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Às vésperas de casamento, príncipe Harry mantém distância da imprensa e cria novo modelo real

Príncipe Harry e Meghan Markle durante visita a Belfast - Darren Staples/Reuters
Príncipe Harry e Meghan Markle durante visita a Belfast Imagem: Darren Staples/Reuters

Ellen Barry

Em Londres

04/05/2018 04h00

Arthur Edwards, um fotógrafo do jornal “The Sun”, passou quatro décadas acompanhando membros da família real britânica. Ele costuma salpicar suas conversas com lembranças das gentilezas concedidas a ele ao longo dos anos: um telegrama espirituoso do príncipe Charles em 1981, um telefonema atencioso da princesa Eugenie para sua neta em 2013.

Mas toque no assunto do príncipe Harry, cujo casamento com a atriz norte-americana Meghan  Markle no dia 19 de maio será o ponto alto do ano para boa parte da imprensa britânica, e a cara de Edwards se fechará. “Ele se tornou, e não é segredo, muito retraído. Ele não nos dá mais ‘bom dia’”, disse Edwards. “Ele está chateado conosco de forma geral.”

Se Edwards tinha esperanças de que Harry estaria em um clima de perdão com a aproximação do casamento, elas se dissiparam quando o Palácio de Kensington anunciou detalhes do acesso da imprensa à cerimônia: não haverá quase nenhum, mais especificamente.

Um repórter terá a permissão de entrar na Capela de Saint George para o casamento, informou um porta-voz do palácio na terça-feira, observando que o espaço é pequeno e não é uma ocasião formal de Estado. Quatro fotojornalistas terão cobiçados pontos do lado de fora da capela. Muitos outros estarão posicionados ao longo do trajeto da carruagem e na área do castelo.

Edwards, 77, um veterano de sete casamentos reais, disse presumir que a decisão foi de Harry. “Não consigo imaginar um assessor de imprensa aconselhando isso a um príncipe”, disse Edward. “Ele e Meghan viram o que tem sido escrito e disseram: ‘Não queremos ninguém perto do casamento’. Essa foi uma mensagem clara”.

Markle, uma atriz de televisão norte-americana mestiça e divorciada, é uma mulher notavelmente fora do convencional para os padrões reais. Os tabloides britânicos não a trataram com respeito, insistindo em uma série de entrevistas pouco lisonjeiras com parentes que ela não convidou ao casamento. Mas a relação entre a família real e os tabloides, dois pilares da Inglaterra conservadora, já estava tensa muito tempo antes de ela aparecer em cena.

Durante décadas, quando não estavam delirando com casamentos e nascimentos reais, os tabloides criticaram membros da realeza como preguiçosos, sem graça, devassos ou hedonistas. Membros da família real usaram todos os meios à sua disposição para restringir o acesso às suas vidas pessoais.

Cada lado também está ciente da dependência que tem do outro. Os jornais pelo acesso, e a família real pela publicidade. Stig Abell, que atuou como diretor da Comissão de Queixas contra a Imprensa do Reino Unido, uma agência reguladora, descreveu a relação como “um abraço que sempre ameaçava virar um ataque”.

Príncipe William, Meghan Markle e príncipe Harry no memorial do Anzac Day na Abadia de Westminster - Getty Images - Getty Images
Príncipe William, Meghan Markle e príncipe Harry no memorial do Anzac Day
Imagem: Getty Images

A nova onda da casa real

O casamento de Harry parece marcar um ponto de virada, com uma geração mais nova profundamente desconfiada da mídia assumindo o protagonismo.

Para Harry e seu irmão, o príncipe William, não há nada de divertido no interesse da mídia. Eles tinham 12 e 15 anos respectivamente quando sua mãe, a princesa Diana, morreu em um acidente de carro, enquanto seu motorista corria por um túnel de Paris tentando escapar de paparazzi em motos. Harry, em especial, nunca fez segredo do ódio que sente por aqueles fotógrafos, tendo dito em uma entrevista no ano passado: “Em vez de ajudar, eles ficavam tirando fotos dela morrendo no banco de trás”.

Tente entrevistar editores e veteranos do palácio sobre o cabo de guerra em torno do acesso, e a tensão logo se tornará evidente. Praticamente ninguém, por exemplo, está disposto a dar declarações publicamente.

“Eles detestam de verdade a imprensa britânica. Esse é provavelmente um resumo claro”, disse um jornalista veterano a respeito dos príncipes. O jornalista, que só quis falar sobre o assunto sob anonimato, negou que o acesso reduzido houvesse levado a uma cobertura negativa, mas reconheceu que “existe uma falta de deferência com a qual eles podem não estar acostumados, porque eles são sensíveis a críticas de uma forma que outros membros da família real não são”.

Um ex-assessor do palácio, que também falou sob condição de anonimato, foi igualmente cáustico. Editores de tabloides, segundo ele, às vezes adotavam narrativas negativas como vingança pela redução de acesso, e às vezes como uma maneira de deixar a cobertura interessante.

“É como um gráfico de valores de ações: sobe e desce, sobe e desce. O que a mídia não gosta é de estabilidade”, ele disse. E acrescentou: “O valor da ação Meghan claramente tende a subir. Mas vai atingir um ápice. E depois vai cair”.

As críticas ácidas contra Markle já podem ser encontradas no “The Daily Mail”. O amplo público leitor do tabloide tende a ser de mulheres e pessoas mais velhas, sendo que quase metade de seus leitores têm mais de 65 anos, o que significa que o tabloide atinge o coração dos apoiadores mais fervorosos e mais conservadores da monarquia.

Uma única edição do jornal de um sábado trazia um encarte de revista intitulado “POR QUE o casamento de Meghan desmoronou?”, que analisava em detalhes pessoais arrepiantes o rompimento de Markle com seu primeiro marido, além de uma reportagem satírica sobre as tentativas de seu pai de perder peso antes do casamento, uma entrevista com seu meio-irmão e meia-irmã, com quem ela não tem proximidade, que reclamaram de não terem sido convidados para o casamento, e uma sinopse irônica de duas páginas sobre sua carreira como atriz.

O “The Mail on Sunday”, publicado no dia seguinte, trazia uma entrevista de capa com o tio de Markle, que também estava decepcionado por não ter sido convidado.

Esse tipo de tratamento é uma tradição antiga. Quando Kate Middleton namorava William, os tabloides citaram aristocratas anônimos zombando a mãe da noiva, Carole, uma ex-comissária de bordo, como uma pessoa gananciosa de classe média, e disseram que alguns dos amigos de William sussurraram “portas em manual” quando Carole Middleton entrou no recinto, em referência à sua antiga profissão. Uma “pessoa com acesso ao palácio”, citada pelo “The Mirror”, descreveu Middleton como “incrivelmente classe média. Ela usa palavras como ‘prazer em conhecer’, ‘banheiro’ e ‘desculpa’”.

Harry, claramente apreensivo com como isso afetaria Markle, fez um gesto incomum no final de 2016. O relacionamento deles havia acabado de ser assumido publicamente, inspirando manchetes como “A Garota de Harry Vem (Praticamente) de Compton” (“The Daily Mail”) e “A Garota de Harry no Porn Hub” (“The Sun”, que mais tarde publicou um pedido de desculpas).

Deixando de lado a tradição do palácio, o príncipe divulgou uma carta em tom irritado detalhando “uma onda de insultos e assédio” por parte de membros da imprensa, bem como as “insinuações raciais de artigos de opinião” e o “machismo e racismo escancarado de trolls das mídias sociais e comentários em artigos da internet”. Abell, que atuou brevemente como gerente editorial do “The Sun”, disse que o palácio havia identificado, corretamente, que a influência da imprensa escrita estava declinando.

“Todo o poder agora reside na realeza, da mesma forma que acontece com muitas celebridades”, disse Abell, autor de um novo livro chamado “How Britain Really Works: Understanding the Ideas and Institutions of a Nation” (“Como o Reino Unido realmente funciona: entendendo as ideias e as instituições de uma nação”, em tradução livre). Mas a conexão com os leitores dos tabloides também tem valor para a família real, acrescentou.

Não há coisas muito mais tradicionais do que os tabloides britânicos. Eles estão sendo aos poucos superados pelas comunicações digitais, e isso se torna uma metáfora para um certo tipo de pensamento sobre a realeza: se você tira a tradição da família real, eles não são nada.”
Stig Abell, ex-diretor da Comissão de Queixas contra a Imprensa do Reino Unido

Para Edwards, o fotógrafo do “The Sun”, essa é uma forma meio amarga de encerrar uma carreira dedicada a uma única família. Ele sente um carinho especial por Harry, de quem as lembranças mais vívidas são como um menino de 12 anos no funeral de Diana.

“Enquanto o cortejo do funeral passava por mim em Westminster, tudo que se conseguia ouvir era o barulho dos cascos dos cavalos e o soluçar das pessoas”, ele disse. “Uma mulher gritou, ‘Harry, que Deus o abençoe’, e ele só continuou andando de cabeça baixa. Ele é o membro mais popular da família real”. Mais tarde, quando os príncipes foram ver flores no Palácio de Kensington, disse Edwards, “eu vi o sofrimento no rosto dele. Não consegui tirar a foto porque era muita dor”.

“Posso lhe dizer que só quero a felicidade dele”, disse Edwards.

Mas quanto ao casamento, afirmou o fotógrafo, ele não espera ter muito mais acesso do que o público geral, e se declarou “realmente farto”.

“Agora existe um pouco de atrito entre nós e eles”, ele disse. “Minha opinião é de que eles estão assumindo o controle. Os meninos estão assumindo o controle”.