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'Precisamos ir à Europa ouvir as críticas', admite Ricardo Salles

Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente - Adriano Machado/Reuters
Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente Imagem: Adriano Machado/Reuters

Mônica Scaramuzzo

São Paulo

13/07/2020 13h25

Em um tom menos beligerante, o ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, se diz disposto a dialogar com as empresas brasileiras e investidores externos para buscar soluções conjuntas para a questão ambiental.

Com o cargo em xeque nas últimas semanas e muito criticado pela fala de que o governo deveria aproveitar que a mídia estava com a atenção voltada à pandemia do coronavírus para "ir passando a boiada", no dia 22 de abril, durante reunião ministerial, Salles admitiu falhas na comunicação e afirmou que vai estreitar as relações com a iniciativa privada e países europeus para debater soluções completas para a Amazônia.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão:

Nas últimas semanas vimos um movimento de empresários e investidores pedindo mudanças de atitude sobre a política ambiental. Por que os investidores estrangeiros e empresários nacionais estão descontentes?

Acho que essa aproximação de empresas de vários setores é positiva. Nós tivemos duas reuniões (na quinta-feira, com investidores estrangeiros, e na sexta-feira, com empresas nacionais). As preocupações são expressadas de maneira diferente. O estrangeiro não tem o conhecimento que o nacional tem em diversos assuntos, mas no geral vai na linha do desmatamento. E nós, por outro lado, pudemos mostrar a eles que pode ter colaboração entre governo e setor privado.

O desmatamento tem aumentado e há uma preocupação das empresas, desde as queimadas na Amazônia no ano passado, de que o governo não tem agido de forma eficiente para combate. Como as conversas estão sendo conduzidas com o setor privado?

Nós entendemos que é necessária ter uma postura firme das atividades ilegais de toda a natureza: garimpo ilegal, de madeira, de grilagem de terra. Isso compõe o primeiro pilar da estratégia do governo. São cinco pilares. O primeiro é comando e controle, que é muito necessário realmente. O segundo é uma discussão no Congresso, neste momento, sobre como fazer a regularização fundiária para você ter a responsabilização das pessoas de acordo com o Código Florestal. Depois, o pagamento pelos serviços ambientais. Ou seja, premiar quem tem boas práticas ambientais. Para isso, o governo lançou o projeto Floresta Mais, que é um projeto piloto de R$ 500 milhões que pode se expandir, inclusive com a ajuda dos investidores estrangeiros. O quarto pilar é o zoneamento econômico e biológico, que poderá trazer um planejamento territorial para a Amazônia. E, por fim, trazer investimento privado para colocar de pé a agenda da bioeconomia.

E como faz isso?

O pressuposto é que a floresta preservada tem de valer mais que a floresta devastada.

As empresas e investidores fizeram pesadas críticas à política ambiental. O governo insiste em dizer que é uma questão de geopolítica e protecionismo.

Acho que as coisas se somam. Que há interesses comerciais entre países e mercados, não tem dúvida. Mas se soma a isso uma percepção da sociedade e consumidores sobre o tema ambiental, percepção essa que é justa. E há também um sentimento das empresas, que querem manter sua competitividade no Brasil e no exterior e que querem participar mais das discussões e dilemas ambientais.

As empresas dizem já sofrer boicotes. Como ajudá-las?

O que podemos fazer é ajudar as empresas a responder esses questionamento e, eventualmente, se precisar de ações concretas, nós faremos. Por isso que é preciso que as empresas estejam próximas ao governo para trazer essas informações e a gente responder.

O sr. reconhece que falhou nessas demandas ambientais?

Acho que preciso melhorar realmente a comunicação e trazer as pessoas para participarem desse debate. O vice-presidente Hamilton Mourão convidou alguns embaixadores estrangeiros para irem à Amazônia quando passar a pandemia. Por outro lado, precisamos ir à Europa e outros países para dar informações e ouvir as críticas. Ou seja, encontrar um caminho comum de soluções completas para a Amazônia.

Então existe uma certa falha neste processo. O sr. está fazendo uma espécie de 'mea culpa'?

A comunicação nossa precisa melhorar. Se a gente puder contar com as empresas brasileiras para ajudar, isso vai ser importante porque têm capilaridade, agilidade, e uma série de diferenciais que tornam mais rápida do que a missão governamental. Isso é verdade.

Como as empresas podem ajudar? Por que só agora o sr. procurou a iniciativa privada?

A ajuda pode se dar de várias formas. Há questões pontuais, que é o programa Adote um Parque para que 132 unidades de conservação da Amazônia possam ser adotadas por empresas privadas nacionais e estrangeiras. Mas do que isso as empresas devem - e o vice-presidente Mourão abriu essa oportunidade - participar desses debates nossos sobre o que fazer para enfrentar os desafios da Amazônia, seja no conselho da Amazônia ou no conselho do fundo da Amazônia.

Enfrentamos também um racha no agronegócio em relação às questões ambientais. Há uma ala muito radical, alinhada ao governo, que diz que o problema não existe.

Acho que precisa se aproximar todos os lados. Todos precisam ouvir - cada lado tem aí suas ponderações e suas perspectivas. Essa conversa tem de ser feita de maneira transparente e rápida.

A sua fala no dia 22 de abril na reunião ministerial com o Bolsonaro "de passar a boiada" pegou muito mal e gerou muitos protestos. Como o sr. avalia hoje essa fala?

Primeiro, a gente tem de explicar para a sociedade os desafios da burocracia e de ter uma regra. Se você me perguntasse se era uma frase para ser dita ao público desta forma, acho que não. Tem de explicar melhor. É o que tenho feito nesta entrevista. É uma questão de ter mais eficiência, ter mais transparência, diminuir burocracia, que são processos sempre necessários. E explicar isso de forma mais didática.

Há comentários em Brasília de que o sr. não está mais à altura da pasta. Como recebe essas críticas?

Essa escolha é do presidente da República. Ele é que tem fazer isso. Temos de receber as críticas com naturalidade e corrigir se tiver algo a fazer. O governo tem um nível técnico elevado. A gente tem de olhar para a frente e trabalhar em conjunto. O governo tem muita coerência e homogeneidade.

Como o sr. se defende das ações de improbidades administrativas que é acusado?

Eu acho que a ação é improcedente até porque vários temas que são tratados ali reúnem muita coisa ao mesmo tempo. Elas já estão sendo discutidas em outros processos e o governo tem demonstrado que há fundamentos para todos os temas.