Topo

Como uma doença sexualmente transmissível está ameaçando a sobrevivência dos coalas

A população de coalas caiu drasticamente nas últimas duas décadas. Um dos motivos é a clamídia, doença sexualmente transmissível - Anne B.Keiser/National Geographic Creative)
A população de coalas caiu drasticamente nas últimas duas décadas. Um dos motivos é a clamídia, doença sexualmente transmissível Imagem: Anne B.Keiser/National Geographic Creative)

21/05/2018 15h41

A população de coalas diminuiu drasticamente nas últimas duas décadas, principalmente em decorrência de uma doença sexualmente transmissível chamada clamídia.

A ONG Australian Koala Foundation estima que só restem 43 mil coalas em ambiente silvestre. Antes de os europeus chegarem à Austrália, no século 18, havia 10 milhões desses animais.

Autoridades de Queensland, o segundo maior estado do país, dizem que 40% dos coalas da região morreram.

Contaminação

"Cerca de 50% dos coalas em toda a Austrália estão infectados", diz Daid Wilson, professor de infectologia do Instituto Burnet, em Melbourne. "Em alguns grupos populacionais, a grande maioria pode estar contaminada - até 80%."

A clamídia se tornou uma ameaça tão séria quanto outros fatores tradicionalmente responsáveis pela redução populacional de coalas: destruição do habitat natural, ataque de cachorros domésticos, incêndios e atropelamentos.

A clamídia transmitida aos coalas é diferente da dos humanos e dificilmente ocorre contaminação entre as duas espécies.

Transmissão

Diferentemente do que ocorre com humanos, a clamídia em marsupiais é transmitida não apenas sexualmente. As mães, por exemplo, podem infectar os filhotes pelo contato com seus fluídos corporais, que também servem de nutrientes aos recém-nascidos.

Infectologistas acreditam que os coalas adquiriram uma mutação da bactéria trazida à Austrália pela introdução de ovelhas e gados, no século 18, durante a colonização europeia.

Assim como ocorre em seres humanos, a clamídia pode causar esterilização, mas os coalas também sofrem outros efeitos, como infecção urinária, tumores e cegueira.

"Estamos vivenciado uma situação de urgência: muitos coalas estão sofrendo. Vários deles não podem mais se reproduzir. Não sabemos quantos ainda são férteis e quantos estão contaminados", disse Michael Pyne, diretor de uma clínica veterinária em Queensland.

Mortes

De acordo com Pyne, sua clínica tem recebido cada vez mais coalas doentes. Em 2017, foram 461. "Trabalho neste hospital veterinário há 18 anos. Há 10 anos, tratamos de 28 coalas (num ano)", disse o veterinário.

Um estudo da Universidade de Queensland, publicado no ano passado, mostrou que, de 1997 a 2013, pelo menos 52% dos 20.250 coalas tratados na região naquele período tinha sintomas de clamídia.

A doença correspondeu à segunda causa mais comum de internação de coalas - traumas provocados por atropelamentos foram 15,5%. Mas veterinários dizem que esses acidentes são efeitos "invisíveis" da clamídia, porque os animais infectados têm mais chance de ser atropelados.

Coalas comem apenas folhas de eucalipto, mas os animais contaminados podem se sentir fracos demais para subir em árvores e acabam ficando em situação vulnerável no solo.

Como na contaminação de humanos, a clamídia é curável, mas há enormes desafios em tratar marsupiais. É difícil, por exemplo, detectar a infecção, em seu estágio inicial, entre as populações de coalas que vivem na floresta. 

Coala_1 - GETTY IMAGES/BBC - GETTY IMAGES/BBC
Atropelamentos são uma das principais causas de mortes de coalas além das doenças
Imagem: GETTY IMAGES/BBC

Veneno ou vacina?

O tratamento com antibiótico só é eficiente nos primeiros estágios da doença, mas ainda assim há riscos- o remédio está ligado ao possível desequilíbrio na produção de bactérias intestinais dos marsupiais, o que pode prejudicar a habilidade de digestão de folhas de eucalipto.

Enquanto as pesquisas para encontrar uma vacina contra a doença estão sendo desenvolvidas, alguns cientistas defendem um método mais radical para conter a expansão da clamídia entre coalas.

O professor David Wilson, do Instituto Burnet, em Melbourne, acredita que a melhor forma de preservar os animais é sacrificar, em larga escala, os contaminados que não apresentem mais chance de cura.

"Coalas gravemente doentes são sacrificados, porque os antibióticos não são eficientes. Sacrificar mais coalas (infectados) poderia ajudar a aumentar a população (desses bichos)", disse Wilson à BBC.

Esse pensamento, aparentemente paradoxal, é baseado num modelo de computador que mostra que um abate de 10% da população de coalas em diferentes regiões a cada ano paradoxalmente teria um efeito positivo, em longo prazo, no crescimento populacional desses animais.

Controvérsia

"Até que uma vacina seja disponibilizada, infelizmente, acredito que o abate seja a melhor solução", diz Wilson. Esse argumento, porém, causa controvérsia.

A ONG Australian Koala Foundation argumenta que a proteção do habitat pode ser uma política muito mais eficiente na proteção.

"Os coalas já têm clamídia há muitos anos e eles podem viver bem com isso até sofrerem complicações, causadas, por exemplo, por estresse. Assim como os seres humanos, eles são mais suscetíveis a infecções se estão enfraquecidos. Se você não tem comida, se sua árvore foi derrubada e está correndo risco de ser morto por carros ou cachorros, você pode perder a batalha e adoecer", disse ao The Guardian Douglas Kerlin, um ecologista que trabalha para a Australian Koala Foundation.

"A intervenção necessária é a proteção do habitat natural. Focar na clamídia é a resposta mais fácil, proteger o habitat é mais difícil. Não estou dizendo que sou necessariamente contra o abate, mas tenho receio de matar espécies ameaçadas."

Mas Wilson disse à BBC que já foram implementados alguns testes de abate. "Acreditamos que está funcionando conforme o previsto, mas, por causa da repercussão negativa, percebemos que a melhor estratégia é manter a discrição sobre isso. Não achamos necessário chamar a atenção para esse método de preservação (da espécie) até que ele dê certo", afirmou.

Abate não é algo novo. Em 2015, o estado de Victoria revelou que foram sacrificados 700 coalas nos dois anos anteriores na região de Cape Otway. A culpa, naquele episódio, não foi da clamídia.

Curiosamente, o sacrifício ocorreu depois que veterinários descobriram que um grande número de coalas estava passando fome por causa do aumento populacional fora do controle da espécie na região. 

Coala_2 - GETTY IMAGES/BBC - GETTY IMAGES/BBC
Autoridades estrangeiras muitas vezes são recebidas com coalas como parte da diplomacia da Austrália
Imagem: GETTY IMAGES/BBC

Vacinação contra clamídia

Pesquisadores têm esperança de que a criação de vacinas possa evitar que os abates continuem. Uma equipe da Universidade Sunshine Coast, também em Queensland, anunciou em 2017 que testes com uma dose de injeção mostraram "resultados encorajadores" no combate à clamídia em coalas.

Os cientistas, liderados por Peter Timms, usaram 21 animais da região de Moreton Bay nos testes - 15 eram saudáveis e seis apresentavam os estágios iniciais da infecção por clamídia.

Após seis meses, nenhum dos animais saudáveis desenvolveu a doença, apesar de ela ser altamente prevalente no habitat deles. E os seis marsupiais que já estavam doentes se curaram.

Timms e sua equipe acreditam que as pesquisas também serão úteis para os seres humanos. O pesquisador Kennet Beagly, que ajudou a desenvolver a vacina, está trabalhando numa versão para seres humanos que poderá ser testada nos próximos cinco anos.

"Você nunca vai conseguir se livrar da clamídia por completo, assim como você nunca vai conseguir se livrar da gripe, mas acreditamos que a vacina vai, pelo menos, fazer a população de coalas crescer em vez de se reduzir", disse Beagly, à revista New Scientist.

A premiê do Estado de New South Wales, Gladys Berejiklian, anunciou uma nova estratégia, que inclui zonas de proteção aos coalas e programas de pesquisa. O investimento será de US$ 34 milhões.

"Coalas são um tesouro nacional. Esta estratégia vai assegurar que tenhamos mais deles nas florestas", afirmou Berejiklian.