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Grupo quer barrar no meio do mar refugiados que seguem para a Europa

29.ago.2016 - Migrantes, a maioria da Eritreia, saltam ao mar de barco superlotado enquanto integrantes de ONG ajudam em operação de resgate, no Mar Mediterrâneo - Emilio Morenatti/ AP
29.ago.2016 - Migrantes, a maioria da Eritreia, saltam ao mar de barco superlotado enquanto integrantes de ONG ajudam em operação de resgate, no Mar Mediterrâneo Imagem: Emilio Morenatti/ AP

Jason Horowitz

Em Milão

21/07/2017 14h21

Amanhecia em um subúrbio pacato, enquanto Lorenzo Fiato arrastava uma mala prateada contendo parcas e chiclete contra enjoo para fora do quarto que ele decorou com adesivos ("Chega de Imigração") e prateleiras repletas de estatuetas de cavaleiros medievais.

Fiato, 23, se despediu de sua mãe com um abraço e saiu para pegar um voo até a Sicília, onde ele pretendia embarcar na última perna daquilo que se tornou a odisseia da extrema-direita da Europa.

Ela começou em maio, quando Fiato, um líder do braço italiano de um movimento de direita europeu que se auto-identifica como identitário, se juntou a seus aliados usando um bote inflável para conter momentaneamente uma embarcação que carregava uma equipe da Médicos Sem Fronteiras que havia sido fretado para resgatar refugiados no mar. A tática horrorizou organizações de direitos humanos, que argumentaram que os ativistas, a maior parte deles na faixa dos 20 anos, ameaçavam as vidas de imigrantes desesperados que faziam a arriscada jornada de travessia do Mar Mediterrâneo.

Mas a ação também atraiu publicidade, novos membros e, segundo identitários, pelo menos US$ 100 mil (cerca de R$ 312 mil) em doações particulares. Esse dinheiro foi para o Defend Europe, um projeto que tinha como destaque o fretamento de um navio de 40 metros usado anteriormente na costa do Chifre da África.

Fiato e seus aliados pela Europa suspeitam que navios de resgate estejam de conluio com traficantes de pessoas e acreditam que a migração seja uma invasão muçulmana. Eles queriam perturbar e monitorar as operações de navios de resgate e se certificar de que não entrassem nas águas líbias, não cooperassem com traficantes de pessoas e nem trouxessem mais migrantes para o litoral da Europa.

Lorenzo Fiato segue para a Sicília - Alessandro Grassani/The New York Times - Alessandro Grassani/The New York Times
Lorenzo Fiato segue para a Sicília
Imagem: Alessandro Grassani/The New York Times

Só que até o momento o navio de Fiato ainda não voltou.

Na quinta-feira (20) de manhã, a embarcação estava presa no Egito, onde ele disse que inspetores pareciam estar procurando por "qualquer fio de cabelo" para segurar sua chegada. Na Itália, membros do Parlamento denunciaram a missão, e outros se perguntavam se o grupo de ativistas não poderia ser atacado por contrabandistas armados. Um grupo de ajuda espanhol os acusou de serem piratas.

"O clima está ruim", disse Fiato na quarta-feira à noite em Milão.

Uma atmosfera tensa tem pairado sobre boa parte da Itália nos últimos dias.

Embora a Europa e seus líderes fiquem consternados com as ondas de imigrantes nos meses mais quentes, nenhum outro país está tão exposto quanto a Itália, com suas ilhas ao Sul, milhas de costa e sua proximidade com o ponto de contrabando da Líbia.

A migração causou revolta política em todo o continente, mas ela dominou especialmente a atenção da Itália. Ela fez o governo sair correndo atrás de soluções, fornecendo à Líbia barcos de patrulha, considerando a possibilidade de fechar portos italianos para barcos que não tenham bandeira italiana, e concedendo vistos para migrantes para que eles possam ir para o norte.

Com os políticos italianos tendo brigado fisicamente sobre se estendiam a cidadania para os filhos de imigrantes nascidos na Itália, o governo de tendência à esquerda, ciente de que a questão está alimentando a oposição conservadora, foi ficando cada vez mais frustrado com a relutância do resto da Europa em abrir fronteiras e portos para dividir o fardo da migração em massa.

Boa parte do foco se direcionou recentemente para as embarcações enviadas por ONGs, que, de acordo com o ministro do Interior italiano, Marco Minniti, operam 34% das missões de resgate em um mar onde cerca de 2 mil migrantes se afogaram este ano.

Até o momento este ano, mais de 93 mil migrantes, a maioria africanos subsaarianos, foram resgatados e levados para portos italianos, e existe a preocupação de que as chegadas possam atingir 200 mil até o final do ano.

Grupos de extrema-direita se agarraram particularmente a um promotor italiano da Sicília que, sem fornecer prova alguma, começou a investigar um possível conluio entre grupos de ajuda e traficantes de pessoas. Este mês, grupos de defesa de direitos humanos fizeram críticas depois que um grupo de ajuda vazou o esboço de uma proposta do governo que proibiria navios de ONGs de entrarem em águas territoriais líbias para resgates, e os retardaria ao proibi-los de transferirem refugiados para embarcações maiores.

A dramática ligação para a guarda costeira de um barco no Mediterrâneo

BBC Brasil

Fiato, assim como alguns dos principais políticos de direita da Itália, argumenta que os navios de resgate se tornaram um ímã para mais migrantes, e que eles acabam beneficiando contrabandistas e mafiosos que operam centros de recepção, ao mesmo tempo em que custam mais vidas ao atrair mais migrantes para o mar. A agência de imigração das Nações Unidas disse que esse argumento era infundado.

Em Milão, na quarta-feira, Fiato parecia ansioso para zarpar, sentado no bar Magenta junto com sua amiga de escola e colega identitária Lara Montaperto. Sendo um dos bares mais antigos e uma instituição da cidade, ele se tornou um dos lugares favoritos do grupo de Fiato para planejar como preservar a identidade da Europa.

Em uma mesa do lado de fora, rodeados por elegantes milaneses tomando seus aperitivos e trabalhadores migrantes vendendo cigarros e rosas, os dois falavam que o multiculturalismo e a integração forçada eram ameaças para as culturas europeias tradicionais.

Montaperto, que recentemente inaugurou um braço identitário feminino (“Não estamos em casa fazendo tortellini”), argumentou que a postura exageradamente aberta da Europa resultava do excesso de culpa por transgressões cometidas durante o colonialismo e a Segunda Guerra Mundial. Ela disse que não era a única a pensar que havia um terrível paradoxo no fato de a Europa criar centros de refugiados, que ela disse "não serem totalmente diferentes de campos de concentração".

Eles consideram a direita alternativa um fenômeno americano à parte e um "grande minestrone" no qual vários diferentes sabores da direita se misturam. Mas Fiato admira como uma pessoa bastante familiarizada com o movimento, Stephen Bannon, havia se tornado o principal estrategista do presidente Donald Trump.

Em 2012, por volta da época em que Bannon assumiu o controle de um dos veículos de notícias preferidos da direita alternativa, o Breitbart News, um amigo contou a Fiato sobre um vídeo no YouTube chamado "Declaração de Guerra", promovido pelo Geração Identitária, um grupo de direita francês. Na época com 18 anos, ele não tinha posições políticas definidas, mas os temas do filme ressonaram com seu profundo interesse em história da Europa e no "grande mistério" sobre as "origens do homem europeu".

Ele logo começou a ler filósofos de direita como Dominique Venner, Guillaume Faye e Gianfranco Miglio.

"Queremos mudar alguma coisa", disse Montaperto, que lamentava ter de perder a próxima missão por causa de uma viagem programada há tempos para praticar seu russo em Moscou. ("Lara é doida por Putin", disse Fiato, que recentemente lhe deu de presente as obras de Aleksandr Dugin, o tradicionalista russo ultranacionalista e escritor anti-liberal que às vezes é chamado de Rasputin do Putin.)

Essa oportunidade de fazer algo finalmente chegou, disse Fiato, em maio. Inspirados no Greenpeace, que trabalha para obstruir navios baleeiros, ele e uma pequena tripulação alugaram um bote de borracha com um motor de 40 cv e uma faixa escrita "De jeito nenhum".

Ele diz ter esperado durante três horas, "com frio, deprimido e com vontade de vomitar", até que o navio de resgate zarpou. Fiato e seus amigos entraram em ação e o bloquearam momentaneamente.

"Foi como Davi contra Golias", ele disse.

16.ago.2013 - Imigrantes oriundos da Ásia e África chegam à praia de Morghella, sudeste de Sicília, na Itália - EFE - EFE
16.ago.2013 - Imigrantes da Ásia e África chegam à praia de Morghella, sudeste de Sicília, na Itália
Imagem: EFE

Críticos dos identitários de todo o espectro político da Itália questionaram a competência do movimento de direita para além de sua capacidade de atrapalhar brevemente um navio de resgate ou de publicar produzidos vídeos no YouTube de pessoas não brancas saqueando e destruindo cidades. (Fiato, por exemplo, perdeu seu voo na quinta-feira. "Estarei na Sicília amanhã", ele afirmou na noite de quinta-feira.)

Grupos de defesa dos direitos humanos e algumas autoridades italianas questionaram a ética e a legalidade de suas táticas, assim como o pai de Montaperto, um oficial da marinha italiana aposentado, que argumentou com ela sobre a possibilidade de o grupo estar infringindo a lei marítima.

Os identitários se irritam com os críticos que dizem que eles estão colocando em risco a vida de migrantes desesperados ao retardarem os navios de resgate.

"Tem os coletes salva-vidas, então podemos ajudar", disse Fiato, observando que a lei marítima os exige para ajudar a quem precise.

"Não somos assassinos", disse Montaperto.