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Quais são as opções militares e os riscos para enfrentar a Coreia do Norte?

Foto divulgada pelo Ministério da Defesa da Coreia do Sul mostra navio disparando míssil durante exercício militar - Ministério da Defesa da Coreia do Sul via AP
Foto divulgada pelo Ministério da Defesa da Coreia do Sul mostra navio disparando míssil durante exercício militar Imagem: Ministério da Defesa da Coreia do Sul via AP

Motoko Rich

Em Seul (Coreia do Sul)

06/07/2017 11h40

O impasse sobre o programa nuclear da Coreia do Norte é influenciado há muito tempo pela ideia de que os EUA não têm uma opção militar viável para destruí-lo. Segundo muitas pessoas, qualquer tentativa nesse sentido provocaria um brutal contra-ataque à Coreia do Sul, um risco impensável.

Essa continua sendo uma das principais restrições à reação do governo Trump, mesmo enquanto o líder norte-coreano, Kim Jong-un, se aproxima de seu objetivo de um arsenal nuclear capaz de atacar os EUA. Na terça-feira (4), a Coreia do Norte parecia ter cruzado um novo limite, ao testar uma arma que descreveu como um míssil balístico intercontinental e que, segundo analistas, poderia atingir o Alasca.

Ao longo dos anos, o Pentágono, como costuma fazer diante de crises potenciais em todo o mundo, elaborou e refinou diversos planos de guerra, incluindo uma enorme invasão retaliatória e ataques preventivos limitados, e com base neles realiza exercícios militares anuais com as forças sul-coreanas.

Mas as opções militares estão mais duras que nunca.

Até o ataque mais limitado corre o risco de causar muitas mortes, porque a Coreia do Norte poderia retaliar com os milhares de peças de artilharia que posicionou na fronteira com o Sul. Apesar de esse arsenal ter alcance limitado e poder ser destruído em dias, o secretário da Defesa dos EUA, Jim Mattis, advertiu recentemente que se a Coreia do Norte o usar "será provavelmente o pior tipo de luta na vida da maioria das pessoas".

Além isso, não há precedente histórico de um ataque militar com o fim de destruir o arsenal nuclear de um país.

A última vez em que os EUA consideraram seriamente atacar a Coreia do Norte, ao que consta, foi em 1994, mais de uma década antes de seu primeiro teste nuclear. O secretário da Defesa na época, William Perry, pediu que o Pentágono preparasse planos para um "ataque cirúrgico" a um reator nuclear, mas recuou depois de concluir que isso desencadearia uma guerra que poderia deixar centenas de milhares de mortos.

As apostas hoje são ainda maiores. As autoridades americanas acreditam que a Coreia do Norte tenha fabricado até uma dúzia de bombas nucleares --talvez muitas mais-- e possa montá-las em mísseis capazes de atingir grande parte do Japão e da Coreia do Sul.

No início de seu mandato, Trump tentou modificar a dinâmica da crise forçando o Norte e seu principal patrocinador econômico, a China, a reconsiderar a disposição de Washington a iniciar uma guerra. Ele falou diretamente sobre a possibilidade de um "grande, grande conflito" na península da Coreia, ordenou que navios de guerra se dirigissem a águas próximas e prometeu "resolver" o problema nuclear.

Mas Trump recuou de modo considerável nas últimas semanas, dando maior ênfase a iniciativas para pressionar a China a refrear Kim com sanções.

Afinal, um ataque preventivo dos EUA muito provavelmente não conseguiria eliminar o arsenal nuclear da Coreia do Norte, porque algumas dessas instalações ficam no fundo de cavernas nas montanhas ou sob a terra, e muitos de seus mísseis estão escondidos em lançadores móveis.

O Norte advertiu que retaliaria imediatamente lançando mísseis nucleares. Mas prever como Kim realmente reagiria a um ataque limitado é um exercício de teoria de jogos estratégicos. Muitos analistas afirmam que ele evitaria uma reação nuclear imediata ou o uso de seu arsenal de armas químicas e biológicas para evitar uma resposta nuclear dos EUA.

Supondo que Kim seja racional e que seu objetivo principal seja preservar seu regime, ele só recorreria a essas armas se precisasse repelir uma invasão em escala total ou sentisse que um ataque nuclear ou outra ameaça a sua vida fosse iminente, dizem esses analistas.

Mas prever o que o Norte pode fazer com suas armas convencionais nas primeiras horas e dias depois de um ataque americano é como tentar descrever um "jogo muito complexo de xadrez tridimensional nos termos de um jogo-da-velha", disse Anthony Cordesman, um analista de segurança nacional no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington.

O problema, segundo Cordesman, é que há muitas maneiras e razões para cada lado intensificar a luta depois que ela começar.

Detê-la seria muito mais difícil.

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Disparos iniciais

As Coreias do Norte e do Sul, separadas pela fronteira mais fortemente armada do mundo, tiveram mais de meio século para se preparar para a retomada da guerra que foi suspensa em 1953. Enquanto o armamento do Norte é menos avançado, o Sul sofre uma clara desvantagem geográfica: quase a metade de sua população vive a 80 km da Zona Desmilitarizada, incluindo os 10 milhões de habitantes de Seul, a capital.

"Há uma aglomeração maciça de tudo o que é importante na Coreia do Sul --governo, empresas e a enorme população--, e a metade disso está nessa megalópole que começa a 50 km da fronteira e termina a 110 km da fronteira, aproximadamente", disse Robert Kelly, um professor de ciência política na Universidade Nacional Pusan, na Coreia do Sul. "Em termos de segurança nacional, é simplesmente loucura."

A Coreia do Norte posicionou até 8 mil canhões de artilharia e lançadores de foguetes em seu lado da Zona Desmilitarizada, dizem analistas --um arsenal capaz de despejar até 300 mil disparos sobre o Sul na primeira hora de um contra-ataque. Isso significa que pode infligir tremendos danos sem recorrer a armas de destruição em massa.

Kim poderia ordenar uma resposta limitada, atingindo uma base perto da Zona Desmilitarizada, por exemplo, e depois fazer uma pausa antes de prosseguir. Mas a maioria dos analistas acredita que o Norte fará uma escalada rápida se for atacado, para infligir o máximo de danos possível caso os EUA e a Coreia do Sul estejam preparando uma invasão.

"A Coreia do Norte sabe que é o fim do jogo e não cairá sem lutar", disse Jeffrey Hornung, da Rand Corp., acrescentando: "Acho que vai ser uma barragem de artilharia".

O Norte ameaçou Seul muitas vezes de provocar um "mar de fogo", mas a grande maioria de sua artilharia tem um alcance de 5 a 10 km e não consegue atingir a cidade, segundo analistas.

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Máscaras de gás estão disponíveis em estação de trem em Seul, na Coreia do Sul
Imagem: Lam Yik Fei/The New York Times

O Norte mobilizou pelo menos três sistemas, porém, que são capazes de atingir a área metropolitana: canhões Koksan de 170 milímetros e lançadores múltiplos de foguetes de 240 milímetros, capazes de atingir os subúrbios norte e partes de Seul, e lançadores múltiplos de foguetes de 300 milímetros, que podem acertar alvos além de Seul.

Talvez existam mil dessas armas perto da Zona Desmilitarizada, muitas escondidas em cavernas, túneis e casamatas. Mas sob uma estratégia tradicional de artilharia o Norte não os dispararia ao mesmo tempo. Manteria alguns em reserva para não revelar suas posições e conservar munições.

Quanto dano um primeiro ataque causaria depende de quantas forem usadas e de quanta munição explodirá. Em 2010, forças norte-coreanas dispararam cerca de 170 morteiros contra uma ilha no Sul, matando dois civis e dois soldados. Analistas concluíram mais tarde que cerca de 25% dos projéteis do Norte não detonaram.

Um estudo publicado em 2012 pelo Instituto Nautilus para Segurança e Sustentabilidade concluiu que as primeiras horas de uma barragem de artilharia do Norte dirigida a alvos militares causaria cerca de 3.000 baixas, enquanto uma visando civis mataria quase 30 mil pessoas.

O Norte poderia aumentar os danos disparando também mísseis balísticos contra Seul. Mas Joseph S. Bermudez Jr., um especialista em Coreia do Norte na AllSource Analysis, uma consultoria de inteligência de defesa, disse que é mais provável o uso de mísseis para atacar instalações militares, incluindo bases americanas no Japão.

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A defesa

Forças dos EUA e da Coreia do Sul poderiam ser colocadas em alerta e se preparar para a retaliação antes de qualquer tentativa de derrubar o programa nuclear da Coreia do Norte. Mas pouco poderiam fazer para defender Seul de uma barragem de artilharia.

O Sul pode interceptar alguns mísseis balísticos, com o recém-instalado sistema Defesa Aérea Terminal de Alta Altitude, assim como os sistemas Patriot e Hawk. Mas não tem nada parecido com a Cúpula de Ferro de Israel, que pode destruir projéteis de artilharia e foguetes, que voam em menores altitudes.

As tropas sul-coreanas e americanas adotariam táticas tradicionais de "contrabateria", com radares e outras técnicas para determinar a localização das armas do Norte quando são retiradas de suas casamatas e disparadas, e depois usar foguetes e ataques aéreos para destruí-las.

David Maxwell, diretor-associado do Centro de Estudos de Segurança na Universidade Georgetown e um veterano de seis temporadas na Coreia do Sul com o Exército dos EUA, disse que o Pentágono está constantemente atualizando suas capacidades de contrabateria. Mas, acrescentou, "não há uma solução mágica capaz de derrotar o fogo da Coreia do Norte antes que cause danos significativos em Seul e na Coreia do Sul".

Com base nas iniciativas de contrabateria na guerra do Iraque, o estudo do Instituto Nautilus calcula que a Coreia do Norte poderia perder cerca de 1% de sua artilharia a cada hora para o fogo de contrabateria americano e sul-coreano, ou mais de um quinto de seu arsenal depois de um dia de combate.

O que torna a situação tão perigosa é a facilidade que os dois lados teriam para praticar atos que levariam o outro a concluir sobre a iminência de uma guerra total, e assim intensificar a batalha. Os EUA e a Coreia do Sul poderiam atingir alvos além da artilharia, incluindo linhas de suprimento e instalações de comunicações, por exemplo. O Norte poderia enviar tanques e tropas através da fronteira e despejar forças especiais nos portos do Sul.

Seria especialmente perigosa qualquer sugestão de que os EUA e a Coreia do Sul estariam preparando um ataque de "decapitação" contra a liderança norte-coreana, o que poderia levar um Kim desesperado a recorrer a armas nucleares ou bioquímicas.

Preparativos civis

Considerando-se tudo isso, segundo os analistas, as forças americanas e sul-coreanas poderiam levar de três a quatro dias para dominar a artilharia do Norte.

Quanto dano a Coreia do Norte infligiria nesse tempo depende em parte da capacidade do Sul de colocar a população em segurança rapidamente. Conforme mais armas do Norte fossem destruídas e as pessoas se protegessem, o número de baixas cairia a cada hora.

O estudo do Nautilus projeta 60 mil fatalidades no primeiro dia de um ataque de artilharia de surpresa a alvos militares em torno de Seul, a maior parte nas primeiras três horas. As estimativas de baixas de um ataque à população civil são muito maiores, e alguns estudos projetam mais de 300 mil mortos nos primeiros dias.

O governo metropolitano de Seul disse que há quase 3.300 abrigos antibombas na cidade, o suficiente para acomodar os 10 milhões de moradores. Na província de Gyeonggi, que cerca a capital, o governo provincial conta com cerca de 3.700 abrigos. Muitas estações de trens na região funcionam como abrigos, e a maioria dos grandes edifícios tem garagens subterrâneas onde as pessoas podem se abrigar de ataques de artilharia.

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Estudantes aprendem a usar máscaras de gás em acso de um eventual ataque químico ou biológico, em centro de treinamento em Seul, Coreia do Sul
Imagem: Lam Yik Fei/The New York Times

Mas os críticos dizem que as autoridades locais não estão preparadas para o caos que um ataque de artilharia causaria, e que o público não leva a sério a perspectiva de uma guerra.

O governo sul-coreano realiza testes de emergência apenas cinco vezes por ano, e são exercícios ilusórios que duram cerca de 20 minutos, quando as pessoas se reúnem nos prédios ou param seus carros nas ruas depois que se ouvem as sirenes. Muitos moradores não têm ideia de onde fica o abrigo mais próximo.

Poucas pessoas mantêm estoques de comida e água, por exemplo, e embora o governo tenha indicado que pode comprar cerca de 1,8 milhão de máscaras antigás para uso em um eventual ataque químico, isso não chegaria perto do suficiente para proteger a população.

"Durante as primeiras 72 horas, cada indivíduo terá que salvar sua própria vida ou se preparar", disse o governador da província de Gyeonggi, Nam Kyung-pil.