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Por que ícone do ambientalismo se diz otimista quanto ao futuro do planeta

Sylvia Earle, em visita ao Brasil - Agência Brasil
Sylvia Earle, em visita ao Brasil Imagem: Agência Brasil

João Fellet

Da BBC Brasil, em Brasília

11/03/2018 16h05

Desde que começou a mergulhar e se tornou um ícone do movimento ambientalista global, a oceanógrafa americana Sylvia Earle viu mais da metade dos corais desaparecerem, a população de grandes peixes marinhos se reduzir a 10% do número original e ricos ecossistemas serem contaminados por plástico e petróleo.

Mesmo assim, a americana de 82 anos - célebre por sua atuação em prol dos oceanos - diz à BBC Brasil que não perde o sono com o futuro projetado pelas mudanças climáticas e pela acelerada extinção de espécies.

"Acho que as crianças estão determinadas a não deixar isso acontecer. Elas estão fazendo a cabeça de seus pais, professores, das pessoas responsáveis por tomar as decisões", afirma.

Em entrevista à BBC Brasil após se reunir com o presidente Michel Temer na última segunda-feira, em Brasília, Earle diz que nunca a humanidade teve tanto conhecimento sobre o funcionamento do planeta e a necessidade de preservá-lo.

"As pessoas mais inteligentes que já viveram não tinham como saber o que crianças de dez anos de idade podem saber hoje. E isso é motivo para esperança."

Avó de quatro crianças, Earle viu o mundo se transformar desde que começou a militar pela preservação dos mares - trajetória recentemente retratada no documentário Mission Blue, da Netflix.

Na década de 1940, nadou nas águas limpas da Flórida antes que petrolíferas perfurassem o solo do Golfo do México em busca de riquezas submarinas. "Eu vi o número de poços de petróleo passar de zero a dezenas de milhares, e eu vi cada consequência desse avanço no corpo d'água", ela diz.

Antes rico em biodiversidade, o Golfo do México hoje abriga uma das maiores "zonas mortas" do mundo, como são chamadas as áreas onde a poluição e falta de oxigênio tornam a vida marinha quase impossível.

Após se reunir com Temer, ela elogiou o fato de o Brasil ter criado, em 1983, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (BA), por isso ter evitado a exploração de uma uma área cobiçada por seus depósitos submarinos.

Exploração de petróleo 
petróleo - Reprodução/El Confidencial - Reprodução/El Confidencial
Incêndio em uma plataforma de petróleo, no Golfo do México, em 2010
Imagem: Reprodução/El Confidencial

Questionada pela BBC Brasil sobre o avanço da exploração petrolífera no litoral brasileiro, especialmente na região do pré-sal, disse que a atividade não compensa os riscos.

Earle afirma que a extração não só ameaça a vida marinha em caso de acidentes - como o que matou 11 pessoas e despejou 4,9 milhões de barris de petróleo no Golfo do México, em 2010 -, mas também contribui para as mudanças climáticas por meio da queima do petróleo.

Além disso, afirma que alternativas à queima de combustíveis fósseis, como a energia solar, tornam-se cada vez mais baratas.

"A extração de petróleo e gás nos mares e a do carvão na terra continuarão por algum tempo, mas estão em declínio irreversível."

Um dos principais objetivos da visita de Earle ao Brasil era convencer Temer a livrar outras duas áreas do litoral brasileiro da exploração de recursos subterrâneos e marinhos.

Nas próximas semanas, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) entregará ao presidente a proposta de criar duas Unidades de Conservação que poderão se tornar as maiores reservas marinhas do país - uma em torno do arquipélago de São Pedro e São Paulo, em Pernambuco, e outra na cordilheira submarina Vitória-Trindade, no Espírito Santo.

Segundo o MMA, cada unidade terá cerca de 400 mil quilômetros quadrados, o equivalente a dois Estados do Paraná. Somadas, fariam com que 25% das águas marinhas e costeiras brasileiras fiquem protegidas, permitindo que o país cumpra com folga um acordo internacional que obriga cada nação a proteger 10% dessas áreas até 2020.

Hoje, o índice de proteção das águas costeiras no Brasil é de 1,5% e, no mundo, de 2%. Em comparação, 12% das áreas terrestres do globo têm algum tipo de proteção; no Brasil, são 20%.

Earle diz que Temer se comprometeu a criar as reservas. "Felizmente ele tem filhos e parece ter nos ouvido."

No encontro, ela sugeriu que o brasileiro tinha diante de si a mesma oportunidade que apresentou em 2006 ao então presidente dos EUA, George W. Bush. Impopular entre os ambientalistas, o americano agradou o grupo ao criar no Havaí a maior reserva marinha do mundo até então.

Dez anos depois, a área foi quadruplicada pelo sucessor de Bush, Barack Obama.

Impasse 
Carpas - David W Cerny/Reuters - David W Cerny/Reuters
Aos que não abrem mão de animais aquáticos na dieta, Earle sugere sua substituição por peixes criados em cativeiro e não carnívoros, caso de carpas e tilápias
Imagem: David W Cerny/Reuters

Pessoas que acompanham as tratativas disseram à BBC Brasil que o principal impasse em relação às duas reservas é o tamanho de suas áreas que terão proteção integral. Ambientalistas tentam convencer o governo a ampliar as áreas com categoria de Monumento Natural, onde não são permitidas atividades econômicas.

Pela proposta atual, a maior parte das unidades terá a categoria de Área de Proteção Ambiental (APA), onde são permitidas atividades que não causem grandes impactos.

Earle foi uma das primeiras ambientalistas a advogar a delimitação de áreas marinhas protegidas, inspirada nos efeitos da proteção de florestas e ambientes terrestres. Em 2009, defendeu a iniciativa numa conferência TED (a fala foi premiada como a melhor do ano e contabiliza quase 2 milhões de visualizações).

"Temos provas de que, quando protegemos uma floresta integralmente, as espécies retornam caso não tenham sido extintas. No oceano é a mesma coisa", ela afirma.

A oceanógrafa costuma dizer que a saúde dos oceanos é vital tanto para as espécies marinhas quanto para as terrestres - inclusive a humana.

Estima-se que 50% do oxigênio na atmosfera venha da fotossíntese produzida na superfície do oceano. Essa operação, diz ela, é posta em xeque quando esses ambientes são perturbados pela poluição ou por atividades humanas predatórias, como a pesca industrial e a mineração.

Earle diz que nos últimos 50 anos a população de grandes peixes marinhos - entre os quais o bacalhau, o peixe-espada e a lubina chilena - foi reduzida em 90%.

Algumas espécies, caso do atum-rabilho do Pacífico, têm hoje menos de 5% da população original.

Earle não come peixes nem qualquer tipo de animal selvagem. Aos que não abrem mão de animais aquáticos na dieta, sugere sua substituição por peixes criados em cativeiro e não carnívoros, caso de carpas e tilápias.

A recomendação não se aplica ao salmão, espécie carnívora criada em fazendas aquáticas. "São necessários milhares de peixes selvagens para alimentar um pequeno número de salmões em fazendas - esse não é um bom modelo."

Formada em biologia, Earle foi a primeira mulher a chefiar a agência do governo dos EUA para os oceanos e a atmosfera (NOAA) e projetou vários submarinos para mergulhos profundos.

Ela disse à reportagem que pretende voltar ao Brasil até o fim do ano para mergulhar pela primeira vez em águas brasileiras - de preferência nas áreas cotadas para virar reservas.

Para a americana, ainda há muito a descobrir sobre as florestas e os mares brasileiros, que ela considera "bibliotecas de conhecimento".

"Se destruirmos as florestas e os corais remanescentes, seria como queimar essas bibliotecas", afirma.

"Temos que guardar essas áreas como presentes para o futuro, como se estivéssemos colocando-as no banco, cuidando da segurança de todo o planeta, construindo essa rede de esperança para a nossa existência."