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Sente prazer por um papo intelectual? Saiba se você é um sapiossexual

Teresa Sheffield, 28, uma comediante que se identifica como sapiossexual, em Nova York - Celeste Sloman/The New York Times
Teresa Sheffield, 28, uma comediante que se identifica como sapiossexual, em Nova York Imagem: Celeste Sloman/The New York Times

Anna North

Em Nova York

06/06/2017 04h00

Aboubacar Okeke-Diagne acha meio decepcionante a pornografia na internet. O problema são os diálogos: "Parece um monte de abobrinha sem sentido".

Okeke-Diagne, 23, que mora no Brooklyn, se identifica como sapiossexual. Embora as definições variem, o termo em geral descreve pessoas para quem a atração sexual se baseia no intelecto, e não necessariamente na aparência.

Para Okeke-Diagne, ser sapiossexual significa que uma conversa intelectual é essencial no namoro e no sexo. Enquanto alguns casais trocam fotos ou mensagens de texto picantes, uma vez ele enviou a uma mulher com quem estava saindo uma história erótica de várias páginas que ele havia escrito que incluíam referências ao calendário juliano, ao sistema decimal e à mudança climática global. Para ele, escrever a história foi tão excitante que ele tentou encontrar na internet materiais eróticos similares, mas não teve muito sucesso.

Em uma sociedade onde a beleza física muitas vezes equivale ao sex appeal, a ideia da sapiossexualidade vem ganhando força discretamente nos últimos anos. Em 2014, "sapiossexual" se tornou mais uma de uma lista expandida de orientações e identidades sexuais que os usuários poderiam escolher no OkCupid, o aplicativo de relacionamentos. Em março, o festival de cinema CineKink NYC exibiu  "Sapiosexual", um curta-metragem sobre uma jovem chamada Cass cujo interesse por seu acompanhante vai aumentando quando ele começa a discutir o trabalho de E.M. Forster. Como ela coloca, "a maioria das pessoas se excita com barrigas tanquinho, músculos firmes ou maçãs do rosto perfeitas. Eu, não".

Essa maior visibilidade trouxe uma repercussão negativa: algumas pessoas dizem que declarar uma preferência sexual baseada na inteligência é pretensioso, elitista ou ofensivo para pessoas com deficiências.

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Aboubacar Okeke-Diagne, 23, que se identifica como sapiossexual, checa seu celular em Nova York
Imagem: Celeste Sloman/The New York Times

No entanto, para Jacqueline Cohen o termo descreve como ela se sente desde que era adolescente. "Eu sempre soube que o que me deixava muito excitada era a inteligência, e às vezes até mesmo o mistério em torno da inteligência de alguém", ela diz.

Foi isso que fez com que Cohen, que tem 52 anos e vive no Upper West Side, se sentisse atraída pelo seu primeiro marido, um mágico. "Existe uma genialidade associada à mágica e à manipulação de cartas", ela diz.

No primeiro encontro deles, ele levitou para ela. Mas o que mais a fascinou foram os truques que envolviam mentalismo, quando ele plantou sutilmente um número ou uma imagem na mente dela de forma que ele conseguisse adivinhar qual carta ela escolheria depois (e às vezes escondendo-a em algum lugar inesperado, como a geladeira).

"Eu chamei isso de suas preliminares mágicas", ela diz.

Ela teve relacionamentos que ela descreve como puramente sapiossexuais, nos quais não havia sexo, somente conversas profundas. Um dos homens não chegava nem perto do tipo físico dela, mas na primeira vez em que eles se encontraram, ele começou a recitar poemas de Rainer Maria Rilke. "Fiquei tão impressionada com como fluiu toda a conversa", ela diz. "Eu conseguia sentir algo acontecendo dentro de mim".

Na vez seguinte em que eles se viram, ele a levou a uma exposição de arte e lhe deu todos os livros de Rilke. Desde então, Rilke passou a ser um de seus poetas preferidos. Em relacionamentos desse tipo, ela diz, "eu acesso minha sabedoria, meu amor e minha capacidade de analisar dessa forma incrível, e eles também".

Darren Stalder, um engenheiro de Seattle, aparentemente cunhou o termo "sapiossexual" em 1998 para descrever sua própria sexualidade. "Não ligo muito para o corpo", ele escreveu em uma postagem na rede social LiveJournal em 2002. "Quero uma mente incisiva, inquisitiva, perspicaz e irreverente. Quero alguém que considere uma discussão filosófica como preliminar".

Sapio, em latim, quer dizer "eu entendo" ou "eu sei".

O termo começou a receber mais atenção no começo dos anos 2010. O OkCupid o incluiu entre as opções de orientação sexual em parte porque "sabemos que nosso público pende para o lado intelectual", diz Nick Saretzky, diretor de produtos da empresa.

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Para Aboubacar Okeke-Diagne, ser sapiossexual significa que uma conversa intelectual é essencial no namoro e no sexo
Imagem: Celeste Sloman/The New York Times

Hoje, cerca de 0,5% dos usuários do OkCupid se identificam como sapiossexuais. As mulheres têm uma probabilidade maior de escolherem o rótulo do que os homens, e ele é mais comum entre usuários na faixa etária de 31 a 40 anos. Os usuários sapiossexuais têm maior probabilidade do que a média de dizerem que religião não é importante para eles e de se identificarem como progressistas.

É claro, muitas pessoas buscam uma conexão intelectual com seus parceiros. Mas pessoas que se identificam como sapiossexuais muitas vezes dizem que o intelecto é o fator mais importante que os atrai a outra pessoa, de acordo com Debby Herbenick, uma educadora de saúde sexual e professora de ciências de saúde aplicadas na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Indiana.

Os cientistas consideram a sapiossexualidade menos como uma orientação sexual do que como uma identidade, diz Herbenick. Pessoas que se identificam como sapiossexuais também podem se identificar como gays, heterossexuais, bissexuais, assexuadas ou alguma outra coisa.

Algumas pessoas consideram o termo ofensivo. "'Sapiossexual' parece circular principalmente como uma camada de pretensão em cima de uma identidade sexual mais tradicional", escreveu Samantha Allen no "The Daily Beast" em 2015. Ela também observou que críticas contra o termo são comuns no Tumblr, que é conhecido por discussões aprofundadas sobre sexualidade. Usuários do site argumentaram que o termo promove uma ideia única e imutável de inteligência, e que ele encoraja a discriminação contra pessoas que têm deficiências intelectuais ou desordens do espectro autista ou que não têm acesso ao ensino superior.

A repercussão negativa confunde Stalder, 50, que é casado e adepto do poliamor. "Não estou fazendo nenhum julgamento de valor sobre as pessoas", ele diz.

Identificar-se como sapiossexual dá a ele uma maneira mais fácil de contar a parceiros em potencial por que ele precisa ir com calma. “Preciso conhecer bem alguém do ponto de vista intelectual e emocional antes de conhecê-lo fisicamente”, ele diz.

Enquanto alguns cientistas desprezam a sapiossexualidade e outros novos termos para identidades sexuais dizendo que são criações de millennials que se sentem "muito especiais e únicos", diz Herbenick, as palavras ajudam as pessoas a articularem seus interesses sexuais (ou falta deles) e a conhecerem outras pessoas que partilhem deles.

Inteligência não significa necessariamente ter um alto nível de instrução, diz Teresa Sheffield, 28, uma comediante que se identifica como sapiossexual.

"O que mais valorizo como sapiossexual é a inteligência emocional e a inteligência humorística", diz Sheffield, que vive em Manhattan. "Você só precisa ter senso de humor. Se não tiver, vou me sentir atraída por você tanto quanto por um [cão da raça] border collie".

Embora uma boa aparência seja uma vantagem a mais para ela, essa não é sua principal preocupação. Por ela os homens podem parecer "ogros horríveis", contanto que sejam engraçados e envolventes.

Na verdade, ela considera suspeita a ênfase na beleza física. "A ideia de valorizar tanto essa coisa que está literalmente se deteriorando diante de seus olhos", ela diz, "é tão idiota".