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Para ONGs, Rio+20 e Cúpula dos Povos vão reorganizar o ativismo global

Ativistas protestam durante o Fórum de Desenvolvimento Sustentável realizado na Rio+20 - Marco Antônio Teixeira/UOL
Ativistas protestam durante o Fórum de Desenvolvimento Sustentável realizado na Rio+20 Imagem: Marco Antônio Teixeira/UOL

Maria Denise Galvani

Do UOL, no Rio

22/06/2012 21h47

Apesar de falarem em decepção com relação ao documento final da Rio+20, "O Futuro que queremos", representantes da sociedade civil acreditam que a conferência serviu como palco para reorganizar o ativismo em torno de causas sociais e ambientais.

"Por muito tempo se falou, por exemplo, em rivalidade entre os movimentos trabalhista e ambientalista, mas hoje participamos da Rio+20 juntos, porque os três pilares do desenvolvimento sustentável (econômico, social e ambiental) constituem um objetivo único ", disse Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace Internacional, em uma avaliação feita nas horas finais da conferência. "Temos que superar barreiras do passado: intensificar a luta integrada pelo desenvolvimento sustentável e fazer parceiras com os governos e empresários mais progressistas.”

Essa também é a avaliação de Rubes Born, coordenador da ONG Vitae Civilis, que acompanhou as negociações da ONU como representante da sociedade civil. "Independentemente do resultado, a Rio+20 serve para realinhar forças vivas da sociedade civil", afirma.

O discurso dos "grandes grupos" da sociedade civil representados nas negociações soou nitidamente mais conciliador depois de uma reunião, no último dia da conferência, entre ativistas e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon. Ao contrário das reuniões de cúpula da Rio+20, que acontecem desde o dia 20, o encontro não foi aberto à imprensa nem transmitido ao público. "Ele inclusive nos falou que também foi educado, quando jovem, a sempre buscar resultados ambiciosos. Mas disse que os processos da ONU são assim mesmo e que o documento vai abrir espaço para os Estados tomarem ações concretas no futuro”, contou Born.

Paralela à Rio+20, a Cúpula dos Povos, organizada por movimentos sociais, produziu uma declaração final que classificou como "fracasso" da reunião da ONU.

Para Bárbara Stocking, diretora da ONG internacional Oxfam, o mundo vive uma crise de liderança política que precisa ser superada. "O que temos no momento é um mundo onde as pessoas sentem medo e insegurança --e isso vai aumentar, a menos que nossos líderes mostrem uma visão inspiradora", afirmou.

Como pontos positivos da conferência, Stocking citou o acordo de países em torno dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a serem adotados mundialmente a partir de 2015, e a "energia enorme que emana da Cúpula dos Povos, que realmente traz resultados".

Avanços para empresários, retrocessos para as mulheres

Para cada um dos nove "grandes grupos" da sociedade civil representados na Rio+20 -- ONGs, Mulheres, Infância e Juventude, Agricultores, Povos Indígenas, Comunidade Científica, Negócios e Indústria, Sindicatos e Governos Locais -- a Rio+20 teve impactos ligeiramente diferentes.

De acordo com Ronan Dantec, senador da província francesa de Loire-Atlantique e porta-voz dos Governos Locais Unidos, a conferência foi positiva para os representantes dos poderes locais, isoladamente. "A declaração reconhece a capacidade das cidades em lidar com as mudanças climáticas e prover qualidade de vida", diz. Para representantes do setor de negócios, a conferência também foi avaliada como positiva. No entanto, Dantec e o grande grupo dos empresários também se solidarizaram com os retrocessos amargados por ativistas de outras aréas.

O "grande grupo" que sofreu o maior golpe em sua plataforma foi o das mulheres. O texto final acabou passando sem a menção dos "direitos reprodutivos das mullheres" como princípios a serem respeitados.

Segundo uma representante do grupo das mulheres na Rio+20, a cientista indiana Gita Sen,os direitos reprodutivos foram usados como barganha em busca de apoio a outros pontos de negociação difícil. “A Santa Sé levou muitas delegações a acreditarem que ‘direitos reprodutivos’ significa legalização do aborto, quando isso não é verdade!", afirma ela. A questão então teria tomado grandes proporções no denate. "Ficamos perplexos com a postura de Estados que sempre nos apoiaram e que, na hora de votar, ficaram em silêncio”, diz ainda Sen.

Até o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antônio Patriota, chegou a se dizer "frustrado" com a omissão dos direitos reprodutivos na declaração Final.

Na esteira do discurso em prol de um "ativismo unido", a causa das mulheres encontrou apoio também entre os outros grandes grupos. "É um escândalo que esse encontro, dominado por homens, tente ditar às mulheres como governar os seus corpos", diz Naidoo, do Greenpeace.

Boicote das ONGs brasileiras

Trazer a sociedade civil para o núcleo dos debates foi a maior estratégia do governo brasileiro para dar um ar de participação social à Rio+20. A série de dez debates "Diálogos com a Sociedade Civil sobre o Desenvolvimento Sustentável" começou com um fórum na internet e terminou com um painel de especialistas convidados a fazer recomendações a chefes de Estado.

Grandes ONGs ambientalistas brasileiras, no entanto, preferiram não participar dos diálogos oficiais da Rio+20, para expressar seu descontentamento com desdobramentos recentes da política ambiental brasileira -- a aprovação do novo Código Florestal brasileiro, que pode acabar favorecendo o desmatamento, e o anúncio recente de um pacote que regionaliza a administração de áreas de reserva.

"Vivemos um momento difícil com o governo brasileiro", resume Rubens Born, da Vitae Civilis

"Até o governo Dilma, havia avanços importantes na legislação brasileira -- não na velocidade e profundidade que gostaríamos, mas avanços. No último ano e meio, vimos as coisas andarem para trás", diz João Paulo Capobianco, presidente do conselho do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).

Capobianco organizou o lançamento, na Cúpula dos Povos, da "Agenda Socioambiental Rio92-Rio+20", feita em parceria por 11 ONGs brasileiras. Dessas, ao menos três -- O IDS, o Greenpeace e a SOS Mata Atlântica -- decidiram recusar os convites do Itamaraty para participar de atividades oficiais da Rio+20.