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Assustados, indianos caçam tigre que já matou 13 pessoas

Moradores de Vihirgaon, na Índia, fazem busca por tigre que matou 13 pessoas - Bryan Denton/The New York Times
Moradores de Vihirgaon, na Índia, fazem busca por tigre que matou 13 pessoas Imagem: Bryan Denton/The New York Times

Jeffrey Gettleman e Hari Kumar

Em Pandharkawada (Índia)

10/09/2018 17h27

A primeira vítima foi uma mulher idosa, encontrada de rosto para baixo em um campo de algodão, com profundas marcas de garras nas costas. O seguinte foi um agricultor também de idade, com a perna esquerda arrancada.

As mortes acontecem há mais de dois anos, semeando o pânico nas montanhas ao redor de Pandharkawada, cidade na região central da Índia. Em meados de agosto, o corpo dilacerado de Vaghuji Kanadhari Raut, um criador de gado pobre, foi descoberto perto de uma estrada rural. Ele foi a vítima nº 12.

Testes de DNA, câmeras ocultas, diversos avistamentos e pegadas de tigre atribuíram pelo menos 13 mortes humanas a uma única tigresa de 5 anos, que parece ter desenvolvido o gosto por carne humana e escapou de captores diversas vezes.

À noite, rapazes das aldeias próximas carregam tochas e varas de bambu e saem em patrulha. A população de tigres da Índia, que estava ameaçada de extinção, agora está crescendo. É um sucesso das políticas de conservação, mas os animais estão se concentrando na concorrência com os humanos por território.

Patrulheiros florestais agora se preparam para uma complexa operação em estilo militar, utilizando atiradores com armas tranquilizantes e montados em meia dúzia de elefantes, para cercar a tigresa, capturá-la e mandá-la para um zoológico.

Mas os elefantes ainda não chegaram, contidos por intensas lutas burocráticas entre os inúmeros órgãos do governo que cuidam da vida silvestre, mas entre todos eles ainda não parece haver recursos suficientes.

Três aldeões foram mortos em agosto e, conforme o número de mortes cresce, vários políticos pedem que os patrulheiros simplesmente matem o tigre a tiros. Mas isso talvez seja contra a lei. Um ativista da vida silvestre que pretende bloquear uma ordem desse tipo levou o assunto à Suprema Corte da Índia, que poderá julgar o caso em breve.

Filhote de tigre de 10 meses, em reserva no Estado de Maharashtra, na Índia - Bryan Denton/The New York Times - Bryan Denton/The New York Times
Filhote de tigre de 10 meses, em reserva no Estado de Maharashtra, na Índia
Imagem: Bryan Denton/The New York Times

Entretanto, patrulheiros foram colocados sobre jiraus construídos entre as árvores da selva, com ordens de manter os olhos abertos à procura do tigre. Mas eles não têm binóculos.

"Não quero matar esse animal lindo", disse K.M. Abharna, uma autoridade florestal graduada da área de Pandharkawada, que fica perto das fronteiras dos Estados de Maharashtra e Andhra Pradesh. "Mas há uma enorme pressão política e muita pressão pública."

Um tigre devorador de pessoas à solta parece algo tirado de um conto de Rudyard Kipling. Mas é um problema real e crescente na Índia hoje.

O esforço do país para proteger os tigres, de certa forma, é uma vítima de seu próprio sucesso. O monitoramento mais intenso, novas tecnologias e políticas mais rígidas levaram a um forte aumento do número desses felinos, de 1.411 em 2006 para cerca de 2.500 hoje, mais da metade dos 4.000 tigres do mundo, segundo estimativas. O crescimento está causando cada vez mais conflitos.

A população humana da Índia e sua economia vêm crescendo rapidamente também, enchendo constantemente as áreas rurais com fazendas, estradas e cidades que brotam com rapidez, como Pandharkawada. Muitos tigres estão ficando sem espaço.

Eles saem das reservas demarcadas, passeiam ao longo das novas estradas asfaltadas e invadem terras agrícolas densamente povoadas em busca de território, de parceiros para procriar e de presas como antílopes, porcos selvagens, gado solto e às vezes pessoas.

Em toda a Índia, as ilhas de florestas estão encolhendo, e os finos corredores de tigres que se veem nos mapas são cortados por mais estradas e fazendas. Os tigres são extremamente territoriais: um macho, depois de crescer, pode matar a própria mãe por causa de terreno.

Cada tigre precisa de quilômetros de floresta densa; o tamanho de seu território depende da disponibilidade de presas. Na última década, a Índia criou mais de 20 novas reservas para tigres, elevando o total para 50. Mas muitas delas são cercadas por desenvolvimentos humanos de todos os lados.

"A situação de nossos tigres não é uma história de sucesso, é uma confusão", disse Valmik Thapar, um dos maiores especialistas em tigres do país. "Temos um monte de ilhas, e os corredores entre elas são eliminados ou degradados. Muitas reservas de tigres são fracassos, com menos de cinco felinos ou mesmo nenhum. E somos arrogantes demais para aprender com outros lugares."

As restrições à indústria de carne em muitas partes da Índia podem estar tornando a situação ainda mais perigosa. O partido nacionalista hindu BJP, no governo, reprimiu como nenhum outro o abate de bois, que os hindus reverenciam.

Guardas patrulham reserva de tigres em Maharashtra, na Índia - Bryan Denton/The New York Times - Bryan Denton/The New York Times
Guardas patrulham reserva de tigres em Maharashtra, na Índia
Imagem: Bryan Denton/The New York Times

Isso criou enormes rebanhos de gado magro, improdutivo e indesejável que os criadores não ousam matar, ou devido a leis específicas de proteção que variam de Estado para Estado, ou porque têm medo de ser linchados por extremistas hindus.

Em várias áreas de tigres, hoje há mais presas vivendo fora das reservas do que dentro. Isso pode atrair os felinos para fora.

"Assim que o tigre sai, ele vê muito gado", explicou Bilal Habib, um professor de ecologia e pesquisador de tigres. Então o animal decide ficar por ali, disse, catalisando todo um ciclo de conflitos e morte.

No caso da tigresa assassina, os pesquisadores não conseguem explicar por que ela começou a atacar pessoas. Ela também matou algumas vacas e cavalos.

Os patrulheiros a chamam de T-1. Eles a acompanham desde que era filhote; quando era jovem, dizem, sua mãe foi eletrocutada. Esse é um problema crescente, pois agricultores de toda a Índia montam cercas elétricas rústicas para manter os porcos selvagens longe das plantações.

T-1 nunca viveu em uma reserva para tigres, como 30% dos tigres da Índia. Eles habitam áreas florestais que são parcialmente protegidas (por exemplo, as pessoas não podem construir aldeias nelas).

Suas primeiras vítimas foram agricultores que limpavam os campos perto da borda de florestas. Nessa parte da Índia, tudo é tão comprimido que até as pessoas que vivem aqui não têm certeza de onde termina a terra agrícola e começa a floresta protegida.

Segundo gráficos mantidos por autoridades florestais, T-1 comeu a carne de cerca da metade de suas vítimas. Ela arrancou as pernas de uma mulher na altura dos joelhos, quase como um serrote. Mordeu as costas de um homem, deixando a coluna dorsal exposta.

Os patrulheiros tiraram amostras de saliva dos ferimentos e as enviaram para análise de DNA em laboratório. Durante vários meses, conforme chegavam os resultados, eles começaram a montar a imagem do que estavam enfrentando.

Em janeiro, autoridades florestais solicitaram uma chamada ordem de tiro. Mas um ativista dos direitos dos animais de Mumbai, contrário ao abate de T-1, ajudou a bloqueá-la. Então T-1 deu à luz dois filhotes, o que significa que qualquer ação contra ela também pode colocá-los em perigo.

Os patrulheiros se muniram de redes e armas de dardos tranquilizantes e se espalharam pela selva, cheias de arbustos espinhosos, velhas árvores de teca e nuvens de libélulas que pairam no ar denso e úmido. Por quatro vezes eles tentaram capturar T-1.

"Mas ela é muito selvagem", disse Abharna, o chefe do serviço florestal. "E muito inteligente."

A cada vez ela se escondia no emaranhado de arbustos ou fugia correndo.

O pai de 	Vishnu Nagorav Junghare (esq.) foi morto pelo tigre em Pandharkawada - Bryan Denton/The New York Times - Bryan Denton/The New York Times
O pai de Vishnu Nagorav Junghare (esq.) foi morto pelo tigre em Pandharkawada
Imagem: Bryan Denton/The New York Times

Os aldeões que vivem na área de T-1, que cobre cerca de 155 km2, não ajudaram muito. Furiosos porque os patrulheiros não atiram simplesmente no tigre, eles bloquearam o acesso à floresta. Outros inventaram planos próprios, perturbadores.

Cada vez que um tigre mata alguém, as autoridades pagam indenização à família da vítima, às vezes de até US$ 14 mil. Faz parte de um programa do governo para atenuar a dor das famílias e para que não se vinguem contra tigres ameaçados.

Durante uma operação de captura, um homem idoso que mal conseguia andar se postou ao lado de uma jaula onde os patrulheiros tinham colocado carne fresca de búfalo como isca.

"Quando lhe perguntamos o que estava fazendo", disse Abharna, ele respondeu: "Se eu morrer, vocês darão o dinheiro à minha família?"

Enquanto as autoridades florestais discutem o que fazer, ativistas da vida silvestre procuram os tribunais para bloquear ordens de tiro. Os ativistas dizem que o tigre está apenas defendendo seus filhotes, e que as vítimas se aventuraram no território dela. Eles tentam fazer que o departamento florestal tranquilize T-1 e a leve para outra área. A Suprema Corte poderá ouvir o caso em alguns dias.

Enquanto isso, os elefantes, que segundo os patrulheiros são melhores para essa operação que qualquer caminhonete, deverão chegar em breve. As pessoas que moram perto de Pandharkawada estão perdendo a paciência. E ficam cada vez mais aterrorizadas.

"Simplesmente matem-na", disse Rashika Vishal, filha do pastor que foi morto perto da estrada. "Não há nada bonito nesse animal. Ela comeu meu pai e devemos matá-la antes que ela mate mais alguém."

Enquanto ela falava, com lágrimas nos olhos, uma dúzia de pessoas se reuniram na cabana escura da família e balançavam a cabeça em assentimento. Os ataques de tigres nunca foram um problema no passado, disseram elas.

"Quando eu era criança, nós passeávamos pela selva à noite, sem problema", disse C. S. Meshram, um idoso da aldeia. "Não sei de onde vêm esses tigres. Mas eles continuam chegando."