são "atenuadas e especulativas" e não se relacionam à decisão do Texas. No tribunal em Seattle na sexta-feira, Bennett disse que o governo discorda da decisão do Texas.