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Opinião: Greta Thunberg é a cara que o planeta precisará em 2020

A adolescente ativista Greta Thunberg na Mayflower Marina em Plymouth, Inglaterra, em agosto, antes de zarpar em um iate de corrida com destino a Nova York - Tom Jamieson for The New York Times
A adolescente ativista Greta Thunberg na Mayflower Marina em Plymouth, Inglaterra, em agosto, antes de zarpar em um iate de corrida com destino a Nova York Imagem: Tom Jamieson for The New York Times

Darren Aronofsky*

The New York Times

28/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Em artigo para o New York Times, Darren Aronofsky defendeu a relevância de Greta Thunberg
  • Aronofsky é cineasta e ambientalista dos Estados Unidos
  • "O fato de ter alguém como Greta por aí prova que ainda não estamos perdidos", escreve o cineasta

Eu sempre tive uma ligação muito forte com o mundo natural.

Antes de pegar em uma câmera, eu era, acima de tudo, estudante da Mãe Natureza. Ainda no colégio, passava os meses do verão estudando a biologia silvestre com a School for Field Studies, programa ambiental de intercâmbio. Enquanto aprendia tudo sobre os ungulados no Quênia e as focas no Alasca, desenvolvi um fascínio permanente pela natureza - e embora tenha deixado o campo da ciência ambiental para me dedicar ao cinema, um respeito profundo pelo nosso planeta continua a influenciar cada aspecto do meu trabalho.

Enquanto diretor, minha busca constante é pela imagem certa. E admito que frequentemente sou vítima do cinismo na procura por um visual que melhor represente o estado atual do mundo, confrontando os desafios ambientais assustadores como são. É difícil ser otimista em relação ao encapsulamento de nosso planeta agonizante. Entretanto, assim que vi uma foto de Greta Thunberg no Instagram fazendo sua primeira manifestação ambiental, em agosto de 2018, tive um clique.

Ali estava ela, uma garota de 15 anos, sentada à porta do Parlamento Sueco, em greve escolar para chamar a atenção para a mudança climática. Ali estava a imagem - de esperança, engajamento e ação - que eu precisava ver. A imagem que podia gerar um movimento. O uso da linguagem visual é universal e constante ao longo da história da humanidade. Podemos ter progredido, trocado os desenhos nas cavernas por emojis, mas a intenção continua sendo a mesma: é através das imagens que contamos as histórias de quem somos ou queremos ser. Algumas fazem mais do que apenas representar um conceito; elas aprofundam, iluminam, conectam. Têm o poder de nos fazer parar ou mudar de ideia.

Darren Aronofsky - Niko Tavernise - Niko Tavernise
Darren Aronofsky
Imagem: Niko Tavernise
Às vezes, as imagens se tornam um tipo de rascunho histórico. É por isso que não podemos dissociar o novembro de 1963 do filme em 8 mm de Abraham Zapruder e seu famoso quadro nº 313, a imagem meio embaçada - com o fundo todo verde e aquela mancha medonha em rosa - que registrou o momento do assassinato do presidente John F. Kennedy.

E também porque o trauma todo representado pela Guerra do Vietnã foi resumido em uma única foto de junho de 1972 que mostra uma menina vietnamita, nua e descalça, chorando, desesperada, com as colunas de fumaça escura atrás de si após um ataque de napalm. E também porque a foto de um homem caindo contra as superfícies espelhadas das torres gêmeas passou a simbolizar o horror do onze de setembro de 2001.

Originadas na tragédia ou não, a tendência das imagens fortes é nos mostrar o que tentamos ignorar, sua crueza transpondo a névoa da ignorância, forçando-nos a encarar nossa própria história. Tenho certeza de que as gerações futuras verão as primeiras fotos de Greta - parecendo ainda mais miúda dentro da capa de chuva amarela, calma, mas desafiadora, recusando-se a aceitar um "não" como resposta - como a representação dos primórdios de uma importante mudança cultural. Não tenho dúvida de que ela se tornará um ícone da crise climática - se já não for.

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Na primeira de suas muitas "greves escolares pelo clima", Greta ficou acampada na porta do Parlamento Sueco vários dias, panfletos na mão, forçando-nos a assumir as consequências de nossa passividade; e como muitos outros, também fui afetado pela clareza inabalável de sua missão. Vi sua mensagem tomar forma e ganhar pernas, seu protesto deixando de ser um ato solitário de desobediência civil para se transformar em um movimento juvenil mundial.

Greta fugiu da conveniência, do conforto e de todas as pequenas coisas que servem tão bem de desculpa para a nossa inação. E desafiou a maneira de encararmos as viagens aéreas quando optou, em agosto, por atravessar o Atlântico em um barco à vela livre de emissões para chegar às Américas, onde faria uma turnê de um mês. Greta percebeu claramente que a maioria de nós estava bem satisfeita em evitar a realidade, condenando sua geração e as que vierem depois a um planeta em frangalhos. Por isso, optou por agir e, ao fazê-lo, deu ao movimento um rosto e um futuro. Milhões de crianças e jovens no mundo inteiro atenderam seu chamado e foram para as ruas durante uma semana inteira de ação pelo clima, no fim de setembro, em uma cena memorável.

Um cartaz representando Thunberg em uma manifestação em setembro pedindo ação sobre as mudanças climáticas - Charles Platiau/Reuters - Charles Platiau/Reuters
Um cartaz representando Thunberg em uma manifestação em setembro pedindo ação sobre as mudanças climáticas
Imagem: Charles Platiau/Reuters
Aposto que continuaremos a ver imagens dessa jovem ativista determinada. Já há muitas por aí: fotos dela fazendo um discurso apaixonado na Cúpula do Clima da ONU, em 23 de setembro, liderando milhares de manifestantes em Montreal na semana seguinte, trocando apertos de mão com ativistas indígenas em Standing Rock em outubro. Entretanto, devemos lembrar que não são elas que estão fazendo o trabalho mais importante; é a própria Greta. Há tempos acredito que a linguagem visual é a ferramenta de comunicação e conexão mais efetiva que há. Contudo, no caso da mudança climática, fica claro que não bastam imagens.

Todos nós vimos os documentários e inúmeras fotos de geleiras derretendo, filhotes de foca encharcados de óleo, baleias encalhadas - mas nada mudou. Greta tirou o debate sobre a mudança climática do campo teórico, e o transformou em algo humano, tangível, urgente. Seu protesto é gritante na simplicidade e brilhante no despojamento; ela está simplesmente dizendo a verdade.

E, pela primeira vez, parece que tem gente prestando atenção. Estaremos prestando um enorme desserviço a Greta - e ao planeta - se não fizermos algo para mudar. É um crime continuar ignorando as verdades que ela e um sem-fim de cientistas nos apresentam com tanta clareza. Será um desperdício enorme se não oferecermos todo o apoio possível a ela. Não precisamos esperar que a história nos alcance e nos diga o que já sabemos.

Há relatórios suficientes nos dizendo o quanto a situação é periclitante; estaremos sendo deliberadamente cegos se não os enxergarmos. Temos de agir. Temos de votar em gente que acredite na ciência. Há um volume tremendo de trabalho pela frente. Sei que muita gente se sente paralisada diante da enormidade da tarefa, ou apavorada ao encarar o problema de frente. Duvido que o caminho do progresso seja fácil ou agradável; de fato, é provável que a coisa piore antes de melhorar.

Mas só o fato de haver alguém como Greta Thunberg por aí prova que ainda não estamos perdidos, que ainda podemos contar com o instinto humano para superar as fraquezas e partir para a briga. Ainda há esperança, por mais tênue que seja. Estamos no meio de uma crise, e a única maneira de combatê-la é se engajar, de humano para humano, com todo o caos e as complicações que isso gera. Não dará uma imagem boa, mas isso raramente acontece em tempos de desespero.

*Darren Aronofsky, que foi indicado ao Oscar como Melhor Diretor por "Cisne Negro" e "O Lutador", é fundador da Protozoa Pictures