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Sobrevivente de massacre na Flórida volta ao hospital, aprende medicina e luta contra traumas

Maddy Wilford descansa entre uma cirurgia e outra no Broward Health North (EUA) - Scott McIntyre/The New York Times
Maddy Wilford descansa entre uma cirurgia e outra no Broward Health North (EUA) Imagem: Scott McIntyre/The New York Times

Jess Bidgood

Em Pompano Beach, Flórida (EUA)

25/08/2018 02h00

Maddy Wilford amarrou uma máscara cirúrgica ao rosto e limpou a sujeira embaixo das unhas. Escovou as mãos e os braços, permitindo que a espuma amarela de iodo lavasse a grossa cicatriz em seu braço direito, uma lembrança física de que ela quase havia morrido seis meses atrás, na escola secundária Marjory Stoneman Douglas, em Parkland (EUA).

Wilford recebeu vários tiros naquele dia. As balas perfuraram seu tórax e seu braço, e ela chegou ao Broward Health North em choque e precisando de cirurgia. Agora ela é voluntária como interna no mesmo hospital, aprendendo medicina com os médicos que salvaram sua vida.

Com meus ferimentos, eu estaria morta. O trabalho que eles fizeram em mim, e a rapidez com que me recuperei, me deixaram mais interessada na medicina

Maddy Wilford, estudante de 17 anos

Dezessete pessoas foram mortas durante o ataque do atirador na escola de Wilford em fevereiro, mas ela faz parte de outro grupo: os 17 que levaram tiros, mas sobreviveram e hoje tentam continuar seguindo seus caminhos.

Os ferimentos físicos de Wilford sararam, mas ela ainda se cansa rapidamente. A escola recomeçou as aulas na semana passada, mas lembranças do massacre continuam entre os armários e os horários de almoço. As leis de armas na Flórida mudaram, e alguns colegas de Wilford se tornaram ativistas conhecidos em todo o país, mas ela evitou os holofotes.

"Estou concentrada na medicina", disse Wilford, que termina o colegial neste ano. "Porque é disso que eu entendo."

Maddy Wilford faz estágio com o médico Igor Nichiporenko - Scott McIntyre/The New York Times - Scott McIntyre/The New York Times
Maddy Wilford faz estágio com o médico Igor Nichiporenko
Imagem: Scott McIntyre/The New York Times

Neste verão, Wilford voltou ao hospital onde foi tratada para avaliar se ainda quer ser médica, ambição que já tinha antes do tiroteio. Durante sua fase de interna, ela viu um homem morrer por ferimentos a faca e assistiu, fascinada, os médicos realizarem uma das cirurgias que salvaram a vida dele. Ela cortou o excesso de linha das suturas e aprendeu a identificar as veias de um paciente no ultrassom.

"Algumas pessoas, depois de passar pelo que ela passou, não iam querer mais pisar num hospital", disse seu pai, David Wilford. Mas para Maddy Wilford retornar ao hospital só reforçou seu interesse pela medicina. Segundo seu pai, a experiência deste verão parece ter ajudado em sua cura ao mostrar como atenuar a dor da violência e das doenças.

Algumas das 17 pessoas que receberam tiros e sobreviveram tiveram uma rápida recuperação física. Isabel Chequer, que levou tiros de raspão, deixou o hospital no mesmo dia do tiroteio e voltou à escola para trabalhar no livro do ano. Para outros, os ferimentos foram mais profundos, e a cura, mais demorada. Anthony Borges, que recebeu vários tiros, passou sete semanas no hospital e decidiu não voltar à escola em 2018.

Os que voltaram encontraram uma escola diferente. Ela está sendo pintada e há mais portões de segurança no campus. Também foi instalada uma nova cerca de 3,5 metros ao redor do edifício onde ocorreu o tiroteio.

Os professores sabem que talvez precisem reduzir o ritmo das aulas para estudantes ansiosos ou distraídos. Melissa Falkowski, professora de inglês da 11ª série, disse que neste ano não vai lecionar sobre "As Bruxas de Salem" ou "The Things They Carried", livros que incluem cenas de violência.

Seus alunos, disse ela, parecem prontos para mergulhar nas aulas, mas todo mundo continua tenso. Um alarme de incêndio que disparou no segundo dia de aulas fez alguns alunos chorarem. "Todo mundo na minha classe congelou", disse Falkowski.

Para Wilford, o alarme causou um ataque de pânico. E o primeiro dia de aulas trouxe mais uma complicação: ela tinha um cão de ajuda, mas sua professora de inglês é alérgica, então ela teve de trocar de classe. Achou difícil se manter concentrada, o que torna ainda mais difíceis requisitos escolares que estressariam qualquer estudante, como testes e matrículas para a faculdade.

"Eu quero me acalmar para poder me concentrar", disse Wilford. "Eu realmente quero ir bem neste ano escolar."

Seis meses atrás, ela estava na sala 1213 para uma aula de psicologia avançada, feliz porque era o Dia dos Namorados e, pela primeira vez, tinha um namorado para comemorar com ela. Lembra que ouviu tiros no corredor, rastejou embaixo das escrivaninhas e se encolheu num canto perto da mesa da professora, com um bando de colegas.

Vários alunos receberam tiros. Uma colega, Carmen Schentrup, morreu.

"De repente eu senti que levei um tiro no peito", disse Wilford. Ela procurou em volta alguém que pudesse ajudá-la, mas só viu sangue. "Vou morrer", pensou.

Maddy Wilford se prepara em seu uniforme cirúrgico antes de assistir a uma cirurgia no Broward Health Medical Center em Deerfield Beach, Flórida - Scott McIntyre/The New York Times - Scott McIntyre/The New York Times
Maddy Wilford se prepara em seu uniforme cirúrgico antes de assistir a uma cirurgia no Broward Health Medical Center em Deerfield Beach, Flórida
Imagem: Scott McIntyre/The New York Times

Quando os socorristas de emergência chegaram, ela estava tão fraca que eles pensaram que estivesse morta. Wilford sangrava nos pulmões, tinha costelas quebradas e ferimentos em tendões e músculos dos braços, segundo o médico Igor Nichiporenko, chefe de traumatologia no hospital Broward Health North. Ela teve de passar por cinco cirurgias em dois dias.

Mas neste verão no hospital Wilford parecia outra pessoa. Depois que se lavou, na semana passada, olhou para uma paciente que tinha o braço estendido na mesa de operação. Ela viu quando o cirurgião vascular enxertou uma artéria bovina a uma veia da paciente e a puxou por baixo da pele.

A certa altura, o sangue encharcou o cobertor sobre o corpo, mas Wilford não se abalou. Segurou a pele da paciente firmemente enquanto uma assistente cirúrgica colocava uma série de grampos no braço.

Ao se inclinar sobre a paciente, Wilford alimentou seu sonho de praticar medicina como a que a ajudou a sobreviver.

"É melhor passar por isso agora", disse ela. "Voltar ao hospital, voltar à escola e enfrentar tudo agora, em vez de pôr de lado e ter de lutar com isso mais tarde."