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Depois de Charlottesville, até aplicativos de namoro começam a banir racistas

Christopher Cantwell, supremacista branco banido de várias redes sociais - Albemarle-Charlottesville Regional Jail via AP
Christopher Cantwell, supremacista branco banido de várias redes sociais Imagem: Albemarle-Charlottesville Regional Jail via AP

Matt Stevens

25/08/2017 10h01

As empresas do Vale do Silício que ganham dinheiro com as redes sociais e serviços online começaram a adotar fortes medidas contra o extremismo, banindo nacionalistas brancos, supremacistas brancos, neonazistas e outros que seguem crenças que consideram racistas e odiosas. 

O Facebook e o Twitter desenvolveram ferramentas para permitir aos usuários denunciarem discurso de ódio e abusos. O PayPal bloqueou os grupos de ódio de usarem seus serviços financeiros, e serviços de transporte compartilhado como Uber e Lyft pediram aos motoristas para denunciarem clientes inaceitáveis. O Airbnb adotou medidas para impedir que nacionalistas brancos alugassem quartos por meio de seu aplicativo antes do encontro deles em Charlottesville, Virgínia. 

Mas talvez o mais notável seja o fato dos esforços terem até mesmo chegado ao mundo sem restrições dos aplicativos de namoro, onde os usuários há anos podem livremente selecionar interesses potenciais com base em tudo, da altura às crenças religiosas. 

A mudança para uma regulação mais rígida ficou especialmente clara depois que a manifestação de 12 de agosto em Charlottesville levou a violência. Dias depois, o site de namoro OKCupid anunciou pelo Twitter que baniu um recém-famoso nacionalista branco. 

Representantes da empresa disseram que uma mulher no OKCupid assistiu a uma reportagem na "Vice" sobre a violência em Charlottesville e reconheceu um homem que viu em sua tela, como alguém que a tinha contatado recentemente pelo site. 

O homem, Christopher Cantwell, apareceu de forma proeminente na reportagem endossando a violência e pedindo por um “Estado-étnico”. Nos dias que se seguiram, ele se entregou para a polícia sob acusação de ter usado gás lacrimogêneo de forma ilegal durante uma marcha de supremacistas brancos, empunhando tochas, na noite que antecedeu a manifestação maior. 

Mas os responsáveis pelo OKCupid já contavam com evidência suficiente para banir Cantwell para sempre do serviço de namoro. Após serem contatados pela usuária, eles verificaram se o homem era de fato Cantwell e, em 17 de agosto, o site tuitou: “Em 10 minutos, ele será banido para sempre”. 

“Não toleramos ninguém que promova racismo ou ódio, é simples assim”, disse Elie Seidman, o presidente-executivo do OKCupid, em um e-mail ao “New York Times”. “No OKCupid, nossa missão é conectar as pessoas com base em substância, com base em sua sensibilidade compartilhada. O privilégio de estar em nossa comunidade não se estende a nazistas e supremacistas.” 

Os responsáveis pelo OKCupid então foram além, pedindo aos usuários do site que denunciassem imediatamente qualquer pessoa “envolvida em grupos de ódio”. 

No mesmo dia, outro site de namoro, Bumble, anunciou que também buscaria banir “toda forma de ódio” por meio de uma colaboração com a Liga Antidifamação. Os representantes do Bumble disseram que pediriam orientação à organização para identificação de símbolos de ódio e, assim como o OKCupid, pediria aos seus usuários para que bloqueassem e denunciassem qualquer pessoa que vissem expressando ódio. 

As medidas são “uma consequência da maior polarização política”, disse John Drew, um professor assistente de mídia digital da Universidade Adelphi, em Garden City, Nova York. 

Ele acrescentou: “Algumas empresas, especialmente aquelas que atendem a públicos urbanos, mais jovens, como a Bumble, sem dúvida estão considerando o momento atual como uma oportunidade potencial de lucrar politicamente e conquistar os usuários”. 

Os aplicativos de namoro ingressaram no confronto maior entre o Vale do Silício e a chamada direita alternativa, que mistura racismo, nacionalismo branco, antissemitismo e populismo, que parece ter escalado nos últimos meses. O OKCupid foi apenas uma de várias empresas de internet a realizar um expurgo abrangente depois de Charlottesville, abandonando o que especialistas disseram ser uma antiga abordagem de não interferência, que ajudou algumas redes sociais a desenvolverem a ampla base de usuários que antes precisavam para poder funcionar. 

Neste mês, o Discord, um grupo de aplicativo de bate-papo que era popular entre os ativistas de extrema direita, baniu várias das maiores comunidades de direita alternativa. Empresas que oferecem serviços de hospedagem, como GoDaddy e Google, removeram sites nacionalistas brancos e neonazistas. E após adicionarem ferramentas que permitem aos usuários denunciarem mensagens de ódio, o Twitter e o Facebook baniram usuários individuais que violaram seus termos de serviço. O Facebook também removeu várias páginas com nomes como “Esquadrão da Morte de Direita” e “Nacionalistas Brancos Unidos”. 

Até mesmo a PayPal entrou na briga, ao decidir remover a organização nacionalista branca de Richard Spencer. Em seu blog, Cantwell também se queixou de que sua conta na PayPal foi encerrada. 

“As empresas e os presidentes-executivos têm uma obrigação, talvez até mesmo uma obrigação moral, de sair em defesa de valores”, disse o presidente-executivo da PayPal, Dan Schulman, em uma entrevista ao “New York Times”. “Temos uma política de uso aceitável, de modo que qualquer site que promove ódio, violência ou intolerância racial, nós banimos.” 

Mas especialistas alertaram que assim que serviços online começarem a banir usuários devido aos seus pontos de vista, eles correm o risco de cair em uma ladeira escorregadia. O OKCupid pode ter tido vários bons motivos para banir Cantwell, disse Jeremy Littau, um professor associado do departamento de jornalismo e comunicação da Universidade Lehigh. Mas “assim que começarem a policiar as crenças das pessoas offline”, ele disse, “é razoável perguntar por que permitem pessoas que têm outras crenças ou comportamentos que são repulsivos”. 

Por sua vez, Cantwell se queixou em uma entrevista antes de sua prisão nesta semana de que nos dias que se seguiram desde a marcha e a manifestação em Charlottesville, ele também foi expulso do Facebook, Twitter, Instagram, Match e Tinder. 

“Não consigo nem mesmo assistir um vídeo da Vice no YouTube, porque tem restrição de idade e não consigo fazer o login”, disse Cantwell. 

Porta-vozes do Facebook, Instagram e Google (que é dona do YouTube) confirmaram que os perfis e canal de Cantwell foram removidos devido ao discurso de ódio. Uma porta-voz do Twitter não comentou sobre contas individuais, mas disse que as regras do site proíbem ameaças violentas, molestamento e conduta odiosa. Representantes do Tinder e Match, que assim como o OKCupid são de propriedade do Match Group, não responderam aos e-mails. 

Seidman, o presidente-executivo do OKCupid, disse que a necessidade de remover Cantwell ficou clara e notou que os termos e condições da empresa a autorizam a fazê-lo. 

Mesmo assim, ele reconheceu que “como qualquer pessoa que já saiu em um encontro pode entender”, alguns casos não são “tão óbvios” quanto o de Cantwell.