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Nascida dentro de presídio, menina vive em cela ao lado da mãe, uma serial killer

Meena, 11, ao lado de sua mãe Shirin Gul, uma serial killer que está cumprindo prisão perpétua, em Jalalabad, no Afeganistão - MAURICIO LIMA/NYT
Meena, 11, ao lado de sua mãe Shirin Gul, uma serial killer que está cumprindo prisão perpétua, em Jalalabad, no Afeganistão Imagem: MAURICIO LIMA/NYT

Rod Nordland*

Em Jalalabad (Afeganistão)

05/12/2017 04h00

Meena teve catapora, sarampo e caxumba na prisão. Ela nasceu ali, foi amamentada e desmamada ali. Agora com 11 anos, ela passou toda sua vida na prisão e provavelmente também passará o restante de sua infância.

A menina nunca cometeu um crime, mas sua mãe, Shirin Gul, é uma assassina serial condenada cumprindo prisão perpétua e, segundo a política carcerária afegã, ela pode manter a guarda de sua filha até que ela complete 18 anos.

Meena até mesmo foi concebida na prisão, e dela nunca saiu, nem mesmo para uma breve visita. Ela nunca viu um aparelho de televisão, ela disse, e não tem ideia de como é o mundo fora das paredes da prisão.

A situação dela é extrema, mas não única. Na ala feminina do presídio provincial de Nangarhar aqui em Jalalabab, ela é uma das 36 crianças presas com suas mães, entre 42 mulheres ao todo. Mas nenhuma das outras crianças passou tanto tempo sob custódia, já que a maioria das sentenças de suas mães é muito menor.

Meena,11, na esquerda, com outras crianças que vivem na prisão em Jalalabad, no Afeganistão - MAURICIO LIMA/NYT - MAURICIO LIMA/NYT
Meena,11, na esquerda, com outras crianças que vivem na prisão em Jalalabad, no Afeganistão
Imagem: MAURICIO LIMA/NYT


Prender crianças pequenas junto com suas mães é uma prática comum no Afeganistão, especialmente quando não há parentes próximos ou o pai é ausente ou distante. Defensores dos direitos da criança estimam que há centenas de crianças afegãs presas cujo único crime é ter tido sua mãe condenada.

Há um programa de orfanatos para crianças cujas mães estão na prisão, mas as mulheres precisam concordar que seus filhos e filhas sejam levados, e o programa não cobre muitas áreas do Afeganistão, incluindo Jalalabad.

Na prisão de Meena, as celas das mulheres são arranjadas em torno de um pátio espaçoso, com sombras de amoreiras, e as crianças correm livremente por ele. Há alguns balanços caseiros enferrujados, trepa-trepa e escorregadores que terminam em poças de lama.

Há uma sala de aula em uma das celas, com um quadro branco e uma mistura de bancos e cadeiras, com 16 crianças em oito mesas. Uma mesma professora cuida de três séries, da primeira a terceira, uma hora por dia para cada série. Apesar de já ter 11 anos, Meena só chegou à segunda série.

Quando me encontrei com Meena, ela se sentou, segurando um saco plástico amarelo sob seu xale. "Passei toda minha vida nesta prisão", ela disse, durante uma tensa entrevista na ala feminina no mês passado. "Sim, eu gostaria de sair. Eu queria sair daqui e viver lá fora com minha mãe, mas não sairei daqui sem ela."

Meena fala de forma gentil, é serena e educada, com um rosto arredondado de querubim emoldurado por um hijab modesto. Sua mãe fuma sem parar, é impetuosa e franca, além de tatuada, em um país onde tatuagens são consideradas irreligiosas. Seu lenço de cabeça de lado revela um cabelo com mechas de henna.

"Como você acha que ela se sente?" disse Gul, impaciente diante do que zombava como perguntas idiotas. "É uma prisão, como ela deveria se sentir? Uma prisão é uma prisão, mesmo se for o céu."

Uma pergunta sobre por que Gul não deixa sua filha partir enfureceu a mãe ainda mais. Ela deu início a um ataque ao presidente afegão. "Ora, sr. América, diga para o cego do Ashraf Ghani, seu fantoche, seu escravo, para que me tire daqui", ela disse. "Não cometi nenhum crime. Meu único crime foi preparar comida para meu marido, que cometeu um crime."

O homem que ela chama de marido, Rahmatullah (eles nunca foram legalmente casados), foi condenado juntamente com o filho dela, cunhado, tio e sobrinho pelo papel deles nos assaltos e assassinatos de 27 homens afegãos entre 2001 e 2004. Os promotores afegãos disseram que Gul era a líder do bando.

Trabalhando como prostituta, Gul levava para casa seus clientes, muitos deles taxistas, e lhes servia kebabs (espetos de carne) drogados. Depois seus familiares os roubavam, matavam e enterravam nos quintais das casas das duas famílias.

Meena, 11, com sua mãe em uma prisão, em Jalalabad, no Afeganistão - MAURICIO LIMA/NYT - MAURICIO LIMA/NYT
Meena, 11, com sua mãe em uma prisão, em Jalalabad, no Afeganistão
Imagem: MAURICIO LIMA/NYT


Todos os seis foram condenados à morte e os cinco homens foram enforcados. Gul, entretanto, engravidou enquanto estava no corredor da morte, de modo que teve seu enforcamento adiado.

Após dar à luz, sua sentença foi mudada para prisão perpétua pelo então presidente Hamid Karzai, segundo o tenente-coronel Mohammad Asif, diretor da ala feminina do presídio.

Gul inicialmente disse que nunca confessou os crimes, depois disse ter sido torturada para confessá-los. Frustrada, ela fazia gestos de garra do outro lado da mesa e dizia: "Vou matar você. Vou até aí e arrancarei seus olhos."

Meena tocava gentilmente no ombro dela para tentar acalmá-la, fazendo gesto de silêncio com o indicador e dizendo, "Shh". A mãe brevemente se acalmava.

A menina ainda segurava o saco plástico amarelo. Dentro estava algo cuidadosamente embrulhado em uma toalha de mesa vermelha e branca.

"O que você tem aí, Meena?" perguntei.

"Fotos do meu pai."

Rahmatullah (que assim como muitos afegãos tinha apenas um nome) também foi condenado por matar o marido legal de Gul, um coronel da polícia, enquanto eles tinham um caso. O corpo do coronel foi encontrado entre os corpos enterrados nos quintais das famílias em 2004. Rahmatullah também era um ladrão e pedófilo condenado e tinha a reputação de ser um ex-comandante do Taleban.

Mas certamente não era o pai biológico de Meena. As datas não batem. Ele já estava na cadeia quando implicou Gul nos assassinatos, e ambos estavam em prisões diferentes e em cidades diferentes na época da concepção de Meena.

As autoridades afegãs disseram que algum agente carcerário desconhecido é o pai de Meena e as autoridades acusaram Gul de engravidar deliberadamente para escapar da forca.

Meena exibiu as fotos uma a uma, às vezes demorando mais tempo em algumas, incluindo duas de Rahmatullah morto, após seu enforcamento, em uma mortalha que deixava apenas seu rosto visível. Não era uma imagem bonita.

Em uma entrevista em 2015 para o "New York Times", Gul confessou que ela e Rahmatullah mataram juntos o marido dela.

Ela negou quando conversei com ela. "Foi tudo culpa do Rahmatullah", disse Gul. "Eu não estaria aqui se não fosse por ele. Eles deveriam me executar, então Meena choraria por um dia e tudo acabaria. Em vez disso, eu choro todo dia. É uma morte lenta, morrendo o tempo todo."

Em seus momentos mais calmos, Gul enviava uma mensagem simples e assustadora: Meena merece sua liberdade. Mas ela só a terá quando sua mãe também a tiver.

"Diga isso a Ashraf Ghani!" ela exigia.

A manutenção de crianças em um presídio é um escândalo sem solução fácil, dizem defensores de direitos. "Uma pessoa que não cometeu um crime não deveria ser punida por ele, e aquelas crianças não cometeram crime nenhum", disse Bashir Ahmad Basharat, diretor da Rede de Ação para Proteção da Criança, uma agência semigovernamental.

A manutenção de crianças na prisão vai contra tanto as normas internacionais quanto a lei afegã, disse Basharat, apesar da prática ser comum. "Mas é algo quando não temos outras alternativas."

Na hora de despedida, Meena apertou as mãos de todos educadamente, então foi para o outro lado do pátio com Salma, de braços dados, ainda carregando seu saco plástico amarelo.

Gul, então mais calma, também apertou as mãos educadamente, com olhar atrevido e desafiador. "Me dê algum dinheiro", ela disse.

*Jawad Sukhanyar, Fahim Abed e Zabihullah Ghazi contribuíram com reportagem.