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Opinião: As notícias falsas estão envenenando a política brasileira. E o Whatsapp poderia parar isso

Eleitores fazem fila para votar no 1º turno no Rio de Janeiro - Pilar Olivares / Reuters
Eleitores fazem fila para votar no 1º turno no Rio de Janeiro Imagem: Pilar Olivares / Reuters

Cristina Tardáguila, Fabrício Benevenuto e Pablo Ortellado*

17/10/2018 14h37

O Whatsapp, o aplicativo de troca de mensagens que pertence ao Facebook, é uma das muitas ferramentas que os brasileiros usam para contatar amigos e família, além de fazer negócios. E cada vez mais, é também parte da nossa política.

Uma pesquisa recente mostrou que 44% dos eleitores no Brasil usam Whatsapp para ler informações políticas e eleitorais. Infelizmente, na reta final do primeiro turno da eleição presidencial, em 7 de outubro, o aplicativo foi utilizado para disseminar uma quantidade alarmante de desinformação, rumores e notícias falsas.

A poucas semanas da votação final em 28 de outubro, entre o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL) e o o opositor de esquerda Fernando Haddad (PT), ainda há tempo para o Whatsapp implementar mudanças temporárias na plataforma, de forma a reduzir o envenenamento da vida política do Brasil. A empresa precisa ser decisiva, antes que seja tarde demais.

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Há desdobramentos positivos na luta contra as notícias falsas no Brasil. O nosso é um dos 17 países onde o Facebook conta com terceiros checando fatos, tentando eliminar desinformação de seu feed de notícias. O Facebook e o Google têm colaborado em uma iniciativa chamada Comprova, que reúne 24 redações brasileiras para desmascarar imagens, links e vídeos mentirosos.

Mas esses esforços parecem ter empurrado as campanhas sujas para outros lugares, em particular para o WhatsApp, onde acontecem conversas pessoais e grupos envolvendo até 256 pessoas. Esses grupos de bate-papo são mais difíceis de monitorar do que o feed de notícias do Facebook ou resultados de busca do Google.

De 16 de agosto a 7 de outubro, nós reunimos e analisamos postagens de 347 grupos de bate-papo abertos ao público e nos concentramos na política brasileira. Isso é apenas uma pequena amostra dos estimados centenas de milhares de grupos que milhões de brasileiros usam diariamente para obter informação.

Nosso estudo, que foi conduzido como um projeto conjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, da Universidade de São Paulo e da plataforma de checagem de fatos Agência Lupa, revelou como a desinformação se dissemina.

É difícil estabelecer até que ponto essas campanhas de desinformação estão ligadas a partidos políticos ou candidatos, mas suas táticas são claras: elas fazem uso de uma estratégia combinada de pirâmide e rede, na qual os produtores criam conteúdo malicioso e o transmitem para ativistas regionais e locais, que então disseminam a mensagem para grupos públicos e privados. A partir daí, as mensagens viajam ainda mais longe e são repassadas por indivíduos que acreditam nelas para seus próprios contatos.

Dentre uma amostra de mais de 100 mil imagens políticas que circularam nesses 347 grupos, nós selecionamos as 50 mais compartilhadas. Elas foram analisadas pela Agência Lupa, a principal plataforma de checagem de fatos do Brasil.

Oito dessas 50 fotos e imagens foram consideradas completamente falsas; 16 eram imagens reais, mas usadas fora de seu contexto original ou ligadas a dados distorcidos; quatro eram alegações não comprovadas, não baseadas em uma fonte pública confiável.

Isso significa que 56% (28, no total) das imagens mais compartilhadas eram enganadoras. Apenas 8% (4, no total) das 50 imagens mais compartilhadas foram consideradas realmente verdadeiras. (NT: Entre as outras 18 imagens analisadas pela agência estão sátiras, textos ligados a opiniões e informações oriundas de fonte não confiável.)

O problema das notícias falsas no Brasil transcende a divisão ideológica.

Os simpatizantes de Bolsonaro compartilharam várias imagens descrevendo políticos, incluindo aqueles de centro-direita, como "comunistas". A imagem mais compartilhada de nossa amostra era uma foto em preto-e-branco de Fidel Castro com uma mulher jovem. A descrição que acompanhava a imagem alegava que a mulher era a ex-presidente Dilma Rousseff, e o texto que a acompanhava sugeria que Rousseff era pupila de Castro, uma "estudante socialista".

Mas a mulher jovem na foto não é Dilma Rousseff. A foto foi tirada nos Estados Unidos em abril de 1959, quando Dilma tinha apenas 11 anos. Mas essas imagens foram eficazes para manchar Rousseff e o Partido dos Trabalhadores, do qual Haddad é membro, em um país onde há grande antipatia ao comunismo entre a classe média.

As notícias falsas disseminadas pelos simpatizantes de Haddad são em geral um tanto diferentes. Essas mensagens tendem a distorcer as posições de Bolsonaro a respeito de impostos e salário mínimo, com frequência usando dados exagerados. Mas algumas mensagens anti-Bolsonaro no WhatsApp são claras teorias de conspiração: depois de Bolsonaro ter sido esfaqueado em um evento de campanha em 6 de setembro, os simpatizantes de Haddad compartilharam fotos do candidato entrando em um hospital sorrindo, sugerindo que o ataque tinha sido encenado. A foto, entretanto, tinha sido tirada antes do esfaqueamento.

O fluxo alarmante de informação distorcida pode ser mitigado. Se o WhatsApp mudar parte de suas configurações no Brasil de agora até o dia da eleição, em 28 de outubro, isso pode reduzir a disseminação de mentiras. Além disso, mudanças simples podem ser feitas sem impactar de forma negativa a liberdade de expressão ou invadir a privacidade dos usuários.

O WhatsApp deveria adotar três medidas imediatamente:

Restringir os encaminhamentos. Neste ano, após a disseminação de rumores no WhatsApp ter provocado linchamentos na Índia, a empresa impôs restrições ao número de vezes que uma mensagem pode ser encaminhada. Globalmente, o número de encaminhamentos foi reduzido a 20, enquanto na Índia foi reduzido a cinco. o WhatsApp deveria adotar a mesma medida no Brasil, para limitar a disseminação de desinformação.

Restringir as transmissões. O WhatsApp permite a todo usuário enviar uma mesma mensagem para até 256 contatos ao mesmo tempo. Isso significa que um pequeno grupo coordenado pode facilmente realizar uma campanha de desinformação em grande escala. Isso poderia ser impedido pela limitação do número de contatos para os quais um usuário pode enviar uma mensagem.

Limitar o tamanho de novos grupos. Novos grupos de bate-papo criados no Brasil durante as duas próximas semanas deveriam limitar o número de usuários. Isso não afetaria os grupos existentes.

Nós contatamos o WhatsApp nesta semana e apresentamos essas sugestões. A empresa respondeu dizendo que não há tempo suficiente para implantar essas sugestões. Nós discordamos: na Índia, foram precisos apenas alguns poucos dias para WhatsApp começar a fazer ajustes. O mesmo é possível no Brasil.

Nosso país se encontra em um momento político decisivo. As posições de extrema-direita de Bolsonaro, incluindo suas posições desdenhosas em relação aos direitos humanos e sua nostalgia pela ditadura militar, levam muitos eleitores a temer pelo futuro da democracia em nosso país. Muitos outros eleitores temem que Haddad possa estar seguindo ordens de Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente que agora está na prisão por acusações de corrupção.

Em um debate tão polarizado e onde há tanta coisa em jogo, os brasileiros não deveriam votar com base em informações falsas ou distorcidas. Nenhuma de nossas propostas exigiria que o WhatsApp limitasse suas operações ou impedisse a capacidade dos brasileiros de se comunicarem com amigos e familiares. Estamos sugerindo apenas que a empresa imponha algumas restrições temporárias para impedir a disseminação de notícias falsas e rumores perigosos às vésperas de uma eleição crítica.

*Cristina Tardáguila é diretora da Agência Lupa, uma plataforma de checagem de fatos. Fabrício Benevenuto é professor de ciência da computação da Universidade Federal de Minas Gerais. Pablo Ortellado é professor de gestão de políticas públicas na Universidade de São Paulo. 

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