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Como os militares dos EUA se preparam para o último recurso contra a Coreia do Norte: a guerra

8.jan.2018 - Foto publicada pelas Forças Aéreas dos EUA mostra um avião B-2 Spirit que chegou à base aérea de Guam, no Pacífico, vindo do Missouri - Staff Sgt. Joshua Smoot/U.S. Air Force/AP
8.jan.2018 - Foto publicada pelas Forças Aéreas dos EUA mostra um avião B-2 Spirit que chegou à base aérea de Guam, no Pacífico, vindo do Missouri Imagem: Staff Sgt. Joshua Smoot/U.S. Air Force/AP

Helene Cooper, Eric Schmitt, Thomas Gibbons Neff e John Ismay

Em Washington (EUA)

15/01/2018 14h33

Por todos os lados das Forças Armadas dos EUA, oficiais e soldados se preparam com tranquilidade para uma guerra que eles esperam que não aconteça.

Em Fort Bragg, na Carolina do Norte, no mês passado, uma combinação de 48 helicópteros de ataque Apache e de carga Chinook decolou em um exercício de movimentação de tropas e equipamento sob fogo de artilharia para atacar alvos. Dois dias depois, no céu de Nevada, 119 soldados da 82ª Divisão Aerotransportada do Exército saltaram de paraquedas de aviões militares de carga C-17 ocultos pela escuridão, em um exercício que simulava uma invasão estrangeira.

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No próximo mês, em postos do Exército de todo o país, mais de mil soldados da reserva vão praticar a montagem de centros de mobilização que deslocam em pouco tempo forças militares ao exterior. E a partir do próximo mês, com os Jogos Olímpicos de Inverno na Coreia do Sul, o Pentágono pretende enviar mais tropas de Operações Especiais à península coreana, um primeiro passo no sentido do que, segundo alguns oficiais, poderá ser a formação de uma força-tarefa baseada na Coreia, semelhante às que combatem no Iraque e na Síria. Outros disseram que o plano se relaciona estritamente aos esforços de contraterrorismo.

No mundo dos militares americanos, onde o planejamento de contingência é um mantra incutido na mente de cada oficial, as medidas são ostensivamente parte do treinamento padrão e rodízio de tropas do Departamento da Defesa. Mas o âmbito e o momento dos exercícios sugerem um novo enfoque em preparar os militares americanos para o que possa surgir no horizonte com a Coreia do Norte. 

O secretário da Defesa, Jim Mattis, e o general Joseph Dunford Jr., presidente do Estado-Maior Conjunto, defendem enfaticamente o uso da diplomacia para lidar com as ambições nucleares de Pyongyang. Uma guerra com a Coreia do Norte seria "catastrófica", disse Mattis em agosto. 

Mas cerca de duas dúzias de autoridades atuais e passadas e comandantes graduados do Pentágono disseram em entrevistas que os exercícios refletem amplamente a reação militar às ordens de Mattis e chefes de serviço para estarem prontos para qualquer possibilidade de ação militar na península da Coreia. 

As palavras do presidente Donald Trump deixaram os líderes militares e as tropas convencidos de que eles podem ter de acelerar seu planejamento de contingência.

No pronunciamento que talvez seja o mais incendiário, um discurso na ONU em setembro, Trump prometeu "destruir totalmente a Coreia do Norte" se ela ameaçasse os EUA e zombou do líder do país, Kim Jong-un, como o "homem-foguete". Em reação, Kim disse que ele empregaria "o mais alto nível de contra-ataque linha-dura da história" contra os EUA, e descreveu Trump como um "americano senil, mentalmente perturbado".

A retórica de Trump esfriou depois de uma nova tentativa de distensão entre Pyongyang e Seul. Em uma entrevista na semana passada ao "The Wall Street Journal", Trump foi citado: "Eu provavelmente tenho um relacionamento muito bom com Kim Jong-un", apesar de seus insultos públicos mútuos. Mas o presidente disse no último domingo (14) que o jornal o citou erroneamente, e que na verdade ele disse: "Eu provavelmente teria" um bom relacionamento, se ele quisesse.

Um falso alarme no Havaí, no sábado (13), provocou 40 minutos de pânico depois que um funcionário da reação oficial de emergência enviou por engano uma mensagem de texto advertindo sobre um ataque de míssil balístico. Isso salientou o nervosismo dos EUA em relação à Coreia do Norte. 

28.out.2017 - Secretário de Defesa dos EUA, Jim Mattis, em discurso em Seul, na Coreia do Sul - Jung Yeon-Je/AFP Photo - Jung Yeon-Je/AFP Photo
28.out.2017 - Secretário de Defesa dos EUA, Jim Mattis, em discurso em Seul, na Coreia do Sul
Imagem: Jung Yeon-Je/AFP Photo

Missão convencional

Depois de 16 anos lutando contra insurgentes no Iraque, no Afeganistão e na Síria, os generais comandantes dos EUA temem que os militares estejam mais preparados para perseguir grupos de militantes do que para a missão convencional de enfrentar potências altamente fortificadas, que têm militares e defesas aéreas poderosos.

O exercício em Fort Bragg fez parte de um dos maiores treinamentos de ataque aéreo dos últimos anos. A prática realizada na Base Aérea Nellis em Nevada usou o dobro do número de aviões de transporte de paraquedistas que foi usado nos últimos exercícios. 

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O exercício da reserva do Exército, planejado para o próximo mês, dará nova vida aos centros de mobilização que estiveram adormecidos com o relaxamento das guerras no Iraque e no Afeganistão. E enquanto os militares mobilizaram forças de reação das Operações Especiais para grandes eventos globais anteriormente, como a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, essas unidades geralmente eram de cem homens, muito menos do que poderão ser enviados aos Jogos de Inverno na Coreia do Sul, segundo autoridades.

Em uma reunião de amplo espectro em seu quartel-general em 2 de janeiro, o general Tony Thomas, chefe do Comando de Operações Especiais em Tampa, na Flórida, advertiu a 200 civis e membros do serviço na plateia que mais pessoal das Forças Especiais poderá ter de se mudar do teatro do Oriente Médio para o da Coreia em maio ou junho, caso as tensões aumentem na península. O porta-voz do general, capitão Jason Salata, confirmou o relato feito ao "The New York Times" por alguém que estava na plateia, mas disse que Thomas deixou claro que ainda não foram tomadas decisões.

O chefe de gabinete do Exército, general Mark Milley, mencionou em várias reuniões recentes no Pentágono dois desastres militares históricos dos EUA como uma advertência do que pode ocorrer por causa do despreparo.

Oficiais militares disseram que Milley citou a malfadada batalha do Passo de Kasserine, durante a Segunda Guerra Mundial, quando tropas americanas despreparadas foram massacradas pelas forças do marechal Erwin Rommel, da Alemanha. Milley também mencionou recentemente a Força-Tarefa Smith, uma unidade mal equipada e fraca que foi derrotada por tropas norte-coreanas em 1950 durante a Guerra da Coreia.

Em diversas reuniões, segundo oficiais, Milley comparou as duas derrotas americanas ao que ele acha que poderá acontecer se os militares não se prepararem para uma possível guerra com a Coreia do Norte. Ele pediu que líderes graduados do Exército deixem as unidades em forma e temeu sobre a perda do que chamou de memória muscular: como combater uma grande guerra, inclusive quando um adversário bem treinado consegue levar para a batalha defesas aéreas sofisticadas, tanques, infantaria, poder naval e até armas cibernéticas.

Algumas autoridades da Casa Branca afirmaram que um ataque dirigido e limitado poderá ser lançado com reação mínima contra a Coreia do Sul, premissa que Mattis vê com ceticismo, segundo pessoas que conhecem seu modo de pensar.

Mas, para Mattis, o planejamento serve para aplacar Trump. Efetivamente, segundo analistas, ele alerta o presidente sobre a seriedade com que o Pentágono vê a ameaça e protege Mattis de sugestões de que está descoordenado com Trump. 

"O trabalho dos militares é estar totalmente prontos para qualquer contingência que surja no horizonte", disse Michèle Flournoy, que foi uma autoridade do Pentágono no governo Obama e é cofundadora da WestExec Advisors, uma consultoria estratégica em Washington. 

"Mesmo que nenhuma decisão sobre a Coreia do Norte tenha sido tomada e nenhuma ordem dada", disse Flournoy, "a necessidade de estar prontos para a contingência que é a principal preocupação do presidente e sua equipe de segurança nacional motivaria os comandantes a usar oportunidades de exercício planejadas para reforçar seu preparo, por via das dúvidas."

15.mai.2017 - O ditador norte-coreano Kim Jong-un é cercado por membros do exército - KCNA via Reuters - KCNA via Reuters
15.mai.2017 - O ditador norte-coreano Kim Jong-un é cercado por membros do exército
Imagem: KCNA via Reuters

Operação Panther Blade

No caso do exercício da 82ª Aerotransportada em Nevada no mês passado, por exemplo, soldados praticaram o deslocamento de paraquedistas em helicópteros e o transporte de artilharia, combustível e munição para muito além das linhas inimigas. As manobras se destinavam a forçar um inimigo a lutar em diversas frentes logo no início do combate.

As autoridades disseram que as manobras praticadas no exercício, chamado "Panther Blade" [Lâmina Pantera], poderão ser usadas em qualquer lugar, não apenas na península da Coreia. "A operação 'Panther Blade' trata de formar preparo global", disse o tenente-coronel Joe Buccino, um oficial de assuntos públicos da 82ª Aerotransportada. "Um ataque aéreo e profundo dessa escala é muito complexo e exige sincronização dinâmica de ativos no tempo e no espaço."

Outro exercício, chamado "Bronze Ram" [Carneiro de Bronze], está sendo coordenado pelo obscuro Comando Conjunto de Operações Especiais, segundo autoridades, e imita outros cenários de treinamento que refletem os acontecimentos atuais. 

O exercício deste ano, entre os muitos que se concentram em ameaças de todo o mundo, enfocará extensamente operações subterrâneas e envolverá trabalho em ambientes quimicamente contaminados que poderão surgir na Coreia do Norte. Ele também visará a missão do Comando de Operações Especiais de enfrentar armas de destruição em massa.

Além da "Bronze Ram", exercícios altamente secretos das Operações Especiais nos EUA, incluindo em cenários para apreender armas nucleares ou conduzir saltos de paraquedas clandestinos, há vários meses refletem uma possível contingência com a Coreia do Norte, segundo oficiais militares, sem dar detalhes, por causa da sensibilidade da operação. 

Bombardeiros B-1 da Força Aérea partindo de Guam foram vistos regularmente sobre a península da Coreia em meio à escalada de tensões com Pyongyang , além dos voos regulares de treinamento com caças japoneses e sul-coreanos que provocam a ira da Coreia do Norte. Os bombardeiros B-52 baseados na Louisiana deverão se somar aos B-1 estacionados em Guam neste mês, aumentando o poder de fogo aéreo de longo alcance. 

Autoridades do Pentágono disseram na semana passada que três bombardeiros B-2 e suas equipes chegaram a Guam, vindos da base no Missouri.